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Ratificando Paris e depois...

Valor Econômico, Opinião, p. A10
Autor: SIRKIS, Alfredo
06 de Set de 2016

Ratificando Paris e depois...
Transição para baixo carbono será forte dinamizadora da economia e geradora de empregos

Alfredo Sirkis

Coincidindo com o foco nos Jogos Olímpicos, passou despercebida a notícia da aprovação, graças a um consenso e em tempo recorde, na Câmara e no Senado, da autorização legislativa que permite ao Brasil tornar-se uma das primeiras grandes economias a ratificar o Acordo de Paris, aprovado na C0P-21 no fim do ano passado. Poderíamos acrescentá-lo ao nosso precioso lote de medalhas fora essa uma modalidade olímpica.
Frente à ameaça crescente das mudanças climáticas, o Brasil já estava "bem na fita" em reduções de emissões de gases-estufa, em termos absolutos, ao regredir o desmatamento da Amazônia de 27 mil km2, em 2004, para uns 5 mil, nos últimos anos. Somos também o único grande país em desenvolvimento a apresentar metas de redução de gases-estufa para 2025 e 2030 "no agregado". A China e a índia prometeram reduzir sua "intensidade de carbono" por ponto percentual do PIB, o que ainda significa um incremento de emissões em termos absolutos.
O Brasil também liderou uma nova iniciativa para o financiamento da transição para economias de baixo carbono. Conseguiu fazer aprovar na C0P-21 o reconhecimento do valor econômico intrínseco da redução/remoção de carbono no parágrafo 108 da Decisão de Paris (já em vigor).
Existe, no entanto, um outro lado da moeda: há indícios recentes de uma retomada do desmatamento, longe daqueles índices antigos, mas preocupante. A própria estabilização na remoção de floresta Amazônica em 5 mil km2 ainda representa uma enormidade. O Cerrado sofre um grande desmatamento que, diferentemente da Amazônia, se dá dentro da legalidade vigente. Ali a reserva legal de floresta nas propriedades é de apenas 20%, demandando urgentemente mecanismos econômicos que tornem melhor negócio preservar que desmatar: pagamento por serviços ambientais e "precificação positiva" da redução/remoção de carbono da atmosfera, com base precisamente no mencionado parágrafo 108.
Como financiar a descarbonização das economias? Essa é a grande questão que se coloca para o planeta nesse momento. São cerca de US$ 3 trilhões/ano, dos quais os governos fortemente endividados e com grandes déficits não dispõem. Os chamados "mercados de carbono" são limitados pela sua própria natureza. Quando muito ajudam alguns países a cumprir metas ainda insuficientes. A eliminação de subsídios a combustíveis fósseis e a precificação do carbono para efeito de taxação - compensada pela redução de outros tributos - são potencialmente bem mais poderosas. Diversos países e empresas já vêm dando passos nesta direção, mas o processo será lento, país a país, empresa a empresa.
Já a "precificação positiva" baseada no reconhecimento de um valor econômico intrínseco às "ações de mitigação" (redução/remoção de gases-estufa) abre perspectivas potencialmente revolucionárias para enfrentar a crise climática, ao mesmo tempo que pode ajudar a alavancar a recuperação da macroeconomia mundial, vítima de aguda anemia de investimento produtivo.
Não estamos apenas diante de uma meta a ser cumprida mas de uma oportunidade econômica para o Brasil. Os cientistas do IPCC já concluíram que para manter a elevação da temperatura média do planeta abaixo de 2 graus será preciso retirar massivamente carbono da atmosfera e, nesse caso, o Brasil oferece enormes oportunidades: tem 6o milhões de hectares de terras degradadas passíveis de reflorestamento, de recuperação de pastagens e outras técnicas de agricultura de baixo carbono capazes de fazê-lo.
Há 28 milhões de hectares para além do já comprometido nas nossas metas voluntárias (INDC) para 2030. O Brasil também possui condições favoráveis para promover o chamado bio-CCS (estocagem e seqüestro de carbono).
Pode explorar as possibilidades energéticas do etanol de segunda geração, do bagaço e outros biocombustíveis tanto para produção de energia elétrica como para o sistema de transportes. Ou seja, temos condições de oferecer uma redução/remoção de carbono adicional numa escala inédita e internacionalmente financiada se soubermos nos articular de forma competente.
A energia tomou-se, nos últimos anos, uma fonte de emissões equivalente ao desmatamento. Nossa matriz elétrica ainda é a mais limpa dentre as grandes economias, mas nosso sistema de transportes é "sujo", fortemente emissor. Precisará ser reconvertido para veículos elétricos e híbridos. É inaceitável, por exemplo, que ainda não tenhamos desenvolvido híbridos a etanol quando passamos anos subsidiando a gasolina e apostando todas as fichas no pré-sal. Junto com um esforço redobrado para mais redução do desmatamento e em projetos de reflorestamento e da agricultura de baixo carbono, caberá eletrificar nosso sistema de transportes.
Chama atenção uma experiência de alcance estratégico que ocorre em Campinas com a implantação de uma fábrica de ônibus elétricos que já começam a circular. Isso, evidentemente, irá aumentar nossa demanda energética e uma grande discussão a ser feita na sociedade brasileira é de como manter limpa nossa matriz elétrica, no futuro. Há boas perspectivas para o crescimento das energias eólica, solar e biomassa e para um significativo avanço na eficiência energética. Cabe uma discussão séria e realista se isso será suficiente para tornar desnecessária uma ampliação maior das outras fontes: hidroelétricas, gás e nuclear. O carvão, altamente poluidor e emissor de C02, não deve ser ampliado, apesar da demanda artificial provocada por sua importação oportunista.
A transição para uma economia de baixo carbono será fortemente dinamizadora da nossa economia e geradora de empregos. Poderá ser a nossa porta de saída da crise. Ela coloca diante de nós grandes oportunidades para que o Brasil consiga superar seus infames gargalos na educação, pesquisa científica e tecnológica e remoção de barreiras de investimento, "custos Brasil" e governança e possa contar com novos e criativos mecanismos de financiamento.

Alfredo Sirkis é jornalista, escritor e diretor executivo do Centro Brasil no Clima/Climate Reality.

Valor Econômico, 06/09/2016, Opinião, p. A10

http://www.valor.com.br/opiniao/4700327/ratificando-paris-e-depois

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