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Rede de Sementes do Xingu está batalhando para conquistar autonomia

ISA - www.socioambiental.org
Autor: Fernanda Bellei
29 de Set de 2010

Mais de 40 coletores se encontraram em São Félix do Araguaia, Mato Grosso, nos dias 25 e 26 de setembro, para o 7o Encontro da Rede de Sementes do Xingu. Em seu quarto ano de existência reúne mais de 300 famílias de coletores e dois desafios: desenvolver sua autonomia e atender à crescente demanda por sementes nativas para os trabalhos de restauração florestal desenvolvidos na região. As novas oportunidades e possíveis cenários para o futuro da rede foram discutidos durante o encontro.

Para esta safra de sementes, que vai de julho a fevereiro, a rede tem uma encomenda de 32 toneladas de sementes nativas do cerrado e da floresta amazônica. O volume supera a quantia produzida em todos os anos anteriores, que foi de 25 toneladas. O aumento da demanda é atribuído ao reconhecimento do trabalho da rede e à popularização do plantio mecanizado de florestas. "Muitos produtores rurais da região nos procuram porque precisam restaurar suas Áreas de Preservação Permanente (APPs). Nós utilizamos a técnica do plantio mecanizado de sementes nativas, feito com o mesmo maquinário usado para plantar soja e milho. O plantio de sementes acaba ficando bem mais em conta que o plantio de mudas e é mais indicado para grandes áreas", afirma Eduardo Malta, do Instituto Socioambiental (ISA), uma das organizações envolvidas na Campanha Y Ikatu Xingu e na rede.

A Rede de Sementes do Xingu foi criada em 2007 justamente para atender a demanda por sementes nativas dos projetos de restauração florestal realizados pelas instituições envolvidas na Campanha Y Ikatu Xingu, na Bacia do Rio Xingu. Em quatro anos, a rede cresceu de maneira surpreendente e hoje envolve agricultores, assentados e indígenas que se dedicam a coletar sementes em 19 municípios e sete comunidades indígenas.

O que era uma iniciativa socioambiental para atender uma demanda localizada mostrou-se um negócio lucrativo. "Quando a rede foi criada, nós nem imaginávamos que ela poderia crescer tanto assim. Era apenas uma iniciativa socioambiental que atenderia nossa necessidade de sementes. Hoje, essa atividade garante renda para diversas pessoas e se tornou um negócio rentável e próspero. Os pedidos crescem a cada mês", explica Nicola Costa, assessor técnico do ISA e animador da rede.

Negócio rentável

Os coletores da rede de sementes já desenvolvem seu trabalho com autonomia, sabem onde encontrar as sementes, como coletá-las e beneficiá-las. Porém, a rede ainda não é autônoma - serviços como transporte, armazenamento e comercialização ainda são apoiados e subsidiados pelas instituições que animam o projeto. O próximo passo para garantir seu crescimento com segurança e estabilidade é a autonomia, isto é, a organização dos coletores para cuidar de todas as etapas do trabalho.

Para isso, a rede está contando com a ajuda do consultor Stefano Ilha Dissiuta, engenheiro florestal com experiência na organização de cooperativas, que desenvolve um plano de negócios para a atividade. "Hoje a rede é um negócio subsidiado e não precisa ser. Os coletores já podem assumir o potencial desse negócio e fazer a rede decolar".

Dissiuta ressalta também o potencial da rede de sementes. "Temos pessoas de várias partes do País querendo comprar as sementes daqui. São mais de 200 espécies dos biomas floresta, cerrado e caatinga, isto é, que atendem a diferentes necessidades. Além disso, tem o valor agregado, pois é uma iniciativa socioambiental que envolve pessoas de diferentes culturas e origens".

Outras ações estão sendo realizadas para encaminhar a autonomia da rede. Uma delas é a criação de um fundo rotativo, através do qual os coletores podem pegar empréstimos para comprar materiais utilizados na atividade, como facões, peneiras e combustível para o transporte. O Fundo tem hoje R$ 50 mil, dos quais R$ 12 mil já foram emprestados.

O valor do quilo das sementes nativas varia entre R$0,50 e R$ 300,00, dependendo da dificuldade para encontrá-las e beneficiá-las. A média paga por quilo, portanto, é de R$ 10,00. Dissiuta avalia o crescimento da rede como uma grande oportunidade de desenvolver uma forte economia florestal no estado. "Se considerarmos que a encomenda de sementes para esta safra será de 32 toneladas, isso significa que a rede irá gerar R$ 320 mil aos coletores. Isso representa um impacto significativo na renda dessas pessoas".

