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Autor: Texto / Flávia Ribeiro | Edição / Simone Freire | Imagem / Thiago Gomes / Agência Pará
19 de Mai de 2020
Problemas históricos e estruturais expõem comunidades de várias regiões do país ao risco de contaminação
A ausência da água na torneira não é um problema novo, mas em tempos de pandemia da Covid-19, o novo coronavírus, isso é ainda mais sentido uma vez que uma das principais medidas de prevenção é lavar as mãos com água e sabão. Essa é a realidade de centenas de famílias em comunidades quilombolas de várias regiões do país.
"A única água que temos na comunidade é a que colhemos do telhado. Da chuva. No nosso quilombo não chegou nenhum apoio nesse momento de pandemia", comenta Maria Aparecida Silva, do quilombo de Córrego do Rocha, município de Chapada Norte, Minas Gerais. O quilombo é composto por 55 famílias, mas cerca de 20 estão sem fornecimento de água desde 2018.
Segundo Aparecida, ainda não há casos confirmados no município e no quilombo. Mesmo assim, o receio é grande, pois não há hospital em Chapada do Norte, apenas um centro de saúde. Os doentes que precisam de internação hospitalar vão para o município de Minas Novas, distante 23km do território.
A falta de estrutura no quilombo é também a razão para que não seja possível cumprir a recomendação de se manter em casa. "Estamos nos acautelando o máximo que podemos. Estou na cidade há uns dias, arrecadando alimentos e kits de limpeza para as famílias mais vulneráveis, mais carentes. Quando no quilombo, alguém tem a necessidade de resolver algo na cidade, um resolve para o outro. Já vim aqui pagando contas para várias famílias, um compra coisas para os outros. Vamos nos ajudando", relata.
Sem acesso a direitos fundamentais
Combater a pandemia também tem sido um problema em quilombos no estado de Pernambuco. "A situação está muito difícil em muitas comunidades que dependem de carros pipas ou de poços. Nem todas as famílias têm reservatório de água em casa. Algumas prefeituras estavam se valendo da pandemia para alegar falta de recursos e não disponibilizar os carros-pipa", denuncia Mário dos Santos, conhecido como Marinho da Estiva.
Ele afirma que há 196 comunidades quilombolas com certificação e mais de 60% estão sem água. Os mais atingidos são comunidades do agreste pernambucano e do sertão, em municípios como Garanhuns, Bom Conselho, Capoeiras, São Bento do Una, Agrestina, Sertânia, Betânia, Custódia, Brejão, Aguas Belas, dentre outros.
"O país só reafirma o preconceito institucional contra o povo quilombola. A gente se sente desprestigiado, sozinhos, abandonados pelos governantes. É muito difícil passar por uma pandemia que está assolando o mundo e estamos praticamente isolados na zona rural", desabafa Marinho. "Queria fazer um apelo para que as promotorias ouvissem as comunidades de todo o Brasil para saber das suas necessidades. Já que os governantes não estão próximos, precisamos de alguma ferramenta para nos ajudar a combater. Água e saúde estão previstos na Constituição Federal como direitos do cidadão, mas não estamos tendo acesso", completa.
Assim como no sudeste e no nordeste, há quilombos na região Amazônica sem fornecimento de água. No Amapá, estado que concentra o maior número de mortes de quilombolas do Brasil, há quase uma dezena de comunidades sem água. "As famílias fazem a captação direto do rio, sem nenhum tipo de tratamento", destaca Núbia Souza, professora.
São cerca de 80 famílias nessa situação, em Abacate da Pedreira, em Macapá (PA). "Mantemos o controle, mas dá um desespero pois a única arma para o combate ao Covid19 é a água e sabão e nem isso podemos ofertar à nossa comunidade. Andamos o rio em busca de água para abastecer as nossas casas", fala Núbia.
Abandono histórico
Para Givânia Silva, articuladora da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Rurais Quilombolas (Conaq), há urgência em resolver problemas que foram historicamente silenciados. "O fato é que tem sido difícil enfrentar a pandemia diante da ausência de políticas públicas, de problemas estruturais e do abandono do estado brasileiro em relação às comunidades quilombolas", reclama.
Ela diz que a organização orienta as comunidades, mas várias não têm água, energia elétrica e nem internet para tentar acessar o auxílio emergencial. "Com a interiorização da doença, nossas comunidades vão ser muitas atingidas. A maioria dos quilombos estão em municípios menores, no interior dos estados, onde sequer há hospital, muito menos um respirador. Estamos vivendo um momento de bastante dificuldade. Como vou falar para alguém lavar as mãos com frequência se ela não tem água? Como falar para ficar em casa, se ela precisa de renda e o auxílio emergencial foi disponibilizado por aplicativo de celular, mas ela não tem energia elétrica, internet ou celular", indaga Givânia.
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