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R$ 2,5 bi por água abaixo

CB, Política, p. 4
18 de Jun de 2007

R$ 2,5 bi por água abaixo
Superfaturamento, aditamento ilegal de contratos, repasse descontínuo de verbas e outros problemas causam paralisação ou execução lenta de 27 obras de infra-estrutura hídrica - 21 delas no Nordeste

Lúcio Vaz
Da equipe do Correio

Vinte e sete grandes obras na área de infra-estrutura hídrica - barragens, adutoras, perímetros de irrigação - são tocadas a passos lentos, com seguidas interrupções motivadas por irregularidades ou pela descontinuidade no repasse de recursos do Orçamento da União. Metade delas está paralisada por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), para evitar maiores prejuízos aos cofres públicos. Algumas delas foram iniciadas há mais de 15 ou 20 anos. A mais antiga, uma barragem localizada em Granja (CE), teve início há 45 anos, em 1962. A empresa campeã em irregularidades, com cinco obras, é a Gautama, líder do esquema de fraudes desmontado pela Operação Navalha, mas os contratos estão divididos entre quase todas as grandes empreiteiras. O valor total dos contratos chega a R$ 2,5 bilhões.
A maioria delas está localizada no Nordeste. São 21 obras, sendo seis no Piauí e quatro no Maranhão, dois dos estados mais pobres do país. Metade dos projetos incluem perímetros de irrigação. Se todos eles já estivessem funcionando, haveria um acréscimo de 92 mil hectares de área de agricultura irrigada no país.
Esses são os projetos mais complexos e de implantação mais difícil. Em muitos casos, anos após a conclusão das obras de infra-estrutura ainda não ocorre a distribuição da água no perímetro de irrigação, o que torna o projeto inútil. Em todo o Nordeste, existe hoje uma área irrigada de 730 mil hectares. O estado de São Paulo conta com 500 mil hectares, enquanto o Rio Grande do Sul chega a 1 milhão de hectares.
O longo período de duração das obras, que não deveria passar de cinco anos, provoca prejuízo pela deterioração e desatualização dos equipamentos, além de dificultar a sua fiscalização e contabilidade. Há casos em que o governo não consegue nem mesmo avaliar o valor total do contrato de uma obra. Entre as irregularidades graves apontadas pelo TCU estão o superfaturamento, o sobrepreço, os aditamentos de contratos acima dos limites previstos em lei, a transferência de contratos e a falta de licença ambiental e do relatório de impacto ambiental. As obras são tocadas atualmente pelo Ministério da Integração, mas já foram administradas por outros ministérios, como Meio Ambiente e Agricultura.
Prevenção
O TCU evitou a execução de obras que apresentavam irregularidades já no seu nascedouro. A segunda etapa do perímetro de irrigação Tabuleiros Litorâneos, no Piauí, orçada em R$ 146,9 milhões, foi paralisada em 2003 porque não tinha estudo de viabilidade econômica e social. Também foi recomendada a realização de certame autônomo para a contratação do fornecimento dos equipamentos hidromecânicos e eletromecânicos, cujos custos equivalem a cerca de 40,6% do valor global do contrato. O perímetro de irrigação do Rio Preto, no Distrito Federal, avaliado em R$ 140 milhões, não foi iniciado porque não tinha licença ambiental e o projeto básico era inconsistente.
A Barragem de Oiticica, em Caicó (RN), avaliada em R$ 84 milhões, prevê a irrigação de 15 mil hectares. Teve início em 1990, mas, devido a longas paralisações, ainda se encontra no começo de sua execução. Recebeu recursos da União entre 1990 e 1992, período em que foram executados apenas 3% do total previsto. Não pode receber recursos do Orçamento da União devido a irregularidades, como sobrepreço, sub-rogação contratual ilegal, necessidade de atualização técnica da obra e de novos estudos de viabilidade socioeconômica, em face do longo tempo decorrido, e das perspectivas de redução de 50% do volume de serviços contratados.
A Barragem Rangel (PI), projetada para abastecimento d´água e aproveitamento hidroagrícola, começou em 1999, mas foi paralisada no mesmo ano, com apenas 2,7% dos serviços executados. O projeto executivo da barragem foi elaborado sem a análise prévia de questões técnicas suficientes para demonstrar a viabilidade e a conveniência de sua execução. Não foi garantido que a técnica construtiva adotada no projeto seria a solução mais conveniente.
O Ministério da Integração Nacional, consultado na semana passada, afirmou que está cumprindo todas as determinações do TCU.

