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Quatro anos contaminada

JB, Cidade, p.A17-A18
11 de Abr de 2004

Quatro anos contaminada
Laudo da Justiça revela que acidente ocorrido na Reduc em janeiro de 2000 ainda deixa seqüelas graves para o meio ambiente

Gustavo de Almeida
A Baía de Guanabara ainda tem alto grau de contaminação devido ao acidente ocorrido em janeiro de 2000, quando 32 milhões de litros de óleo vazaram de um duto da Refinaria Duque de Caxias, da Petrobras. Esta é a conclusão do laudo realizado por um perito judicial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, cujo nome vem sendo mantido em sigilo. A perícia foi feita nos meses de dezembro do ano passado e janeiro, fevereiro e março deste ano, em quatro pontos . O quadro descrito é de calamidade: algumas espécies marinhas, segundo o perito, quase foram extintas, e os produtos provenientes das águas da baía foram classificados como ''impróprios para o consumo''.
O juiz da 20ª Vara Cível, Rogério de Oliveira Souza, solicitou a perícia devido a um processo que se arrasta desde novembro de 2001, de pescadores de três colônias (Caxias, Tubiacanga, que fica na Ilha do Governador, e Caju) contra a Petrobras. Os pescadores entraram com uma ação de indenização, alegando lucro cessante. Ao longo de quatro meses, foram realizadas prospecções, com a ajuda de mergulhadores. Nesta semana, o juiz deve publicar no Diário Oficial do Tribunal de Justiça uma determinação para que a Petrobras tome conhecimento do laudo. O prazo para a empresa contestar o resultado será de 15 dias.
Apesar de não poder falar diretamente sobre o processo e muito menos sobre a sentença, o juiz adianta uma medida:
- Pela complexidade do trabalho realizado, devo remeter o laudo ainda esta semana à Promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público estadual, que poderá entrar com ação civil pública, dependendo do que for concluído. O perito é de minha inteira confiança.
O autor do laudo é um engenheiro químico que já trabalhou em perícias para o Exército brasileiro. Um dos trechos da conclusão é claro e definitivo:
''Mesmo passados mais de quatro anos após o vazamento de aproximadamente 1,3 milhões de litros de MF-380 do duto PE-II da empresa ré, este Perito (sic) constatou, com fulcro (base) nas análises realizadas, que ainda há alto índice de contaminação nas águas da Baía de Guanabara bem como nas espécies lá encontradas, tornando-as impróprias para o consumo''
Um dos processos, o de número 2001.001.137533-5, além de incluir lucro cessante (figura jurídica para definir indenizações), pede ainda ação de dano moral. Pelos cálculos da perícia, somados a queda na incidência no pescado com o prejuízo nas vendas causados pela falta de credibilidade nos produtos, cada família pode ter direito a uma indenização de valores em torno de R$ 100 mil.
O processo teve diversos recursos desde seu início. Para o juiz Rogério de Oliveira Souza, a perícia era urgente e necessária para que fosse possível tomar decisões.
- O perito levou quatro meses para fazer o trabalho. O relatório é limpo, um trabalho de peso. A Petrobras, inicialmente, não quis que fosse feita a perícia, mas ela foi mantida. O argumento da empresa era de que o Ibama já tinha desenvolvido essa prova - diz o magistrado.
De acordo com o juiz, independentemente da sentença, possivelmente o laudo será utilizado em outros processos que tramitam contra a empresa petrolífera.
- O laudo não está imune às críticas. Mas que é um trabalho sério, não há dúvidas. Com um elemento desses em mãos, é necessário dar um encaminhamento maior para servir de alerta. Sai da área da responsabilidade civil e vai para a área de meio ambiente. O laudo, sem dúvida, vai valer para centenas de outras ações que há no Tribunal de Justiça. Qualquer juiz pode pedir uma cópia deste laudo e determinar pagamento de indenizações - diz.

