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Queimada de resultados

FSP, Mais, p. 3
Autor: LEITE, Marcelo
27 de Dez de 2009

Queimada de resultados
Experimento em fazenda de Mato Grosso simula incêndios que convertem a Amazônia em cerrado

Marcelo Leite
Colunista da Folha

Cinco anos de incêndios repetidos produziram uma visão desoladora. Nos primeiros 200 metros de borda da mata ao longo deste campo de soja em Mato Grosso, a floresta virou um paliteiro de árvores mortas. O capim invade a mata calcinada.
É o temido processo de "savanização", que pode consumir até 40% da floresta amazônica neste século. Exatamente o que queriam os pesquisadores que planejaram e executaram esta "queimada do bem".
Graças à imitação do fogo rasteiro que invade a mata por acidente, em geral iniciado em pastos adjacentes, sabe-se agora com precisão que metade das plântulas (árvores jovens) não consegue sobreviver a ele.
A biodiversidade vegetal decai em ritmo vertiginoso. A invasão por gramíneas típicas do cerrado aproxima a vegetação desta que é a savana brasileira.
Uma das poucas espécies favorecidas é o louro-prata (Ocotea guianensis Aublet). Embora seja característica de florestas mais úmidas, como a formação dita "ombrófila densa" ao norte desta mata de transição para o cerrado, o louro-prata observa uma explosão de crescimento, rebrotando da própria raiz com o adubo abundante das cinzas. Os ecólogos do estudo já pensam em empregá-lo nos esforços para reflorestar áreas degradadas por queimadas.
No geral, as árvores perdem três vezes mais folhas na mata queimada do que o normal. É um sinal de que a mortalidade poderá aumentar com o fogo recorrente, mesmo quando a árvore não sucumbe ao primeiro incêndio. Troncos e galhos caídos, assim como mais folhas no chão, fornecem combustível para o próximo fogo.
No reino animal, não se se notou até agora o completo desaparecimento de espécies, só uma mudança no perfil populacional. Os detalhes ainda não foram tabulados, mas já se sabe que antas e porcos do mato (catetos e queixadas) frequentam amiúde a área queimada, atraídos pelos muitos brotos.

Silêncio mortal
Faz mais de cinco anos que acompanhei a queima inaugural da mata, início estrepitoso de um dos maiores experimentos sobre a dinâmica do fogo em florestas tropicais. Agora, o silêncio é rompido só pelo ruído do trator que espalha calcário sobre o campo adjacente e pelo zumbido de mosquitos -muitos- perto da orelha.
Apesar dos ruídos, o silêncio se impõe e, como diz o lugar comum, é mortal. Clareiras impensáveis, terra nua ou coberta de cinzas e folhas torradas, troncos enegrecidos. A morte está por todo lado. De certo modo, era o plano.
Em 16 de agosto de 2004, três dezenas de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e do Centro de Pesquisa de Woods Hole (WHRC, dos EUA) se reuniam com alarido para tocar fogo em cem hectares (1 km2) da Fazenda Tanguro, em Querência (MT). Os 820 km2 pertencem à família do governador do Estado, Blairo Maggi, que patrocina o experimento.
Os 150 hectares do experimento foram divididos em três talhões iguais. Um deles foi mantido como testemunho (controle). Outro foi queimado todos os anos. O último, só o seria de três em três anos.
Tudo isso para entender melhor a dinâmica do fogo lento e fraco que avança pelo chão da floresta a 10 m/h e como vai mudar a fisionomia da mata sob seguidos incêndios.
A quarta e provavelmente última temporada de incêndio metódico (não houve fogo em 2008) ocorreu há dois meses, pouco antes de visita fortuita que fiz ao local. Em Canarana, outra cidade mato-grossense, encontrei o biólogo Oswaldo de Carvalho Jr., do Ipam, coordenador da pesquisa.
"O fato de a fazenda ser dos Maggi chama muito a atenção", explica. A queimada prevista para 2008 não se realizou porque não saiu autorização de órgãos ambientais. "Queimamos na época em que é proibido. Mesmo alegando que era pelo bem da ciência, negavam, com medo do Ministério Público."
A quinta queimada geral tampouco deve ocorrer, em 2010. Além da dificuldade burocrática, os cientistas avaliam que já contam com muita informação. Apenas focos restritos de incêndio serão ateados, para medições específicas.
Outra razão é que os pesquisadores ainda não se refizeram de todo do susto que tomaram em 2007, um ano de seca. Havia muito material orgânico acumulado sobre o solo na parcela queimada só em 2004.
"Durante a noite o fogo normalmente abaixa", conta Carvalho. "Em 2007, andou muito à noite. Quase perdemos o controle." É o chamado "feedback" positivo: áreas queimadas queimam melhor em anos subsequentes, se tiverem tempo para acumular combustível.
O experimento mostrou, porém, que também existe um "feedback" negativo. No talhão que queima todos os anos, consome-se quase todo o resíduo sobre o chão. A queimada seguinte não consegue avançar com a mesma facilidade. Só no primeiro ano o incêndio atingiu 80% da área experimental.
Carvalho, no entanto, parece ter criado gosto. Está em dúvida quanto à decisão de renunciar ao incêndio geral em 2010. "Eu queria queimar mais uma vez a área trienal."

FSP, 27/12/2009, Mais, p. 3

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