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A reserva que SP não conhece

OESP, Metrópole, p. C4
04 de Jun de 2006

A reserva que SP não conhece
Área de Preservação Ambiental de 251 km2 foi criada há cinco anos em Parelheiros, na zona sul

Marisa Folgato

Frio de cortar, garoa fina, numa tarde que cai rápido na Barragem, no Rio Monos, região de Parelheiros, extremo sul de São Paulo. O inspetor Edson Hugo de Andrade Lopes acaba de voltar do Parque do Ibirapuera, depois de quase duas horas de viagem. Foi socorrer uma coruja-do-mato, asa e perna quebradas, num Fiesta, o único carro da base ambiental da Guarda Civil Metropolitana de São Paulo na Área de Proteção Ambiental (APA) Capivari-Monos. "Os outros dois estão quebrados", diz. Também não são bons para as estradas de terra esburacadas.

É com esse único carro que os 29 GCMs, divididos em quatro equipes e turnos, cuidam da primeira APA da cidade, de 251 quilômetros quadrados de área - um sexto do município -, que completa cinco anos na sexta-feira. Essa é apenas uma das precariedades da região que concentra rios límpidos, duas aldeias de índios, tem 73% do território coberto de mata atlântica em avançado estágio de recuperação e uma diversidade de fauna de peso (veja ao lado). "Fiscalizamos muita coisa a pé, mas a área é enorme. Temos invasões, desmatamento, caçadores e desmanche de carros. Deixam a mata sem mexer na frente, como cortina, mas atrás fica a devastação", diz Lopes.

Esse é um problema que os policiais militares ambientais também vêem do helicóptero, segundo o tenente Leandro Ribeiro de Camargo. GCM e PM atuam na região. "Na semana passada, desci o Rio Capivari numa blitz. Ele é bem limpo, mas achei peças de carro abandonadas por ali", afirma Camargo. Os policiais encontraram barracas de caçadores, corte ilegal de madeira. "Derrubam pinus e eucaliptos e levam junto árvores nobres, bromélias."

Grilagem de terrenos e ocupações também afetam a parte da APA que se sobrepõe ao Parque Estadual da Serra do Mar, no Núcleo do Curucutu. "Essa mata é o que sobrou e a pressão da urbanização é grande. É preciso apertar a fiscalização e contar com o envolvimento das comunidades", diz o responsável pelo núcleo, Maurício Alonso.

Ficam na APA cerca de 2 mil hectares do Curucutu, que tem 25 mil hectares no total. "Temos seis vigias, de uma empresa privada, para tudo. Devo receber seis guardas-parque." Mas ele diz que é indispensável ter uma base da Polícia Militar Ambiental (PMA) mais perto: há uma na Represa Guarapiranga e outra em São Bernardo.

O secretário municipal do Verde, Eduardo Jorge, recebeu boas notícias. "Na licença do Rodoanel, o secretário estadual do Meio Ambiente, José Goldemberg, incluiu a construção de duas bases da PMA na área. Além disso, o prefeito Gilberto Kassab chamou 260 GCMs concursados e 60 vão para a Capivari-Monos", diz Jorge.

Ele reconhece a precariedade, mas acredita que a situação melhorou muito. "Foram criados o conselho gestor e o zoneamento, e está em andamento o plano do turismo, para gerar emprego para a população."

Jorge lembra que, como compensação pela instalação de sua rede na região, Furnas fez a doação de um parque de 500 mil m2, aprovada oficialmente na semana passada. Fica na Cratera da Colônia, formada após a queda de um corpo celeste há milhões de anos. A cratera tem 3.640 metros de diâmetro e guarda outro problema, um bairro irregular, Vargem Grande. Mas pode vir daí a esperança. Segundo o presidente da Associação Comunitária Habitacional Vargem Grande, Sebastião Carmo Silva, em troca da legalização de 7 mil lotes, a entidade vai doar 1,7 milhão de m2 para um parque, vizinho do outro. "Nosso bairro parou de crescer. Mas isso continua em outros pontos. Estou preocupado", disse Silva.

Todos estão. A APA é um modelo mais flexível de preservação que um parque, onde nada pode ser feito. "Muita gente estava aqui antes da criação da área, em 2001. Por isso, há um zoneamento próprio que prevê de áreas agrícolas a povoados, como o de Engenheiro Marsilac, e matas intocáveis", diz a presidente do conselho gestor, Maria Lúcia Ramos Bellenzani. "Não é proibido construir, desde que os parâmetros e o zoneamento sejam respeitados."

Com esse formato, há de tudo na região, que lembra povoados interioranos. Na mercearia de Luiz Schunck, no Gramado, o fio de barba vale. "Vendo fiado e marco na caderneta", diz Schunck, de 54 anos, de família alemã instalada na área há mais de 100 anos. O ar de vendinha de antigamente impressiona. Há ovos caipiras produzidos em seu quintal, estilingues, botinas, banana, martelos, facões, talco.

Apesar da tranqüilidade, já foi assaltado três vezes. "Gente de fora." Para Schunck, a criação da APA não valeu grande coisa. "Esperava melhoria, mas nada", diz ele, que costuma se aventurar num tipo de jipe, o gaiola, pela região. "No sábado, fomos em cinco gaiolas até a Cachoeira do Sagüi."

"O turismo é um caminho para a APA. Criamos um grupo de monitores, jovens de Marsilac, para guiar os passeios", diz Lúcia. São oferecidas cinco trilhas. Contratar o guia custa R$ 50,00 (telefone 5975-4193). Mas falta estrutura para o turista, como restaurantes.

Produtos como o vinagre de caqui, feito por João Kutney de Paulos, são outros atrativos da APA. E sua forma de produção, um exemplo. Kutney só ocupa meio alqueire dos 6,8 do sítio com plantação. "No resto, me apaixonei pela mata. Com isso tenho os bichos de recompensa." Ele diz que precisa filmar os tucanos que comem seus caquis para que acreditem que isso existe em São Paulo. A agricultura cobre 8,6% da APA.

Para quem vive nos sítios, ir à escola continua sendo uma missão difícil, apesar dos ônibus escolares do Estado. "Andamos uns 20 minutos até a estrada", diz a caseira Maria da Conceição Santos. "Para adulto é pior: até Embura, para qualquer compra, são duas horas a pé."

Entre 443 espécies de animais, até onças pardas
Três das espécies de animais ameaçadas de extinção no País resistem na APA Capivari-Monos: onça parda, gato-do-mato e o pássaro papo-branco. Só um ponto, a Fazenda Capivari, tem 120 espécies. A Estrada da Vargem Grande tem 114 e o Núcleo Curucutu, 112. Esses dados estão no Inventário de Fauna do Município que será lançado amanhã.

Segundo a diretora da Divisão de Medicina Veterinária e Manejo de Fauna Silvestre da Secretaria do Verde e Meio Ambiente, Vilma Clarice Geraldi, o estudo, feito de 1993 a 2005, mostrou que a cidade tem 433 espécies de animais, 25 delas ameaçadas de extinção no Estado e 5 no País. "É impressionante a diversidade: 285 espécies de aves, 58 de mamíferos, 40 de anfíbios, 37 de répteis, 9 de peixes, 2 de aranhas e 2 de crustáceos. Tudo na maior metrópole do hemisfério sul."

OESP, 04/06/2006, Metrópole, p. C4

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