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Renda maior não alavanca o NE

OESP, Nacional, p. A8
20 de Jul de 2009

Renda maior não alavanca o NE
Estudo inédito da FGV mostra que qualidade de vida não foi beneficiada pelo ganho maior das famílias da região

Ricardo Brandt

A renda da população do Nordeste, região mais carente do Brasil, cresceu nos últimos anos impulsionada pelo fortalecimento da economia nacional e pelos programas de transferência de recursos como o Bolsa-Família. O dado negativo é que isso não refletiu em melhora na qualidade de vida das pessoas que apenas sobrevivem nesses Estados e nem contribuiu para um desenvolvimento local sustentável.

Serviços essenciais a que todos deveriam ter acesso como saúde de qualidade, educação universal, moradia adequada e segurança apresentaram crescimento bem abaixo da média do aumento de renda.

Os dados são de uma pesquisa inédita feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) Projetos, que apresenta amplo diagnóstico das mazelas e conquistas socioeconômicas dos nove Estados nordestinos, Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, entre os anos de 2001 e 2007.

O levantamento traça um retrato detalhado do atraso da região Nordeste com base em 36 microindicadores oficiais agrupados em oito temas: saneamento básico, qualidade de moradia, educação, segurança pública, renda, emprego, desigualdade e pobreza.

O resultado serve de alerta e também como guia para autoridades públicas locais. O estudo concluído em junho, ao qual o Estado teve acesso com exclusividade, atribui a falta de reflexos do aumento da renda nos indicadores sociais diretamente à escolha de políticas públicas equivocadas por parte dos governos.

"O modelo de pensar o desenvolvimento do Nordeste não trouxe impacto sobre a qualidade de vida e os indicadores de desenvolvimento socioeconômicos da população", afirma o coordenador do estudo, o economista da FGV Fernando Blumenschein.

Das 9 unidades da Federação que formam o Nordeste, 7 estavam em 2007 na faixa de classificação de Estado com baixo grau de desenvolvimento - somente Sergipe e Rio Grande do Norte estavam no grupo de médio desenvolvimento.

Para aferir esses dados e mostrar as falhas nas políticas públicas, a FGV adota desde o ano passado um indicador criado por seus pesquisadores denominado Indicador de Desenvolvimento Socioeconômico dos Estados (IDSE). O indicador considera muito mais variáveis econômicas e sociais que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), usado mundialmente.

Dentro de uma classificação que vai de 0 a 100, o IDSE divide Estados entre mais desenvolvidos (de 81 a 100), de desenvolvimento médio (de 41 a 80) e de baixo desenvolvimento (de 0 a 40). Para se ter noção do atraso em que vive o Nordeste, todos seus integrantes apresentavam em 2001 baixíssimo grau de desenvolvimento (índice abaixo de 25). Em 2007 esse quadro teve relativa melhora, apenas Piauí, Maranhão e Alagoas permaneciam nesse grupo.

No caso específico do Piauí e Maranhão, eles eram em 2001 e permaneceram em 2007 como os Estados mais subdesenvolvidos do Brasil, com classificação 11,4 e 15,8 (leia abaixo).

O maranhense José Domingos Bezerra da Silva, de 32 anos, faz parte dessa estatística aterradora. Ele nunca perdeu um dia de serviço. Sabe o peso de ter que criar cinco filhos e a mulher no segundo Estado com piores índices sociais do País. Comida na mesa, faz tempo que não falta, afinal João Domingos não tem medo de trabalho, e as crianças estão todas matriculadas na rede pública de ensino.

Há 16 anos, em busca de uma vida melhor, ele mudou-se para a capital São Luís, onde conseguiu emprego, comprou televisão, geladeira e fogão de quatro bocas para sua casa. Nunca foi à escola, como boa parte de seus conterrâneos, mas não precisa de estudos para saber que emprego e renda não representam melhoria de qualidade de vida. Ele mora num barraco de palafita sobre a lama e com banheiro que despeja seus resíduos diretamente no mar. "Você sabe o que é morar numa casa com ratos por todos os lados?", pergunta João Domingos sem titubear ao responder qual sua principal carência: "Uma casa para morar."

A pesquisa que recebeu o título Subsídios ao Planejamento do Nordeste Brasileiro, confirma com dados precisos e oficiais o que a escola da vida ensinou a João Domingos. Moradia de qualidade é o principal gargalo da região onde vivem 40 milhões de pessoas. Ela aparece como política de pior performance no período estudado em 6 dos 9 Estados (Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe).

As políticas públicas de educação foram a segunda que apresentaram pior performance no Nordeste, aparecendo como pior item de desenvolvimento em 5 dos 9 Estados (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão e Sergipe).

