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Que culpa tem o Parque de Iguaçu?

OESP, Vida, p. A14
Autor: CORRÊA, Marcos Sá
08 de Set de 2005

Que culpa tem o Parque de Iguaçu?

Marcos Sá Corrêa

Os avá-guaranis acabam de prestar um inestimável serviço à conservação da natureza no Brasil. Eles invadiram esta semana o Parque Nacional do Iguaçu. Sob a batuta do cacique Simão Tupã Retã Vilialva, puseram lá dentro nove famílias, abriram uma clareira entre as árvores, trouxeram seus bichos domésticos e avisaram que só sairão do acampamento quando o País lhes der, no mar de soja que virou o oeste do Paraná, uma floresta onde possam exercer seu direito à caça, à pesca e outras prerrogativas ancestrais. É uma oportunidade imperdível para enfrentar a nova política indigenista que os caras-pálidas do governo vêm tratando há anos com borrifos de complacência, antes que ela acabe com os parques nacionais.
O caso de Iguaçu não poderia ser mais didático. Dispensa as remissões ao Descobrimento. Ele remonta à construção da Hidrelétrica de Itaipu, que afogou as Sete Quedas. Na área de alagamento da represa, havia na década de 80 cerca de 40 famílias avá-guaranis.
Assentadas na Reserva do Ocoí, em São Miguel do Iguaçu, elas cresceram e se multiplicaram. Em meados dos anos 90, já estavam espremidas em seus 256 hectares. A Itaipu Binacional comprou então 1.780 hectares em Diamante do Oeste e levou para lá 35 famílias. O resto ficou em Ocoí, entregue à Funai.
Nas terras administradas pela empresa, brotou a Tekohá A‡etete, uma reserva que na última safra colheu 120 toneladas de mandioca orgânica.
Lá vivem atualmente 50 famílias. Elas têm 157 reses. Fazem queijos artesanais. Plantam milho, feijão e arroz, sem agrotóxicos ou fertilizantes químicos. Produziram este ano uma tonelada e meia de mel.
Para não perder o gosto da carne de caça, passaram a criar em cativeiro cutias e capivaras. E, assistidas por técnicos, embarcaram este ano na criação de peixes em redes armadas nas águas da represa.
A escola da aldeia tem prédio de alvenaria, eletricidade, água corrente e telefone. Os alunos são alfabetizados em português e guarani. O currículo lhes ensina a história de seu povo. Seu grupo musical, que anima as festas do município, gravou o primeiro CD. As casas de 70 metros quadrados, feitas pela empresa, levaram em conta a arquitetura tradicional dos moradores. O piso na sala é de terra batida, para conviver com o fogo de chão que aquece as conversas. A estrutura, de troncos, pode ser desmontada e refeita em outro terreno, como manda o figurino do nomadismo. Cada unidade custa em média R$ 22 mil. Vinte já estão prontas. Há mais 20 em construção.
Enquanto isso, na Ocoí, o que mais prosperou foi o aperto. Num espaço quase sete vezes menor, a população passou dos 520 índios - ou 115 famílias, engrossadas principalmente pelos guarani que vêm do Paraguai, atravessando a fronteira para o lado onde mal ou bem os espera, sob as asas acolhedoras da Funai, uma carteira de identidade, o serviço médico gratuito e até a aposentadoria instantânea pelo INSS.
Há dois anos, um convênio da Itaipu com a Pastoral da Criança debelou na reserva um surto de subnutrição infantil. E a empresa, que gasta US$ 220 mil por ano com a assistência aos guaranis, está erguendo ali casas como as da Tekohá A‡etete. Mas os 80 alqueires que a Funai ficou de arrendar na vizinhança, para acomodar seus imigrantes, até hoje não saíram. É mais fácil e mais barato fornecer-lhes cestas básicas, quando eles se plantam no Parque Nacional do Iguaçu.

Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

OESP, 08/09/2005, Vida, p. A14

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