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Repórter relata meses de procura a 'homens invisíveis'

OESP, Nacional, p. A13
20 de Mai de 2007

Repórter relata meses de procura a 'homens invisíveis'
Jornalista do 'Estado' seguiu expedição de Sydney Possuelo na Amazônia

Roldão Arruda

Em junho de 2002, o sertanista Sydney Possuelo embrenhou-se na floresta amazônica, na região do Vale do Javari, fronteira do Brasil com Peru e Colômbia, para mapear uma área onde vivem grupos indígenas isolados, que não têm contato com não-índios. Passou três meses e meio na selva, durante os quais navegou mil quilômetros por rios e igarapés, andou a pé outros 273 e enfrentou problemas em série: da ameaça de ataques dos índios à falta de alimentos, sem falar na indesejada proximidade de jararacas, surucucus, porcos-do-mato.

A expedição era formada por 34 homens. Entre eles, três jornalistas: um fotógrafo e um repórter da revista National Geographic e o repórter Leonencio Nossa, da sucursal do Estado em Brasília.

Logo após deixar a selva, numa inesquecível tarde de setembro, clara e ensolarada, Leonencio produziu um alentado trabalho jornalístico sobre a aventura, publicado pelo Estado. E agora, passados quatro anos, retoma o assunto no livro Homens Invisíveis, da Editora Record.

Num tom ágil, de aventura, ele narra os bastidores da reportagem, as agruras dos expedicionários, afundados até as coxas nos lodaçais amazônicos, e os avanços na estranha missão de demarcar as terras de índios sem entrar em contato com eles - para evitar a transmissão de doenças.

Tudo era feito às pressas, como se estivessem numa guerrilha. 'Cansados ou não os homens têm de reiniciar a caminhada a cada manhã, numa tática de guerrilha', relata.

Material de reportagem não faltou. Quanto mais afundava no desconhecido, quanto mais era atacado por mosquitos e formigas, que provocavam inflamações, mais o repórter recorria às anotações nos cadernos - guardados em sacolas plásticas, para protegê-los da água das chuvas e dos rios.

'Nas canoas, escrever é para mim mais que uma tarefa profissional. Anoto nos blocos atingidos pela umidade da floresta qualquer cena, mesmo aquelas sem importância, que dificilmente vou aproveitar. Escrever é manter o vínculo com o mundo lá fora, com a cidade', conta.

Esse farto material lhe permite selecionar as melhores histórias, nominar cuidadosamente árvores, peixes, frutas, insetos e descrever cenas raras, como o cotidiano de uma tribo que escraviza outros índios. Ele também aproveita a convivência forçada com os homens da expedição - a maioria índios e ribeirinhos - para contar suas histórias, de suas famílias, e, por tabela, da colonização da região.

Se a aventura aparece em primeiro plano, o pano de fundo é a desastrada história do contato do branco com o índio - tratado na Europa até 1537 igual a macacos ou tartarugas, como relembra Leonencio: 'Foi nesse ano que o papa Paulo III declarou que os índios eram homens.'

O extermínio dos quase 5 milhões de indígenas que habitavam a terra brasileira na época da chegada dos portugueses é pontuado aqui e ali, em conversas, textos de documentos, relatos e análises de outras pessoas que passaram pela região - Euclides da Cunha, Cândido Rondon, Theodore Roosevelt, Darcy Ribeiro e outros.

Ao falar dos índios matises que seguem Possuelo, o autor conta que somavam cerca de mil em 1970, quando tiveram contato com homem branco. Vinte anos depois já estavam condenados ao desaparecimento, com pouco mais de cem pessoas. Não desapareceram porque o governo proibiu a entrada de madeireiros, pescadores e caçadores na área onde viviam. Em 2002, eram 216.

De maneira discreta, Leonencio parece confirmar o pensamento que o sertanista e chefe da expedição repete a cada dia: 'Quanto mais isolado na floresta, mais forte e feliz é o índio.'

OESP, 20/05/2007, Nacional, p. A13

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