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Quilombo de Ivaporunduva é o primeiro no Vale do Ribeira a ter suas terras registradas em cartório

ISA - www.socioambiental.org
Autor: Inês Zanchetta
08 de Jun de 2010

Desde 1994, a comunidade quilombola de Ivaporunduva aguardava o registro. Esta conquista, por força de decisão judicial, abre caminho para que outros quilombos no Vale do Ribeira e do Brasil, que estão na espera consigam também registrar suas terras.

Reconhecido primeiro pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) em 1997, depois pela Fundação Palmares em 2000, o quilombo de Ivaporunduva teve, finalmente, suas terras registradas no Cartório do Registro de Imóveis da comarca de Eldorado, município paulista do Vale do Ribeira, no último dia 1 de julho. Cumpriu-se, assim, a decisão judicial julgada pela 2ª Vara Federal de São Paulo e confirmada pelo Tribunal Federal da 3ª Região em São Paulo, no final de 2008, e ainda o que determina o artigo 68 dos Atos de Disposição Constitucional Transitória (ADCT), os artigos 215 e 216 da Constituição Federal, o Decreto n 4887/2003 e a Instrução Normativa Incra n 57/2009.

Desde 1994, a Associação do Quilombo de Ivaporunduva lutava pelo registro por meio de ação judicial. "Foi uma importante vitória não só para nós do Vale do Ribeira, mas para todos os quilombos do Brasil. O artigo 68 da ADCT da Constituição foi cumprido", diz Benedito Alves da Silva, o Ditão, líder da comunidade de Ivaporunduva, que foi protagonista dessa luta desde o início. Ditão, como é chamado, foi um dos fundadores da associação onde ocupou vários postos. "Pela primeira vez no Brasil o negro é dono da terra, uma terra que a gente ocupava há mais de 400 anos. Tem uma frase que ouvi no Pará que resume bem a importância desse registro: terra titulada, liberdade conquistada", afirma com orgulho o líder quilombola. (Leia no final do texto como é o processo de titulação).

Festa vai celebrar a conquista

A decisão abre caminho para que outros quilombos, que também estão na fila de espera, consigam o registro de suas terras. A dra. Michael Nolan e a dra. Maria Sueli Berlanga da Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira/SP (Eaacone) acompanharam toda a tramitação em defesa dos direitos da comunidade. "É o primeiro quilombo do Estado de São Paulo a ter sua área totalmente registrada, graças a uma ação judicial movida pela comunidade. É um precedente que vai ajudar outras comunidades a conseguir seus títulos de terras", afirma a dra Michael.

Ao ter suas terras registradas, a comunidade poderá ter acesso a programas de financiamento e dos governos federal, estadual e municipal, que poderá impulsionar suas atividades agrícolas entre outras.

Para comemorar a titulação, Ivaporunduva, a mais antiga das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira (leia abaixo texto sobre a comunidade) já marcou uma festa, bem ao estilo quilombola. Deverá ser na primeira semana de dezembro, informa Ditão. "Vamos aproveitar para refletir sobre isso, sobre essa vitória e vamos convidar companheiros de todo o Brasil para fazer isso junto com a gente numa festa".

O quilombo de Ivaporunduva

O Quilombo de Ivaporunduva está localizado em Eldorado/Iporanga, na SP 165, às margens do Rio Ribeira de Iguape. Possui 3 158,11 ha e mantêm 80% de sua área coberta de Mata Atlântica. Composta por 80 famílias, a comunidade de Ivaporunduva tem população de 308 pessoas, sendo 80 crianças, 195 adultos e 33 idosos. A sobrevivência dessas famílias é conseguida com o cultivo tradicional de roça: arroz, mandioca, milho, feijão, verduras e legumes para uso próprio. Para o consumo e geração de renda produzem banana orgânica e artesanato, recebem grupos escolares para turismo, além de algumas pessoas que são funcionárias da prefeitura e aposentadas.

Até a 4a. série do ensino fundamental, as crianças estudam na escola municipal da comunidade. Para as séries seguintes se deslocam em torno de 6 km, com transporte fornecido pela prefeitura, até a Escola Estadual Maria Antonia Chules Princesa, que iniciou recentemente um trabalho de educação diferenciada, na Comunidade André Lopes. Para cursar o ensino médio, freqüentam escolas no bairro de Itapeúna (a 30 km) ou na cidade de Eldorado (45 km). O ensino superior só é acessível em Registro ou São Paulo.

