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Questao tecnica

O Globo, Tema em Discussao, p.6
Autor: PAOLI, Mariana
26 de Jun de 2004

TEMA EM DISCUSSÃO: TRANSGÊNICOS
Questão técnica
Em meio ao contínuo debate sobre a liberação ou não do plantio e comercialização de lavouras transgênicas, duas afirmações podem ser feitas com segurança. A primeira é que os alimentos geneticamente modificados vieram para ficar, como deixa claro o rápido crescimento do plantio dessas culturas em todo o mundo; no caso mais flagrante, a soja transgênica já constitui 55% do total.
E a segunda é que, apesar de toda a resistência feroz aos transgênicos, principalmente por parte de grupos ambientalistas, até agora não se encontrou qualquer indicação convincente de que haja danos ao meio ambiente — ou à saúde dos consumidores.
Por certo isso não é argumento a favor do abandono de todas as precauções. Continua sendo indispensável que a liberação do plantio para pesquisa, e sobretudo para comercialização, seja concedida somente depois de um exame muito cuidadoso de cada caso por parte de técnicos e cientistas devidamente credenciados para lidar com a questão.
É o que prevê o projeto de biossegurança que está no Senado, no que se refere à pesquisa: a palavra final cabe à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTN-Bio), cuja competência é inegável. Mas quanto à comercialização, as alterações do texto feitas pelo relator na Câmara, deputado Renildo Calheiros, conferem ao Ibama — cuja carência de recursos é notória — o poder de conceder ou não a licença ambiental.
O Senado agiria com sensatez se devolvesse à CTN-Bio o papel que lhe cabe, de tomar as decisões em matéria técnica. O assunto é de relevância crucial para o país e precisa ficar nas mãos de quem realmente dele entende.

Máximo Cuidado
Na discussão política e científica sobre os transgênicos no Brasil, observamos uma preocupante tendência de excluir a exigência dos estudos de impacto ambiental e de saúde, antes de sua liberação comercial. Diferente da biotecnologia, a engenharia genética, que permite cortar e colar” genes entre organismos vivos em laboratório, é muito recente. Até hoje, as empresas que desenvolveram os transgênicos plantados comercialmente (soja, milho, canola e algodão) nunca foram capazes de garantir sua segurança.
Vários problemas ambientais já foram constatados nos EUA e na Argentina. Entre eles, o surgimento de ervas daninhas resistentes, o que está levando ao aumento do uso de agrotóxicos, à perda da biodiversidade e à morte de insetos inofensivos à agricultura. Mais grave: uma vez introduzidos na natureza, os danos dos transgênicos são irreversíveis, pois se trata de organismos vivos, que se auto-reproduzem.
A Constituição e uma sentença judicial exigem o Estudo de Impacto Ambiental para a liberação comercial da soja transgênica. No entanto, a soja Roundup Ready da Monsanto foi liberada por meio de medidas provisórias. A Monsanto (responsável por mais de 90% dos transgênicos plantados no mundo) nunca apresentou este estudo aos órgãos ambientais, embora já o tenha realizado há mais de dois anos.
Existe uma falsa idéia de que a avaliação ambiental seria um empecilho à ciência e à tecnologia. Os verdadeiros defensores da ciência deveriam lutar por estudos sobre a segurança dos transgênicos. E, não, acusar de obscurantistas” os que lutam pelo Princípio da Precaução.
Na comunidade científica, não há consenso sobre a segurança dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs). Um estudo recente divulgado pela FAO (órgão da ONU para agricultura e alimentação) reconheceu que os impactos ambientais dos transgênicos devem ser estudados caso a caso. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), por sua vez, recomenda máxima cautela”, antes da liberação dos OGMs.
O Senado Federal tem a responsabilidade de zelar pelo meio ambiente e a saúde da população brasileira, garantindo o licenciamento ambiental antes da introdução de transgênicos no país. Para isso, deve garantir a competência dos órgãos de saúde, meio ambiente e agricultura, para avaliar e autorizar a liberação comercial dos transgênicos no país.
MARIANA PAOLI é coordenadora da Campanha de Engenharia Genética do Greenpeace.

O Globo, 26/06/2004, p. 6

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