Espécies estão quase desaparecendo
Laudo da Justiça sobre efeitos do acidente detectam grande redução da fauna marinha

Para o cálculo do lucro cessante, pedido pelo juiz Rogério de Souza Oliveira, da 20ª Vara Cível do Tribunal de Justiça, o perito judicial relacionou a incidência atual com a sugerida antes do acidente - utilizando informações de cientistas, ambientalistas e pescadores. Verificou-se uma queda de até 95% em espécies como a sardinha maromba e a anchova. O número de camarões do tipo verger caiu 90%. Devido ao grande prejuízo sofrido pelos manguezais, a queda na incidência de caranguejos foi de 96% (ver quadro ao lado).
Fazer a recontagem do que foi perdido e do que permaneceu é uma urgência, na opinião do ambientalista Sérgio Ricardo de Lima, ex-integrante do Conselho Estadual do Meio Ambiente e ex-secretário-executivo da Associação Permanente de Entidades de Defesa do Meio Ambiente (Apedema). Para isso, ele, que é morador da Ilha do Governador e vê de perto o drama dos pescadores de Tubiacanga, encaminhou oficialmente no mês passado ao Ministério do Meio Ambiente e à Secretaria Nacional da Pesca a proposta de realização do primeiro censo pesqueiro da Baía de Guanabara. Para ser feito o quanto antes, diz ele.
- A grande verdade é que não há números. Ninguém sabe no Brasil quantos pescadores artesanais trabalham e o quanto eles produzem - diz Sérgio Ricardo, que denunciou esta semana ao Jornal do Brasil que, devido à queda nas vendas e do desaparecimento de grande parte do pescado, as colônias como a de Tubiacanga estão se favelizando.
- As colônias estão sem saneamento básico, e estão ficando descaracterizadas. A maioria precisa de um cais, de material para fabricação e remendo de redes, de fornecimento de gelo. Falta muito. E o crescimento é desordenado - revela Sérgio.
De fato, segundo números levantados pelo ambientalista, a colônia de Tubiacanga, por exemplo, que tinha 460 moradores em 2002, hoje tem mais de 530, um número expressivo em se tratando de uma colônia de pescadores.
O perito desenvolveu uma tabela que mostra as razões do empobrecimento dos pescadores - uma tabela que está diretamente relacionada com a diminuição abrupta da fauna marinha, tanto na baía quanto nos manguezais que a contornam.
Nos meses de janeiro a maio de 1999, a média de peixes capturados foi de 4.059 kg. Já depois do vazamento, no mesmo período, a média caiu para 1.195kg.
- A proposta do censo pesqueiro é uma forma de avaliar melhor todo esse prejuízo. A proposta foi bem aceita, tanto pela ministra Marina Silva quanto pelo gerente regional do ministério, Jayme Tavares - diz Sérgio Ricardo.

Metal pesado nos peixes
Laudo aponta locais mais contaminados

O laudo escrito pelo perito judicial é um calhamaço de 250 páginas, provavelmente o mais completo relato já desenvolvido sobre o acidente da Baía de Guanabara, na opinião do juiz Rogério de Oliveira Souza. O perito, com ajuda de mergulhadores, realizou exames inclusive em áreas não autorizadas, vigiadas por seguranças da Petrobras.
- Tive que dizer que eu era um estudante universitário para poder passar pelo bloqueio, em um dos dias - disse o perito ao Jornal do Brasil na quinta-feira passada.
Foram colhidas amostras em quatro pontos essenciais da Baía de Guanabara (ver quadro ao lado).
Em um dos trechos do longo relatório, o perito aponta um dos motivos para que a ação do óleo derramado ainda tenha reflexos até os dias de hoje, mesmo passados quatro anos:
''Outro aspecto importante da degradação da qualidade da água da baía é a acumulação de fósforo, nitrogênio e metais pesados nos sedimentos do fundo, em determinadas áreas, cujo resultado será a liberação contínua dessas substâncias para a água, por longo tempo, após a redução dos lançamentos diretos (...) As concentrações de metais pesados nos sedimentos superficiais da baía são maiores na parte interna oeste (próximo às desembocaduras dos rios São João de Meriti, Sarapuí e Iguaçu), decrescendo em direção ao canal central e à entrada da baía''
Coincidência ou não, a edição de domingo passado do programa Fantástico da TV Globo mostrava testes em laboratórios indicando que parte do pescado à venda no Rio de Janeiro tinha alto índice de contaminação por metais pesados. O peixe namorado, por exemplo, tinha um nível de cádmio que chegava a 3,00 mg por quilo - quando o limite é de 1,0mg/kg.