A comunidade possui também um posto de saúde, onde semanalmente um médico e uma enfermeira dão consultas. Para exames ou tratamento, é preciso recorrer ao hospital na cidade. O Telecentro Comunitário, com acesso à internet e oito computadores, trouxe a inclusão digital para crianças, jovens e adultos, facilitando a gestão da associação, pesquisas escolares, serviços diversos e comunicação em geral. (Fonte: www.quilombosdoribeira.org.br)

Saiba como se dá o processo de titulação

O processo de titulação de uma comunidade remanescente de quilombos inicia com a Certidão de Autodefinição. Segundo a nova Portaria 98 de novembro de 2007, expedida pela Fundação Cultural Palmares - FCP, a comunidade que não possui associação legalmente constituída deverá se reunir em maioria e apresentar uma ata de reunião. A reunião deverá ter como assunto o debate e decisão a respeito da autodefinição como comunidade remanescente de quilombo. A comunidade que possui associação legalmente constituída deverá apresentar ata da assembléia convocada com específica finalidade de deliberação a respeito da autodefinição, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, acompanhada de lista de presença devidamente assinada.

A deliberação é o momento em que a comunidade revendo a história de sua formação entende, ou não, ser uma comunidade remanescente de quilombo. A comunidade pode reconhecer-se na história de sua formação, assim como em costumes e tradições herdados de antepassados. Neste sentido, a declaração autodefi nição é um documento que deverá ser encaminhado à Fundação Cultural Palmares apresentando um pequeno relato sobre a história da comunidade e porque conclui ser uma Comunidade Remanescente de Quilombo. No final, a declaração deve solicitar que o Presidente da FCP autorize a certidão de autodefinição. Caso a comunidade possua outros dados, documentos ou informações, tais como fotos, reportagens, estudos realizados, entre outros, que atestem a história comum do grupo ou suas manifestações culturais também devem ser encaminhados.

Após a emissão da certidão de autodefinição inicia-se o processo para caracterização da comunidade. Este processo se dá no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Incra, baseado no decreto 4.887/2003 e na Instrução Normativa Incra n 20. O processo é composto por relatório antropológico; planta e memorial descritivo do território; cadastramento das famílias quilombolas; cadastramento dos demais ocupantes; levantamento da cadeia dominial da área, ou seja, busca nos registros de imóveis de proprietários relativos a imóveis na terra; e parecer conclusivo da área técnica do Incra. Também cabe o Incra publicar resumo do laudo no Diário Ofi cial da União e no Diário Oficial do Estado afixando na sede do município. Deve ser acompanhado de memorial descritivo e mapa da área estudada.

Vencido o prazo de 90 dias para manifestações e contestações e ouvidos o Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional (Iphan), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Secretaria de Patrimônio da União (SPU), Fundação Nacional do Índio (Funai), Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional e Fundação Cultural Palmares, o processo segue para Comitê de Decisão Regional responsável pela análise da manifestações de particulares e eventuais manifestações dos demais órgãos públicos. Passada a fase de recursos, o procedimento para identifi cação do território segue para Brasília e encerra-se com Portaria (ato administrativo) do presidente do Incra que reconhece e declara os limites do território quilombola.

Declarados os limites e incidindo as terras sobre áreas particulares ou públicas, tem-se que para cada situação jurídica há um procedimento diferente. Podendo ser aplicados os procedimentos de desapropriação havendo proprietários particulares, indenização ou reassentamento de posseiros, anulação de títulos, ou envio para o Estado ou União para emissão dos títulos se forem públicas as terras. O título definitivo é outorgado pelo Incra em nome da associação que representa a comunidade ou as comunidades que ocupam aquela área. O Titulo coletivo contém cláusulas de imprescritibilidade e de impenhorabilidade, signifi cando que aquela terra não poderá ser dividida, vendida, loteada, arrendada ou penhorada. Finalmente o título será encaminhado ao registro de imóveis da região. Efetuado o registro da terra em nome da Comunidade Remanescente de Quilombo, em livros próprios no Registro de Imóveis, concluindo-se o processo de titulação. (Fonte: Agenda Socioambeintal Quilombola do Vale do Ribeira/ISA)

http://www.socioambiental.org/noticias/nsa/detalhe?id=3124

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