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Questões para entender o mundo

Veja, Especial, p. 90,93-94, 106
Autor: FERGUSOM, Niall; SPETH, James Gustave
23 de Jun de 2004

Questões para entender o mundo

No curto espaço de doze anos, duas ondas de mudança varreram o globo. A primeira delas, desencadeada pela queda do Muro de Berlim, em 1989, eliminou as tensões de quatro décadas de Guerra Fria e pareceu tornar o mundo mais simples e mais seguro. Essa sensação reconfortante durou pouco. Em 2001, uma série de atentados terroristas nos Estados Unidos voltou a pôr o mundo de pernas para o ar. A ameaça representada por fanáticos religiosos, os conflitos no Oriente Médio, o papel e os limites de atuação dos Estados Unidos como única superpotência militar do planeta - esses foram alguns temas cuja discussão se tornou premente. Eles vieram se juntar a toda uma gama de assuntos complexos que já estavam em pauta, como a globalização da economia ou o desafio de preservar o meio ambiente. Nas próximas páginas, o leitor vai encontrar os resultados de um esforço jornalístico para abordar de maneira extensiva a realidade cambiante deste começo de século. Sob a supervisão do editor executivo Carlos Graieb, os repórteres Jerônimo Teixeira, Marcelo Marthe, Ronaldo França, Carlos Rydlewski e Tania Menai receberam a incumbência de conversar com quinze personalidades de renome internacional - de filósofos a economistas, de sociólogos a historiadores. Niall Ferguson, Paul Johnson, Alain Touraine, Anthony Giddens, Joseph Nye, Amós Oz, Richard Dawkins, Peter Singer, Eduardo Giannetti da Fonseca, Edmar Bacha, Pedro de Camargo Neto, Albert Fishlow, Jeffrey Sachs, Merle Goldman e James Gustave Speth formam o time que aceitou o desafio de responder a 100 questões vitais sobre o presente, oferecendo diagnósticos, fazendo alertas e indicando caminhos.

O império hesitante
Niall Ferguson

O historiador e economista britânico acaba de publicar Colossus, uma análise original do poder dos Estados Unidos

1. AFINAL, OS ESTADOS UNIDOS SÃO UM IMPÉRIO?
São um império.

2. O QUE OS DEFINE COMO IMPÉRIO?

Um colosso militar e tecnológico que tem em 2004 a mesma poderosa dominação que mostrou em 1944, quando decidiu os rumos da II Guerra Mundial e, aos olhos do mundo, emergiu do conflito não apenas como um libertador, mas como um conquistador.

3. O HISTORIADOR ARNOLD TOYNBEE CHAMOU AQUELE PERIODO DE "A PRIMEIRA FASE DO IMPÉRIO AMERICANO". ESTAMOS VIVENDO A SEGUNDA FASE?

Sobre aquele período o escritor Harold Laski escreveu uma frase famosa dizendo que "nem Roma, no auge de seu poder, nem a Grã-Bretanha, no período de sua supremacia econômica, tiveram influência tão direta, profunda e ampla quanto os Estados Unidos". Os Estados Unidos estão novamente nessa mesma posição.

4. QUAIS AS OBRIGAÇÕES DE UM IMPÉRIO?

A primeira obrigação de um império é reconhecer-se como tal. A maioria dos americanos tenta negar essa realidade. O presidente Bush disse a repórteres na Casa Branca: "Não somos uma potência imperial. Somos uma potência libertadora, como nações na Europa e na Ásia podem atestar". Isso não é verdade.

5. UM IMPÉRIO PODE ABRIR MÃO DE AMBIÇÕES TERRITORIAIS E APENAS LIBERTAR OS PAISES?

Enxergar-se como libertador é justamente uma das características mais distintivas de um império. Os britânicos sentiam-se como libertadores dos países que invadiam. Quando os britânicos ocuparam o Iraque, depois da I Guerra Mundial, eles viviam prometendo devolver o governo aos locais. A verdade é que até os anos 50 havia bases militares britânicas no Iraque.

6. OS IMPÉRIOS SÃO SEMPRE RUINS?

Não. Quando eles admitem seu poder e sua força, começam a ser úteis. O que torna um império desastroso é o que está ocorrendo com os Estados Unidos neste exato momento. Mal as tropas americanas embarcaram para o Iraque e já se começou a falar em uma estratégia de saída. Um país como o Iraque não pode ser estabilizado em quinze meses.

