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Quilombolas são 0,65% dos brasileiros, mas decidem eleições em algumas cidades

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26 de Mai de 2024

Quilombolas são 0,65% dos brasileiros, mas decidem eleições em algumas cidades
Em 2022, dos cerca de 500 que concorreram, 56 conquistaram cadeiras de vereadores. A maioria no Maranhão, com 14 eleitos

Por Renato Alves
Publicado em 26 de maio de 2024 | 08:19

BRASÍLIA - O Brasil tem 1,3 milhão de pessoas que se identificam como quilombolas, os remanescentes de quilombos, locais em matas onde negros escravizados se refugiaram após escaparem dos cativeiros. O número corresponde a 0,65% da população total do país. Muito pouco. Mas em alguns municípios, como Cavalcante (GO), na região da Chapada dos Veadeiros, eles têm votos suficientes para eleger vereadores e até prefeito.

Cavalcante é a terceira cidade no país com a maior proporção de moradores quilombolas, segundo o IBGE - o Censo de 2022 foi o primeiro a incluir em seus questionários perguntas para identificar pessoas que se autodenominam quilombolas. A cidade, que fica no nordeste goiano, é a única do Estado com a maioria da população composta por quilombolas. Eles são 5.473 (57%) dos 9.589 moradores do município.

E grande parte ainda vive como os antepassados, em comunidades distantes da área urbana, sem energia elétrica nem saneamento, onde cavalos e burros são os únicos meios de transporte. Em 2020, Cavalcante elegeu o primeiro prefeito quilombola do país. Vilmar Souza Costa, conhecido como Vilmar Kalunga (PSB), venceu o pleito com 35,95% dos 1.959 votos válidos - o município não tem segundo turno por causa do baixo número de eleitores.

Vilmar nasceu no Vão do Moleque, no Quilombo Kalunga. Presidiu a associação que representa os moradores do território e se tornou conhecido após atuar pela demarcação de terras na região. Além disso, é formado em educação no campo e tem pós-graduação em ciências da natureza e matemática. Vilmar deve se candidatar à reeleição.
Kalungas formam maior quilombo do país

Os kalungas formam o maior quilombo do Brasil. Em Goiás, ocupam terras de Cavalcante, Teresina e Monte Alegre. São descendentes de escravizados que conseguiram fugir dos cativeiros e libertos que trabalhavam nas minas de ouro de Goiás e que se refugiaram no Vão das Almas, em meio a serras de difícil acesso no nordeste goiano.

Alguns dos primeiros kalungas jamais saíram do território, que começou a ser povoado pelos escravizados há mais de 300 anos. Mesmo com a escravidão abolida, em 1888, muitos acreditavam que a prática continuava vigente no Brasil. Por medo de serem capturados, preferiam viver isolados no quilombo. Criaram uma cultura única, mantida pelos seus descendentes.
Comunidade vive sob ameaça de mineração

Em 2021, o território Quilombo Kalunga foi reconhecido por um programa ambiental da ONU como o primeiro Território e Área Conservada por Comunidades Indígenas e Locais (Ticca) do Brasil. O título internacional é concedido a regiões que mantêm a conservação da natureza e asseguram o bem-estar de seu povo.

Enquanto os pastos e as monoculturas avançam aceleradas por quase todo Goiás, onde resta apenas 30% do cerrado, em terra Kalunga a cobertura da vegetação nativa é de 83%, conforme dados da plataforma MapBiomas. Por outro lado, a comunidade é considerada o território quilombola mais ameaçado pela mineração no país.

A região recebeu 180 requerimentos minerários em sobreposição a sua área. As informações constam no estudo "As Pressões Ambientais nos Territórios Quilombolas no Brasil", realizado pelo Instituto Socioambiental em conjunto com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

Segundo a pesquisa, cerca de 66% de toda área do quilombo é pressionada por requerimentos minerários. Além disso, a comunidade Kalunga de Goiás está entre os 10 territórios mais pressionados por obras de infraestrutura planejadas e cadastros de imóveis rurais.

Entende-se por pressão a medida do risco iminente de ocorrer impacto ambiental no interior de uma comunidade decorrente da implementação de uma obra de infraestrutura ou da sobreposição com registros ou requerimentos minerários. No caso da exploração de minérios, foi usado a base de dados das solicitações feitas à Agência Nacional de Mineração (ANM) em 2023.

"Para manter a nossa cultura viva, o nosso território preservado, precisamos de representatividade, e isso inclui, claro, elegermos prefeito, vereadores e, quem sabe, deputados", ressalta Adriano Paulino da Silva, de 27 anos, presidente da Associação Kalunga Comunitária do Engenho II, a maior comunidade quilombola da Chapada dos Veadeiros, sediada na área rural de Cavalcante.
País elegeu 56 vereadores quilombolas em 2020

Nas eleições de 2020, 57 quilombolas foram eleitos em diversos estados do Brasil. Dos cerca de 500 que concorreram, 56 conquistaram cadeiras de vereadores. A maioria no Maranhão, com 14 eleitos. Em Goiás, 9 candidaturas quilombolas saíram vencedoras, sendo 6 apenas em Cavalcante, incluindo o prefeito.

Confira todos os Estados com vereadores quilombolas eleitos em 2020:

Maranhão: 14
Goiás: 9
Bahia: 8
Pernambuco: 7
Minas Gerais: 7
Tocantins: 4
Sergipe: 2
Piauí: 2
Pará: 1
Ceará: 1

O Brasil tem 1,3 milhão de pessoas que se identificam como quilombolas. Confira os dados sobre essa população, levantados pelo Censo de 2022 do IBGE, que foi divulgado em 2023:

87,41% dessa população mora fora de territórios oficialmente delimitados para quilombolas.
Há 474 mil domicílios com ao menos um morador quilombola - e com a média de 3,17 moradores, maior do que a média nacional (2,79).
70% dos quilombolas moram na região Nordeste. Juntos, Bahia e Maranhão têm 50% dos quilombolas do país.
Quase ⅓ dos quilombolas do Brasil moram nos Estados da Amazônia Legal. Apenas Roraima e Acre não têm quilombola.
1.696 (30,5%) das 5.570 cidades do país têm moradores quilombolas.

Os quilombolas são maioria em apenas cidades brasileiras. Confira a lista abaixo:

Alcântara (MA): 84,57%
Berilo (MG): 58,37%
Cavalcante (GO): 57,08%
Serrano do Maranhão (MA): 55,74%
Bonito (BA): 50,28%.

Já em números absolutos, as duas primeiras cidades estão na Bahia, que concentra o maior número de pessoas que se autodeclaram pretas do Brasil. Veja os municípios com maior número de quilombolas:

Senhor do Bonfim (BA): 15.999
Salvador (BA): 15.897
Alcântara (MA): 15.616
Januária (MG): 15.000
Abaetetuba (PA): 14.526

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