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Recuo estratégico

FSP, Tendências/Debates, p. A3.
Autor: BITTENCOURT, Carlos; ANDRADE, Maria Julia; VALLE, Raul do
06 de Set de 2013

Recuo estratégico
O projeto do novo marco regulatório da mineração, embora trate dos direitos das empresas e do Estado, não traz uma linha sobre seus deveres

Carlos Bittencourt, Maria Julia Andrade e Raul do Valle

Pouca gente sabe, mas o Brasil é o país com a maior produção mineral em toda a América Latina.
Entre 2001 e 2011, a produção brasileira cresceu 550% e a participação da indústria extrativa mineral no PIB saltou de 1,6% para 4,1%.
Boa parte dessa produção, no entanto, é destinada à exportação, principalmente para a China, que compra nosso ferro e nos vende carros e eletrônicos.
Estima-se que, em 2008, o país tenha exportado 680 mil empregos junto com o minério de ferro bruto.
Segundo o Ministério de Minas e Energia, produziremos em 2030 o triplo de ferro que produzimos hoje. Minerais como o cobre devem ter produção 500% maior até lá.
Para atingir essa meta, a presidente da República encaminhou ao Congresso um projeto que pretende revogar a lei atual, de 1967, e estabelecer novos marcos para o setor. Embora tenha caído o regime de urgência, que previa sua votação em 45 dias, o acordo é que ele seja analisado em rito "expedito".
Um novo marco jurídico é de fato necessário e alguns pontos do projeto são bem-vindos, como os que pretendem organizar o sistema de autorizações, hoje totalmente caótico, ou o que prevê o aumento do valor dos royalties, já que o Brasil é um dos países que menos se beneficia da renda mineral.
Mas esse marco legal precisa ser compreendido e discutido pela sociedade, no tempo apropriado, pois criará um sistema que vigorará pelo menos pelos próximos 40 anos, com profundos impactos sobre a economia e o território brasileiros.
Há uma série de impactos diretos associados à mineração que não devem ser desprezados. Vão desde a contaminação da água por metais pesados à desestruturação socioeconômica de comunidades inteiras.
O projeto, embora trate muito bem dos direitos das empresas e do Estado (regras para os royalties, contratos, concessões etc.), não traz uma linha sobre os seus deveres.
Questões fundamentais como a definição de áreas livres de mineração, direitos das pessoas e comunidades impactadas (inclusive o de serem consultadas previamente à instalação dos empreendimentos), garantias financeiras para cobrir danos ambientais durante e após a exploração, limites à sobre-exploração da mina em função de aquecimentos momentâneos do mercado, entre outras, simplesmente não constam do projeto.
Se vamos rever nosso marco legal, que seja para efetivamente modernizá-lo, incorporando direitos e valores que não estavam presentes havia 46 anos. A chance é agora.
Para tanto, a pressa em sua aprovação tem que ser trocada pelo interesse em escutar a sociedade, algo que, infelizmente, pouco aconteceu até o momento.

CARLOS BITTENCOURT, 31, historiador, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), MARIA JULIA GOMES ANDRADE, 32, antropóloga, é militante do Movimento Nacional pela Soberania Popular Frente à Mineração e RAUL SILVA TELLES DO VALLE, 37, advogado, é coordenador de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA)

FSP, 06/09/2013, Tendências/Debates, p. A3.

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/09/1337576-carlos-bittencourt…

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