Governo já ignora custos

Algumas obras se prolongam tanto que o governo não tem condições de apurar o valor total dos contratos e de seus aditivos. No Maranhão, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) reconheceu que não seria possível apurar o valor de dois contratos, porque os projetos foram tocados por diversos órgãos federais ao longo de 20 anos. O projeto Baixada Ocidental Maranhense, nos municípios de Pinheiro e Palmeirândia, teve início em 1987, prevendo a irrigação de 4,4 mil hectares, mas teve três paralisações, entre 1990 e 2002. Apenas a primeira etapa, de 1.052 hectares, estava em funcionamento em 2002.
O Dnocs informou ao TCU que não dispunha "de elementos para chegar ao valor contratual das obras", limitando-se a informar os valores liberados por meio do Convênio no 032/95 (R$ 21,2 milhões), restando um saldo contratual de R$ 47,6 milhões em fevereiro de 2003. Nova auditoria realizada em 2004 destacou a deficiência na manutenção de bens e equipamentos do perímetro de irrigação, incluindo a Barragem de Pericumã. "O patrimônio público, representado pelos equipamentos e materiais elétricos e hidromecânicos, instalações e obras civis, são objeto de deterioração, depredações e furtos ao longo dos anos", diz a auditoria.
O Tabuleiro São Bernardo foi projetado para irrigar 5,5 mil hectares. As obras iniciaram em 1987 e tiveram ritmo satisfatório até março de 1990, ocasião em que foi extinto o Dnos, fato que acarretou na paralisação.
Com a interrupção das obras por cinco anos, houve deterioração da infra-estrutura implantada e o projeto tornou-se obsoleto diante das novas tecnologias disponíveis. Tornou-se necessária a revisão do modelo de irrigação. Os novos itens resultaram num aditivo no valor de R$ 15,3 milhões. Desse total, R$ 8,1 milhões correspondiam aos 25% passíveis de aditamento. O Dnocs declarou ao TCU que também não disporia de elementos para informar o valor global dessa obra. (LV)

45 anos para quase nada

A mais antiga das obras de infra-estrutura hídrica, a Barragem Paula Pessoa, no município de Granja (CE), visava o abastecimento de água potável, a irrigação de 3,5 mil hectares e o desenvolvimento da piscicultura, com a criação de 2,3 mil empregos diretos e 4,6 mil indiretos. A obra teve início em 1962, com execução direta do Dnocs, mas foi paralisada quatro anos depois. A prefeitura retomou a construção em 1993, utilizando o mesmo projeto do Dnocs - já defasado tecnologicamente.
Apenas 0,36% das obras foram executadas, correspondendo a uma estrada de acesso, realizada em 1993, e às escavações da cava da fundação, iniciadas em 1962. Estima-se que seriam necessários R$ 90 milhões para a sua conclusão.
Em auditoria realizada em 2004, o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou diversas irregularidades na obra, tais como projeto básico desatualizado, ausência de estudos de impacto ambiental, superfaturamento da estrada de acesso à obra, no contrato firmado em 1992, e antecipação de pagamento parcial da primeira medição. Os auditores registraram que a obra estava parada desde 1993, sem previsão de reinício.
Algumas obras estão paradas há tanto tempo que é difícil apurar quem são os responsáveis pelas irregularidades. Há casos em que é difícil saber até mesmo qual o município é responsável pela conclusão do projeto. A construção da Barragem do Arroio Quebracho, em Bagé (RS), teve início em 1993. Foi concebida como possível solução para os problemas de falta de água de Bagé em época de estiagem prolongada, como a ocorrida entre os anos de 1988 e 1989. Mas surgiram dúvidas quanto à sua viabilidade, já que seu orçamento correspondia, à época, a mais de duas vezes o orçamento anual do município.
Nada a lugar nenhum
Atualmente a área faz parte do município de Hulha Negra, emancipado de Bagé em data posterior ao início das obras.
Além disso, a área foi declarada área de preservação ambiental, sendo inviável a retomada da obra pela prefeitura de Bagé. Os auditores do TCU constataram que, apesar de terem sido liberados cerca de R$ 4 milhões, a obra não foi iniciada. "Restaram executados, em verdade, o fornecimento e o assentamento de cerca de 1.630 metros de tubulação. Essa tubulação liga, hoje, nada a lugar nenhum, sem qualquer utilidade à comunidade, uma vez que não foi construída a Barragem nem implementada a extensão total da rede adutora, prevista para 18,7 km de extensão", diz o relatório de auditoria.
O prefeito que iniciou a obra, Luiz Vargas (PDT), recebeu uma multa do TCU, em 2002, igual ao valor total liberado: R$ 3,9 milhões. Não pagou até hoje, e desdenha a decisão do tribunal: "Estou juntando dinheiro de chapéu na esquina. Nem dei bola para essa multa. Esse tribunal é só um cabide de empregos. Um desses ministros era suplente de senador. Não se elegeu porque não tinha votos. Como é que um cara desses vai me julgar?" Vargas responsabiliza o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pela paralisação da obra: "Ele suspendeu a obra. Retirou a rubrica do Orçamento da União. A nossa prefeitura é pobre. Sem dinheiro da União, não faz nada".
O atual prefeito, Luiz Mainardi, já encontrou uma utilidade para as tubulações que haviam sido instaladas. Mandou desenterrar cerca de cinco quilômetros de tubos de ferro fundido para utilizar o material em outra obra. Ligou a estação de tratamento de água ao bairro Região Leste, beneficiando cerca de 15 mil pessoas. (LV)

