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Quilombo é reconhecido no interior de SP

FSP, Cotidiano, p.C15
02 de Mai de 2004

Quilombo é reconhecido no interior de SP
Em Capivari, família resistiu à pressão dos canaviais e ao preconceito por 144 anos; reconhecimento impede venda de área

Carolina Farias

Mesmo com a pressão dos canaviais e com o preconceito da comunidade, o sítio Santa Rita de Cássia, em Capivari (135 km a noroeste de São Paulo), resistiu 144 anos e foi reconhecido como terra quilombola na segunda quinzena do mês passado.
O quilombo será o primeiro do Estado de São Paulo a deixar de ser uma área particular para ser titulado como local ocupado por descendentes de escravos.
Com seis hectares, o mais novo quilombo reconhecido pelo Estado é isolado pela cana-de-açúcar desde seu surgimento, em 1860. Foi comprado por Eva Barreto, negra, que recebeu as terras de seu ex-dono com o compromisso de trabalhar para pagar pela área.
Desde então, a terra nunca deixou de ser ocupada por descendentes da primeira proprietária.

Venda proibida
Com o reconhecimento, nenhum membro das famílias que descendem da matriarca poderá vender glebas da terra, como ocorreu na época da expansão da cana-de-açúcar na região.
"Na década de 70 do século passado, com a expansão do canavial, aconteceu a migração da maioria dos descendentes de escravos que vivia no quilombo. Eles vendiam as terras para as usinas e iam para a cidade", disse a antropóloga coordenadora do levantamento sobre o quilombo de Capivari, Patrícia Scalli dos Santos, 33.
"Por anos, usinas de açúcar tentaram comprar a área", disse Cleonice Pereira, 50, que mora na área atualmente.

Reconhecimento
O processo de reconhecimento começou em 2002, quando o pastor evangélico Carlos Alberto Sampaio, 43, quinta geração de Barreto, procurou o Itesp (Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo) para tentar a regularização do quilombo.
Hoje o Estado de São Paulo tem 17 quilombos, reconhecidos pelo Itesp a partir de 1998, e cinco em fase final de reconhecimento.
Com o reconhecimento, 16 famílias da descendência de Barreto são consideradas quilombolas.
De acordo com a antropóloga, o reconhecimento é importante não somente para preservar a área como terra quilombola, "mas para o resgate do valor cultural, histórico e da auto-estima dos negros".
Além disso, o Itesp também oferece cursos e oficinas de capacitação na área agrícola para ajudar as comunidades dos quilombos.
A antropóloga explica que os negros em Capivari, com base nos estudos feitos pelo Itesp, sofreram com o preconceito da população branca da cidade. "Negros não casavam com brancos, andavam do lado oposto da praça e não podiam entrar no clube", afirmou.
Agora cabe ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) dar o título de quilombo à área após avaliar qual tipo de procedimento será utilizado por ser uma área particular, herdada pelas famílias quilombolas locais.

Local não tem luz nem esgoto

"Aqui eu sou iluminada pelas velas". Cleonice Pereira, 50, vive há 20 anos na área reconhecida como quilombo pelo Itesp (Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo).
No local não há energia elétrica, abastecimento de água e rede de esgoto. "Quando cheguei aqui, no meio desse canavial, me deu uma tristeza", disse.
Ela se casou com um dos descendentes de Eva Barreto que a levou para morar nas terras. "Ele [o marido] me dizia que herdou a terra dos avós e que nunca deveríamos sair daqui", afirmou.
A casa de três cômodos onde Pereira mora com uma filha de 12 anos foi construída há três anos. Antes, ela vivia em um barraco de madeira, onde criou outros dois filhos, que já estão casados.
"Já tive vontade de sair daqui. Na cidade tem diversão, mas também tem violência. Fico assustada com as notícias."

FSP, 02/05/2004, Cotidiano, p. C15

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