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Que lei mineral queremos?

Valor Econômico, Opinião, p. A16
Autor: VILHENA, Carlos
05 de Nov de 2013

Que lei mineral queremos?
Projeto desperta apreensão ao promover interferência do Estado em atividade privada.

Por Carlos Vilhena

Após longos anos de elaboração, o poder Executivo enviou ao Congresso Nacional, em junho, projeto de lei dispondo sobre a atividade de mineração. Os propósitos dessa iniciativa seriam o aumento de eficiência do Estado, o incentivo à pesquisa, investimentos na produção, estímulo à concorrência, competitividade e o reconhecimento das particularidades da mineração. No entanto, a proposta nos parece muito distante das intenções enunciadas.
Não obstante haver pontos positivos no projeto de lei, como a criação do título único para pesquisa e lavra; a reforma institucional com a criação do Conselho Nacional de Política Mineral e da Agência Nacional de Mineração; o reconhecimento da mineração como atividade de utilidade pública e garantias a entidades financiadoras de empreendimentos minerais, a essência do projeto desperta grave apreensão ao promover enorme interferência do Estado em uma atividade eminentemente empresarial privada.
A mineração não é monopólio estatal, como o petróleo; não é serviço público, como rodovias e portos. Ainda assim, o governo propõe uma lei para regular a atividade mineral aparentemente baseando-se em experiências - muitas delas mal sucedidas - de regulação de monopólio estatal e de serviços públicos.
O governo equivoca-se ao propor uma mudança radical do protagonismo da atividade, que deixaria de ser privado para se tornar estatal. Há generalidade excessiva, sem balizas claras para a regulação, dando margem à discricionariedade ilimitada pelo poder Executivo. O sistema proposto certamente aumentará a burocracia e, consequentemente, o tamanho e o papel do Estado, com os decorrentes custos para o país.
Erro grave, por exemplo, é a alteração radical do atual e objetivo sistema de acesso a áreas para pesquisa mineral, substituindo-o por licitações permeadas por subjetividade.
O sistema da lei atual é consagrado em modelos legais de países com grande e exitoso setor mineral, como Canadá, Austrália, Chile e Peru. Certamente nosso atual sistema pode ser aperfeiçoado, mas não há razão para aboli-lo e substituí-lo por outro que não é adequado e nem respeita a dinâmica da atividade mineral, especialmente a de pesquisa mineral. Importante frisar: não há incompatibilidade legal ou constitucional na manutenção do atual sistema de acesso a áreas para pesquisa mineral.
A prática de licitações para a outorga de direitos minerários deveria se restringir a áreas que retornem à gestão do Estado e contem com alto conhecimento geológico e comprovado potencial de produção. Não há por que o Estado assumir o custo e o risco exploratório para determinar áreas com potencial se o capital privado está disposto a fazê-lo.
Essas e outras mudanças radicais e complexas ora propostas poderão acarretar significativa demora na implementação e alto grau de dificuldade na gestão, o que comprometerá a agilidade do Estado. A nossa atual lei mineral, ainda que merecedora de aperfeiçoamento e modernização, é boa. Caso contrário, não teríamos experimentado um crescimento de mais de 500% na nossa mineração nos últimos dez anos. É absolutamente questionável a necessidade de uma mudança tão profunda como a proposta pelo governo.
O incremento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem) pode até ser uma demanda legítima de municípios e Estados mineradores, mas faltam à proposta do Governo critérios para a sua destinação e para a sua implementação de forma justa, de modo a não desestimular o investimento.
A proposta traz, ainda, aumento considerável da participação financeira da União, com a introdução de novas cobranças: bônus de assinatura, bônus de descoberta, taxas de fiscalização e participação nos resultados da lavra. Certamente aumentará ainda mais o custo de se fazer negócio e como consequência afetará negativamente a competitividade interna e externa de nossa mineração.
Ainda que a proposta tenha feito esforços para preservar os atuais direitos, não está clara o bastante, podendo levar ao desrespeito às situações jurídicas consolidadas e consequentemente acarretar forte judicialização.
As questões acima, entre outras, poderão resultar em comprometimento da competitividade; insegurança e desestímulo a investimentos; concentração de mercado; impacto negativo na geração de novas jazidas.
Espera-se do Congresso Nacional uma profunda reflexão quanto à proposta governamental, de maneira a fazer os ajustes realmente necessários para aprimorar a nossa legislação mineral, sem radicalismos. Vamos avançar e não retroceder.
Aguardamos uma lei que verdadeiramente possa promover a preservação do interesse nacional; o estímulo à pesquisa mineral pela iniciativa privada; o desenvolvimento da indústria mineral e a valorização da atividade como base da indústria de transformação; a segurança jurídica; a atração de investimentos; a ampliação da competitividade e a reforma institucional.
Para alcançar esses objetivos, a nova lei mineral deve privilegiar o protagonismo do setor privado e a livre iniciativa, deixando ao Estado o papel de regulação, fiscalização, incentivo e planejamento indicativo; definir parâmetros de regulação que levem a regras claras, objetivas, simples e de fácil implementação; manter o sistema de acesso a áreas para pesquisa mineral mediante requerimento de áreas livres, conforme as melhores práticas da indústria mineral internacional; implementar uma participação financeira estatal justa e criteriosa, sem desestimular o investimento; respeitar rigorosamente as situações jurídicas constituídas; promover a eficiência da ação estatal, com a criação de uma Agência Nacional de Mineração forte, autônoma, com verdadeira independência administrativa e financeira.
Enfim, queremos uma lei mineral fundada na livre iniciativa, voltada a proporcionar mecanismos para o setor mineral brasileiro se preparar para um futuro mais eficiente, com regras objetivas, claras e competitivas, sem clientelismo, protecionismo, interferência estatal ou ingerências políticas.

Carlos Vilhena é sócio de Pinheiro Neto Advogados em Brasília, responsável pelas áreas de mineração e de relações governamentais

Valor Econômico, 05/11/2013, Opinião, p. A16

http://www.valor.com.br/opiniao/3327722/que-lei-mineral-queremos

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