Petrobras investiu R$ 6 bilhões
Após o acidente, empresa criou uma série de programas voltados para preservação da baía
Ouvida pelo Jornal do Brasil, a Petrobras ressaltou, por meio de sua gerência de Comunicação, que o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) liberou a pesca em sessenta dias após o acidente da Baía de Guanabara em 18 de janeiro de 2000. A empresa informou que $ó vai se pronunciar sobre o laudo da perícia após a publicação no Diário Oficial do Tribunal de Justiça e a notificação oficial do juiz.
A estatal enviou ao Jornal do Brasil um breve relato sobre os projetos que assumiu desde o acidente. A empresa já gastou nada menos que R$ 6,2 bilhões desde 2000 em projetos de proteção ambiental. Seguem as informações:
"A Petrobras tomou todas as medidas possíveis para minimizar os efeitos do acidente e devolver à área suas condições anteriores. Além da retirada do óleo e completa limpeza das praias e costões atingidos, foram reparados barcos e equipamentos de pesca, distribuídas 8.234 cestas de alimentos e concedidas indenizações a pescadores e comerciantes no valor de R$ 6,7 milhões.
Como passo seguinte, a Petrobras implementou nacionalmente o maior e mais ambicioso programa de segurança, meio ambiente e saúde que se tem notícia na indústria do petróleo - o Pégaso -, com um investimento já realizado de mais de R$ 6 bilhões.
Além de se beneficiar desse programa, as duas unidades da Petrobras na Baía de Guanabara - a Refinaria Duque de Caxias (Reduc) e o Terminal da Ilha d'Água-, foram cenário do maior Termo de Compromisso para Ajuste Ambiental (TCAA) da história do país. Por esse acordo, firmado em novembro de 2000 com a Feema e o Ministério Público Federal, a Petrobras se comprometeu a investir R$ 192 milhões em melhorias ambientais nas duas unidades, num processo concluído em janeiro de 2004. Foram implementado nas duas unidades mais de 4 projetos, abrangendo:
a) Instalação de controle supervisão automatizados n rede local de dutos;
b) Instalação de sistema de telemetria e controle remoto nos 250 tanques da Reduc;
c) Aprimoramento de todos os planos de contingência.
Além disso, a Petrobras conta hoje na Baía de Guanabara com um Centro de Defesa Ambiental equipado com todos os recursos necessários para o combate a vazamentos de óleo e pessoal a postos 24 horas por dia.
Este Centro de Defesa Ambiental complementa os planos de contingência já existentes na Reduc e no DTSE - e que também foram reforçados e integrados num único comando.
A Baía de Guanabara também foi a primeira área de atuação da empresa a receber uma embarcação especializada no combate a vazamentos de óleo - o Astro Ubarana. Equipada com barreiras, tanques e barcos de apoio, essa embarcação permanece a postos 24 horas por dia para permitir maior rapidez no atendimento a qualquer emergência.
Paralelamente, a Petrobras assinou convênio de R$ 40 milhões com a Semads, o que viabilizou a construção do Piscinão de Ramos, da Estação de Despoluição do Rio Carioca, na Praia do Flamengo, e brevemente também do Piscinão de São Gonçalo, além de melhorias ambientais em outros municípios. Por outro convênio, universidades e órgãos vêm desenvolvendo mais de uma dezena de projetos visando o monitoramento ambiental".
Projeto Pégaso é um dos destaques da empresa estatal

JB, 11/04/2004, p. A17 e A18

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