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R$ 7,2 tri contra a exclusao social

OESP, Vida, p.A10
21 de Jan de 2005

R$ 7,2 tri contra a exclusão social
Brasil precisa investir esse valor até 2020 em educação e infra-estrutura para atingir níveis de Primeiro Mundo, diz estudo
Ana Paula Scinocca
A dívida social do Brasil ultrapassa R$ 7 trilhões. Para pagar essa conta e chegar a 2020 com padrão social avançado - no nível das nações desenvolvidas -, o País precisa investir, nos próximos 15 anos, pesadamente nas áreas de educação, saúde, infra-estrutura e habitação, previdência social, emprego e reforma agrária, combate à pobreza, cultura e informática. O diagnóstico é resultado de trabalho que vem sendo realizado há três anos por uma equipe de 17 economistas de diferentes instituições de ensino superior. Sob o comando de Márcio Pochmann, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-secretário municipal do Trabalho de São Paulo, os acadêmicos lançaram ontem o quinto volume do Atlas da Exclusão Social.
"Os investimentos sociais realizados hoje no Brasil são insuficientes para reverter o quadro. É preciso esforço adicional. Caso contrário, corremos o risco de chegar a 2020 com uma exclusão social maior do que a de hoje", alertou Pochmann. Nas contas do economista, o Brasil tem de investir R$ 450,7 bilhões por ano de 2005 a 2020 - o que representa R$ 7,2 trilhões no acumulado do período - para alcançar o bloco de países com padrão avançado de inclusão social.
PIB
Hoje, de acordo com levantamento feito pelos autores do livro, os investimentos sociais no País representam 20% do Produto Interno Bruto (PIB). "Mas seria necessário mais do que dobrar isso", ressaltou o economista Alexandre Barbosa, também da Unicamp.
Na avaliação de Pochmann, o Brasil tem se preocupado, nos últimos anos, apenas com as metas econômicas, deixando de lado a área social. "Há metas fiscais, de inflação, mas não sociais. Na tentativa de organizar a economia, se desorganiza a área social", disse. "É preciso pensar menos no FMI (Fundo Monetário Internacional) e talvez pensar em criar um FMI Social", acrescentou Pochmann ao Estado.
Cia e ONU
A pesquisa que serviu de base para a elaboração do livro - a publicação será oficialmente apresentada ao público durante o Fórum Social Mundial, que tem início na próxima semana em Porto Alegre - coincide com a divulgação de estudo da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA), que prevê que em 15 anos a economia brasileira será maior do que a da maioria dos países da Europa, mas em patamar abaixo de China e Índia. Para Pochmann, os trabalhos não se contradizem. "O Brasil pode vir a ser uma potência econômica, mas também uma potência da exclusão social", afirmou. "Expandir-se economicamente não significa o enfrentamento dos problemas sociais."
Anteontem, a Organização das Nações Unidas (ONU) fez um alerta contra a pobreza externa. Mais otimista, o estudo destaca que o País deverá atingir as metas fixadas pela entidade para o fim da pobreza daqui a dez anos. Mas recomenda atenção nos próximos anos a 13 bolsões de miséria que englobam 600 municípios em regiões com 26 milhões de pessoas.
O levantamento organizado por Pochmann mostra ainda que a área da saúde é a que mais precisa de investimentos para atingir o padrão avançado de inclusão. Em 15 anos, o setor precisa de recursos da ordem de R$ 2 trilhões. A educação vem em segundo lugar, com necessidade de R$ 1,7 trilhão até 2020. O combate à pobreza precisa de R$ 1,6 trilhão para atingir o nível avançado e R$ 1,4 trilhão para o intermediário .

Sem conseguir vaga, menina brinca de escolinha em casa
Claudia Ferraz
Histoórias: Há três anos, Patricia Alves Peixoto, de 12 anos, não consegue vaga para cursar o 3.o ano do ensino fundamental. Moradora da Favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, ela ficou dois meses no hospital por causa de um atropelamento. Segundo a mãe, Cristiane Alves Viana, de 32, a menina foi retirado da lista da escola por não ter freqüentado mais as aulas. "A médica disse que ela não podia forçar a vista."
Depois que a filha melhorou, Cristiane não conseguiu mais vaga. "Já fui a três escolas e em nenhuma pude inscrever a Patricia." Enquanto não estuda, a garota brinca de escolinha com os cadernos em casa. Com timidez, ela diz sentir saudades dos colegas e das aulas de matemática. "Eu gostava de fazer contas."
A mãe lamenta. "Ela é a mais esforçada de todos os meus seis filhos. É uma pena porque ela fica reclamando com vontade de ir para a escola." Cristiane diz que se tivesse condições financeiras pagaria um colégio particular. "Ela quer se mudar para a casa da avó porque acha que vai achar uma vaga. Mas lá também não tem."
Quem também passa por dificuldades é Vanilda Soares Carvalho, que também mora em Paraisópolis. Todo mês, ela precisa acordar às 3 horas para conseguir marcar uma consulta para Tauane, a filha de 5 meses. "Tenho de chegar cedo ao posto porque tem muita criança. Só consigo porque vou de madrugada."
Vanilda conta sobre o descaso no posto da região. "Uma vez a menina ficou com uma alergia e a enfermeira disse que não tinha pomada", disse. "Mas, depois que eu insisti muito, ela passou o remédio." Segundo seu marido, o ajudante geral Damião de Jesus Santos, de 28 anos, sua baixa remuneração o impede de melhorar as condições de saúde da família.

OESP, 21/01/2005, p. A10

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