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Proteger, sim; proibir, nao

OESP, Viagem, p.V2
Autor: ALHADEFF, David
24 de Fev de 2004

DAVID ALHADEFF
Proteger, sim; proibir, não
O Brasil exibe um dos mais extensos e belos litorais do mundo. Temos praias e ilhas para todos os gostos, configurando um potencial náutico formidável. De fato, o turismo náutico vem crescendo ano após ano, com barcos (lanchas e veleiros) a preços cada vez mais acessíveis para a classe média - tanto que existem hoje no País mais de uma centena de estaleiros e dezenas de milhares de embarcações de porte, dedicadas ao esporte e ao lazer, espalhadas principalmente nos grandes centros econômicos, como São Paulo e Rio.
Infelizmente, na contra-mão do desenvolvimento do turismo náutico, modo salutar e sustentável de turismo, surge o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) com iniciativas que, embora simpáticas à primeira vista, são equivocadas e que, a médio e longo prazos, resultarão em prejuízos econômicos e sociais significativos: ilhas e mais ilhas em nosso litoral vêm se tornando reservas e parques, sendo proibidas ao público, vetadas à simples navegação e tornando-se, em termos de turismo, locais privativos para privilegiados que desfrutam de acordos operacionais exclusivos com aquele órgão.
Um exemplo é o atual processo de mudança de categoria da Ilha da Queimada Grande, situada no litoral sul paulista, em frente da cidade de Itanhaém. Atualmente, já protegida pela legislação como Área de Relevante Interesse Econômico (Arie), teve proposta sua alteração para Parque Nacional em meados do ano passado. A conseqüência seria sua interdição à livre navegação e às atividades esportivas. A alegação do Ibama é a proteção da jararaca ilhoa, cobra das mais venenosas do Brasil, que existe na maior densidade de serpentes venenosas por metro quadrado do mundo no local.
Ora, aqui temos três conseqüências:
1 - Ocorre que as cobras da Ilha da Queimada Grande não correm nenhum risco por parte dos seres humanos, pois absolutamente ninguém com amor à própria vida desembarca nessa ilha, que, aliás, é deserta;
2 - Por outro lado, a Queimada Grande é muito procurada em sua parte marítima por turistas e esportistas náuticos, que há décadas a visitam numa forma sadia e sustentável (tanto que a área marinha da ilha continua riquíssima em vida);
3 - Finalmente, todas as demais ilhas oceânicas do litoral sul paulista já estão protegidas (interditadas) por reservas como a de Tupiniquins, o Parque Estadual da Ilha da Laje de Santos e a reserva dos Tupinambás. Resulta que a Queimada Grande é, atualmente, a única ilha que nos resta para visitar numa extensão de centenas de quilômetros.
Assim, para as dezenas de iate clubes, marinas e garagens náuticas, seus milhares de freqüentadores e clientes, mais as dezenas de milhares de pessoas que dependem do turismo náutico como ganha pão, nada mais restará para fazer do que cessarem suas atividades caso essa mudança seja concretizada.
Isso pode se configurar em um duro golpe no turismo náutico nacional, tanto que já despertou a preocupação inclusive de estaleiros fabricantes de embarcações, distribuidores e lojistas especializados, para os quais o fato sinaliza uma crise futura
com o contínuo avanço que se tem observado nos últimos anos por parte do Ibama sobre as ilhas.
Ninguém é contra a preservação da beleza e da riqueza do litoral brasileiro. O problema é que tal proteção tem de ser feita respeitando-se também o ser humano, a economia e a vocação natural turística de nossa costa. Caso contrário, estaremos sufocando importantes setores econômicos e sociais sem a contrapartida da real proteção e do respeito ao meio ambiente.
David Alhadeff é diretor de Pesca do Iate Clube de Santos

OESP, 24/02/2004, p. V2

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