Em Minas, só jorrou dinheiro
Dos dois grandes projetos federais que deveriam favorecer a irrigação agrícola e o abastecimento de água na região norte mineira, um está paralisado há meia década e o outro ainda não foi iniciado

Luiz Ribeiro
Do Estado de Minas

Uma barragem foi iniciada há quase uma década, mas está paralisada há cinco anos, devido à falta de licenciamento ambiental e problemas com os atingidos pelo empreendimento. Uma outra barragem nem chegou a ser iniciada, por causa de deficiências no projeto e estimativa de custos elevada, apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Esses são os fatores que emperram as duas principais obras de Minas Gerais destinadas à irrigação e ao abastecimento de água potável. Já consumiram montanhas de recursos públicos, mas não levaram uma gota d´água para ninguém.
Os dois projetos estão localizados no norte de Minas, região que sofre com a falta de chuvas. O mais antigo deles, a Barragem de Berizal, a 710 km de Belo Horizonte, começou em 1998. O objetivo é garantir a perenização do Rio Pardo, abastecendo seis municípios. Sem falar na irrigação de 10 mil hectares, para gerar 5 mil empregos. Desde 2002, os serviços em Berizal estão interrompidos, após investimentos de R$ 12 milhões. Várias localidades rurais do município estão sendo atendidas por caminhões-pipas devido ao início do período crucial da seca na região.
Falhas
A paralisação foi motivada pela falta de licença ambiental. O movimento dos atingidos pela barragem também luta contra a reativação do serviços, alegando falhas no processo de reassentamento e de indenização das famílias. Foram feitos os serviços de escavação, parte do vertedouro e a tomada d'água - que correspondem a 40% das obras. No ano passado, o TCU autorizou a realização de serviços de concretagem na ferragem que havia sido instalada e estava e exposta à ação do tempo. Dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), estão previstos para Berizal R$ 64 milhões até 2010, dos quais R$ 14 milhões para este ano.
A barragem de Congonhas, entre os municípios de Itacambira e Grão Mogol, no norte de Minas, tem a finalidade principal de garantir o abastecimento de Montes Claros, cidade de 340 mil habitantes, pelos próximos 100 anos. Antes de ser licitada, a obra foi condenada pelo TCU, devido à inexistência de licença ambiental e "deficiências no projeto em face de significativas modificações na licitação de equipamentos hidromecânicos". Também foi constatado custo elevado no projeto original. Após averiguação do TCU, o valor da obra caiu de R$ 249 milhões para R$ 164 milhões.
A barragem de Congonhas conta com um sistema de transposição das águas do reservatório principal para a barragem do Rio Juramento, que abastece Montes Claros, numa extensão de 40 quilômetros. O chefe regional do Dnocs em Minas, César Emílio Oliveira, garante que todas as pendências da barragem de Congonhas junto ao TCU foram resolvidas. Disse também que está sendo feito um estudo de impacto ambiental.

O canteiro milionário

Viktor Vidal
Da Diário de Natal

No Rio Grande do Norte, a construção da Barragem de Oiticica, situada a 17 km da sede do município de Jucurutu, no Seridó potiguar, está paralisada há 17 anos. O projeto inicial previa beneficiar 164 mil pessoas da região, por meio de um grande reservatório com capacidade para acumular 556 milhões de metros cúbicos de água. Orçada inicialmente em R$ 84,4 milhões, a obra tem atualmente o custo estimado em aproximadamente R$ 121 milhões.
O coordenador de Infra-estrutura da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do RN (Semarh), Tibério Graco Batista de Andrade, lembra que a obra durou pouco tempo após iniciada. "Foram alguns meses. Apenas montaram o canteiro de obras e começaram a escavação'", revela ele, informando que problemas na desapropriação da área contribuíram para a paralisação. "Parece que também houve problemas de irregularidades no contrato'", acrescenta.
De acordo com Tibério Andrade, o Tribunal de Contas da União (TCU) mandou cancelar o antigo contrato com a empresa que iniciou a obra. O governo do estado contratou um novo projeto executivo, cuja ordem de serviço foi assinada este mês. O projeto, somado à supervisão das obras, custou R$ 1,9 milhão e tem previsão de entrega para o próximo mês. Segundo o coordenador, se a obra fosse iniciada hoje custaria R$ 121 milhões.
Desde de 1950, estudos são realizados no sentido de viabilizar a construção de um grande reservatório que pudesse servir de suporte para o desenvolvimento da irrigação e no abastecimento de populações no Seridó. Além de servir como depósito natural de água, a intenção é utilizar a Barragem de Oiticica como fonte de energia elétrica para a região.

CB, 18/06/2007, Política, p. 4-5

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