No Maranhão, a média de escolaridade da população em 2007 era de 4,44 anos de estudo. O quadro é assustador, 47% das pessoas que vivem no Estado, quase a metade, estão abaixo da linha de pobreza.

Para economista, culpa é dos governos
Benefícios de longo prazo perdem espaço para obras de visibilidade

Ricardo Brandt

A culpa pelo baixo desenvolvimento dos Estados do Nordeste é do próprio poder público, que prioriza investimentos em grandes obras que dão maior visibilidade política, mas geram benefícios temporários para a população local. A avaliação é do economista Fernando Blumenschein, coordenador de projetos da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

"Aquele modelo Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) de fazer grande obras no Nordeste, esse conceito falhou, como mostram os indicadores. Quando se olha os indicadores da região em relação ao Brasil é possível ver que existe uma grande distância", afirmou Blumenschein.

A teoria defendida por ele é que as obras tidas como grande solução para tirar o Nordeste da pobreza extrema têm efeito reduzido se elas não vieram acompanhadas de políticas públicas que aumentem a qualidade de vida dessas pessoas. "O Nordeste é uma grande fonte de mão de obra, mas desqualificada e de baixíssima produtividade. Qual a possibilidade de uma multinacional se instalar no sertão do Nordeste em função de uma obra de infraestrutura de transposição de um rio? Muito pouca. Agora, se tivesse ali uma mão de obra muito mais qualificada, bem treinada e vivendo decentemente, sem dúvida nenhuma o efeito multiplicador seria bem maior", explica o economista.

"As secretarias de planejamento estadual estão pensando em obras, fazer estrada, grandes sistemas de irrigação, trazer grandes siderúrgicas. Isso é o que chamamos de ações estruturantes e que são importantes. Mas o desenvolvimento econômico e o planejamento principal de regiões mais carentes não podem ser baseados única e exclusivamente nessas ações estruturantes. Isso é importante, gera emprego, renda, mas os grandes projetos têm também grande impactos que ficam concentrados no tempo", explica.

Ele admite que a aplicabilidade desse conceito de desenvolvimento sustentável enfrenta barreiras quando se depara com os interesses políticos por trás das ações governamentais. "Para um político é muito melhor trabalhar com a ideia das grandes obras, visibilidade, possibilidade de trabalhar com grandes volumes de recursos e o fato de poder transmitir à população que ele está fazendo alguma coisa", avalia.

"Por que a mortalidade infantil no Nordeste é tão alta em relação às outras? Será que é um fatalismo? Não é, tem coisas que podem ser feitas. A partir do momento que se identifica que o problema existe, mede, compara e mostra, ele começa a ser olhado pela população, pelos formadores de política de uma forma diferente."

Piauí e Maranhão têm os piores desempenhos

Ricardo Brandt

Os Estados do Piauí e do Maranhão são os dois com pior Indicador de Desenvolvimento Socioeconômico dos Estados (IDSE) em 2007, segundo o estudo realizado pela FGV Projetos.

No caso do Piauí ele partiu em 2001 de um patamar de 2,9 (em uma escala de 0 a 100) para 11,4 em 2007, quando a média nacional foi de 42,1. O vetor que apresentou pior quadro de performance no período estudado foi quesitos de redução da pobreza e da desigualdade.

O secretário estadual do Planejamento, Sérgio Miranda, afirma que em 2003 a educação era o principal gargalo para o governo. A média de escolaridade da população naquele ano era de 3,6 anos de estudo. "Quando assumimos, apenas 46 dos 226 municípios tinham escola de ensino médio. Hoje todas têm", afirma ele. Para Miranda, o grande desafio atualmente é um aumento ainda maior do poder de renda.

No Maranhão, o estudo sugere que é preciso foco nas políticas voltadas à educação que houve evolução pouco significativa no período entre 2001 e 2007. Um dos itens que compõem o vetor educação é o período médio de estudos da população que era de 3,3 anos e variou apenas para 4,4 anos.

Maranhão porém foi o Estado que no conjunto global de indicadores apresentou segunda melhor performance no período. O principal motor desse crescimento foi a evolução dos quesitos renda e saneamento.

"Temos hoje R$ 64 bilhões em investimentos de grandes obras sendo realizadas no Estado, mas a realidade é que é muito difícil combater a pobreza", diz o secretário estadual de Planejamento e Orçamento, Gastão Vieira.

O Rio Grande do Norte, apesar de ter conseguido deixar a faixa de Estados menos desenvolvidos entre 2001 e 2007, foi o que teve pior performance entre os demais da região. Os indicadores de moradia e saneamento são apontados pelo estudo da FGV como áreas que tiveram o pior desempenho. Alagoas, que registrou o segundo pior performance de políticas públicas, também teve os itens moradia e educação como principais gargalos.

OESP, 20/07/2009, Nacional, p. A8

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