7. MAS DOMINAR UM PAIS E PENSAR EM UMA MANEIRA DE DEVOLVER O PODER A SEUS DONOS NÃO É ALGO QUE TODO IMPÉRIO DEVERIA FAZER?

Nem sempre. A sorte do mundo em 1944 foi que os Estados Unidos não desembarcaram na Normandia pensando na estratégia de saída. O império americano de 1944 não tinha pressa. Hoje, os Estados Unidos são um império com pressa. Pior, são um império em estado constante de negação de sua condição imperial e que se recusa a reconhecer que o poder global acarreta também responsabilidades globais.

8. UM POVO QUALQUER ASSOLADO POR DITADURAS E GOVERNADO POR MINORIAS CRUÉIS DEVERIA PEDIR AJUDA AOS ESTADOS UNIDOS OU ÀS NAÇÕES UNIDAS?

Claramente aos Estados Unidos. Acredito que o poder americano continua sendo a melhor opção para derrubar ditaduras e estabelecer a democracia em qualquer parte do mundo. Os Estados Unidos são ainda a melhor opção para transformar pobreza em riqueza no planeta. Mas é cada vez mais claro também que os próprios americanos não têm consciência disso nem estão preparados para gerenciar um império global.

Planeta em crise
James Gustave Speth

A negligência com o meio ambiente atingiu um ponto crítico, alerta o cientista americano da Universidade Yale

93. PROVOCAR MEDO NAS PESSOAS E NÃO TRAZER FATOS OU PESQUISAS NOVOS TEM SIDO A ESTRATÉGIA DOS AMBIENTALISTAS. ELA ESTÁ FUNCIONANDO?
Está. Na verdade não precisamos de fatos novos. Danos irreversíveis já foram feitos ao planeta, eles são conhecidos. A hora, agora, é de ação.

94. O QUE PODE SER MUDADO IMEDIATAMENTE PARA MELHORAR NOSSAS CHANCES DE TER UM FUTURO AMBIENTAL MELHOR?
O tópico número 1 de minha lista é adotar amplamente sistemas de transporte eficientes. O segundo é investir pesadamente em energia renovável.

95. OS ESTADOS UNIDOS NÃO ASSINARAM O PROTOCOLO DE KIOTO, O PRINCIPAL TRATADO INTERNACIONAL SOBRE PROTEÇÃO AMBIENTAL. QUAIS AS CONSEQÜÊNCIAS DISSO?
Essa atitude será vista como um dos piores erros de política pública de nossa era. Ao abandonarem o acordo de Kioto, os Estados Unidos abandonaram o mundo.

96. ONDE A CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA ESTÁ MAIS DESENVOLVIDA?
Os europeus estão à frente nas áreas de clima, por obedecer ao Protocolo de Kioto. Eles estão à frente nas áreas de reciclagem, de impostos relacionados ao meio ambiente, de testes de produtos químicos tóxicos e de energia renovável.

97. O CRESCIMENTO POPULACIONAL É UMA AMEAÇA AO MEIO AMBIENTE?
Sim, pois pressiona pela ampliação das áreas dedicadas à agricultura e à pecuária num mundo onde já vemos o plantio abocanhar boa parte das florestas que ainda restam.

98. AS POLÍTICAS DE CONTENÇÃO DO CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO FUNCIONAM?
Sim. As mulheres têm mais controle sobre seu corpo e os governos estão ajudando com programas de educação e serviços de planejamento familiar.

99. O QUE O CIDADÃO COMUM PODE FAZER NO DIA-A-DIA PARA MELHORAR O MEIO AMBIENTE?
Muita coisa. A internet nos permite achar em segundos qual o computador ou a geladeira que consome menos energia e o carro que gasta menos combustível. Já é alguma coisa.

100. O QUE O FUTURO RESERVA PARA A FLORESTA AMAZÔNICA?
Incertezas. Os índices de desflorestamento nunca foram tão altos. Há algumas boas iniciativas no sentido de criar áreas de preservação na Amazônia, mas é preciso ir além.

Veja, 23/06/2004, Especial, p. 90, 93-94, 106

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