Troca de experiências

Muitos coletores desenvolvem sua própria técnica para beneficiar e limpar as sementes que colhe. Algumas frutas devem ser secas antes, outras devem ser passadas na peneira, com água corrente, para que as sementes sejam separadas. Essas descobertas e experiências de cada grupo coletor foram partilhadas no encontro. "Para limpar a lobeira, eu tiro ela quando está bem madura e mole, depois espremo bem com as mãos e em seguida piso nela para separar toda a polpa. Depois disso, lavamos em uma peneira até ficar limpa. Ela deve ser seca na sombra". Elivaldo da Silva Nogueira, de São José do Xingu-MT coleta de 15 a 20 espécies do cerrado e da floresta e garante que a atividade complementa sua renda mensal.

Números da Rede de Sementes do Xingu

:: 300 famílias de coletores de sementes - indígenas, agricultores familiares, assentados rurais e viveiristas
:: 200 espécies de floresta, cerrado e caatinga na lista de comercialização
:: 19 municípios e sete aldeias indígenas envolvidas
:: 25 toneladas de sementes coletadas em quatro anos

Conheça algumas das histórias dos coletores da Rede de Sementes do Xingu

Acrísio Luiz dos Reis, 59 anos, PA Manah, Canabrava do Norte -MT
Acrísio é o elo de um grupo de seis famílias de coletores no PA Manah. O elo é o coletor que recebe as sementes de seu grupo e encaminha para a casa de sementes. Ele também recebe as encomendas, com as espécies e quantias necessárias, e repassa ao seu grupo. Acrísio já coleta há três anos e acredita no trabalho da rede. "Antes de coletar sementes, a gente já vinha fazendo plantios de agrofloresta no assentamento. Para mim, coletar sementes significa contribuir para o meio ambiente e ter uma renda a mais. Não sobrevivemos só disso, mas ajuda".

Ele é um dos coletores mais confiantes no potencial da rede e sua capacidade de autonomia. "Eu acho ótimo que a rede esteja caminhando para o rumo da autonomia. Através de uma cooperativa, vamos continuar o trabalho mais próximos, um vai ajudar ao outro. Com certeza vamos conseguir, só depende de uma boa administração". Acrísio conta que a coleta de sementes representa de 10% a 15% de sua renda mensal e que pretende ganhar mais ainda com a atividade, aproveitando a polpa das frutas. "Eu quero começar a usar a polpa das frutas, vou colocar uma despolpadeira na minha propriedade".

Tetô Kisêdjê, 21 anos, Aldeia Ngojwêrê, Terra Indígena Wawi (MT)
Tetô coleta sementes há 5 meses. Seu irmão, que é o elo de um grupo de 25 coletores, foi quem o incentivou a entrar na atividade. "Eu quis começar a coletar porque temos muitas sementes na aldeia. A gente coleta as sementes para vender e depois planta algumas que sobram". Ele conta que as espécies que mais coleta são o jatobá, a bacaba e o urucum. Sua comunidade entrou para a Rede de Sementes do Xingu este ano, mas já demonstra grande envolvimento e capacidade de produção. "A gente quer continuar trabalhando com isso. Nosso clima está mudando e esse trabalho de reflorestamento com as sementes da região é importante para nosso futuro".

Santino tem um viveiro de mudas há 8 anos e é coletor da rede há três. "Antes eu não vendia sementes, apenas mudas. O trabalho na rede me fez diversificar a atividade". Santino coleta em média 200 quilos de sementes por mês, de até 30 espécies nativas. "Eu acho que a rede tem potencial para ir em frente. A tendência agora é reflorestar. Pelo menos as beiras de rios que eu conheço estão todas destruídas, então vai continuar tendo bastante demanda por sementes. Aqui é um lugar privilegiado, temos muita espécies para coletar, precisamos aproveitar isso".

Odete participa de um grupo de coleta de sementes de 13 pessoas. Dessas, 2 são seus filhos e dois netos. Ela coleta há apenas dois meses, mas já identificou mais de 53 espécies em sua área. "Coletamos muito bacuri, bacaba, amoreira e jangada, conhecida como pente de macaco. Toda a vida eu quis trabalhar com reflorestamento. Quando me convidaram para participar do núcleo fiquei muito contente". Odete é conhecida entre os coletores pelo zelo no armazenamento e identificação das sementes. Ela tem pequenos saquinhos com amostras de cada uma das espécies que coleta. Os saquinhos são feitos de panos de tnt, que ela mesma costura, com ajuda da filha. "Depois que eu passei a guardar as sementes nesses saquinhos, elas ficam bem mais sequinhas e duram por mais tempo", explica. Por ter iniciado a coleta há pouco tempo, ela ainda não sabe exatamente quanto poderá ganhar com a atividade, mas calcula que, na próxima entrega de sementes, seu grupo deverá ganhar até R$ 3 mil. "Com base no valor das sementes e na quantidade que conseguimos entregar, acho que conseguiremos R$ 3 mil este mês".

http://www.socioambiental.org/noticias/nsa/detalhe?id=3174

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