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Quarup vai reunir mil índios para homenagear Orlando Villas Boas

Estado de S. Paulo-São Paulo-SP
Autor: LÚCIA HELENA DE CAMARGO
07 de Jul de 2003

Eles acreditam que ritual permite aos espíritos encontrar um lugar seguro ao nascer do dia

Marina com os filhos Villinha (E) e Noel: família ajuda nos preparativos

Na madrugada do dia 19 para 20 de julho, a Aldeia Yawalapiti, no Parque Indígena do Xingu (MT) será palco do quarup, cerimônia na qual os índios vão homenagear o mais importante indigenista brasileiro de todos os tempos: Orlando Villas Boas, morto em 12 de dezembro de 2002. Normalmente, o quarup ocorre quando morre algum índio respeitado. Participam os membros da tribo e alguns representantes das aldeias próximas. Mas essa celebração será especial, por causa da importância de Villas Boas: vão tomar parte integrantes de todas as 14 tribos do Xingu e a família de Orlando, além de índios de outros Estados. Piracumã, índio da tribo Yawalapiti e um dos organizadores, estima em mil o número de índios presentes no evento.

Na cerimônia, os mortos são representados por toras de madeira, chamadas quarup, fincadas no centro da aldeia. Na madrugada, contadores cantam chorando, agitando o maracá (espécie de chocalho). Eles acreditam que durante o ritual os mortos podem voltar à vida por breves momentos. Ao pé de cada tora um pequeno fogo é aceso. A celebração é o último ritual de passagem, para que os espíritos encontrem um lugar confortável e seguro ao nascer do novo dia, quando o fogo é então apagado. "A idéia é que, lembrando de forma intensa, possa-se esquecer, fechar o ciclo e seguir em frente", explica Orlando Villas Boas Filho, o Villinha.

Noel Villas Boas/Reprodução
Em cerimônia, índios retocam o quarup

Marina Villas Boas, viúva de Orlando, e seus filhos, vão para o parque no dia 13, ajudar nos últimos preparativos. O tronco de árvore que simboliza Orlando Villas Boas, artefato hoje guardado no salão em que o indigenista trabalhava, em sua casa do Alto da Lapa, será levado pela família.

Os preparativos para a cerimônia começaram há cerca de dois meses. Marina passa os dias comprando e remetendo materiais para o parque. Entre outras coisas, ela enviou mil rolos de linha, igual quantidade em tinta para tecido, além de 300 kg de arroz e 200 kg de rapadura. Piracumã faz a ponte entre os dois mundos, transportando objetos, levando informações, conseguindo recursos.

Cobranças - Na missa de sétimo dia da morte de Orlando, em São Paulo, surgiram as primeiras cobranças pela continuidade da obra do indigenista. Falando em nome do grupo, Piracumã convocou Noel, filho mais novo de Orlando, para substituir o pai. "Meu pai tinha minha idade (29 anos) quando embarcou na Expedição Roncador-Xingu, mas hoje em dia eu não poderia fazer o mesmo: o trabalho precisa prosseguir com instituições sérias que ajudem os índios a manter o que foi conquistado nesses 60 anos", afirma. A Funai (Fundação Nacional do Índio) não é a mais indicada para essa função, segundo ele. "Apesar de saber as necessidades dos índios, a Funai não dispõe de recursos.", diz. "Ideal seria criar um Ministério do Índio."

Não é fácil ser filho de alguém que fez história. "Ao mesmo tempo que nos orgulhamos, também somos cobrados", admite Villinha. "Tudo o que for feito daqui para frente será baseado no que minha família fez, porque eles lançaram as bases da política indigenista no País", pontua Noel. O legado dos Irmãos Villas Bôas, porém, talvez já não dependa de figuras emblemáticas. Exemplo disso é a autonomia com que circulam entre o Xingu, Brasília e São Paulo índios como Aritana e Piracumã, irmãos que conviveram toda a vida com os indigenistas. "A grandeza do trabalho de 60 anos agora começa a ser valorizada", comemora Marina.

Roncador-Xingu - O dia 15 de julho marca os 60 anos do início da Expedição Roncador-Xingu, em 1943, criada pelo governo com o objetivo de "conhecer e desbravar os brancos do mapa". O Brasil tinha então 43 milhões de habitantes. Orlando e os irmãos Cláudio e Leonardo embarcaram na expedição na qual passariam 40 anos de suas vidas. Dentro da selva, integraram os índios à sociedade brasileira, ao mesmo tempo incutindo neles a necessidade de valorizar a própria cultura. O ponto alto da saga foi a criação, em 1961, do Parque Indígena do Xingu. Lá vivem hoje 4 mil índios em 14 aldeias, falando dez idiomas.

# Mais informações sobre os Villas Boas no site www.estadao.com.br/villasboas

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