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Projeto resgata espécies do cerrado para criar ilhas ecológicas no Noroeste

Correio Braziliense - www.correiobraziliense.com.br
Autor: Roberta Machado
20 de Set de 2010

Os característicos canteiros floridos do Plano Piloto estão excluídos do projeto do Setor Noroeste. A área, ainda em construção e conhecida como "bairro verde", será a primeira a receber jardins inteiramente formados por espécies nativas. A inovação é resultado do Plano de Resgate e Salvaguarda da Vegetação (PSV), projeto do Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Distrito Federal (Ibram), que prevê o resgate das plantas localizadas em terrenos de construção para reprodução e plantio em áreas de conservação degradadas.

A colaboração das construtoras nessa missão de salvamento florestal só foi possível devido às condições impostas para autorizar o desmatamento necessário à formação do bairro, conforme previsto no Plano de Gestão Ambiental de Implantação do Setor Noroeste (PGAI). Tais condições preveem a minimização do impacto causado ao cerrado na construção de centenas de prédios em uma área de conservação ambiental. Enquanto o maquinário dá os primeiros passos para o surgimento do Setor Noroeste, dez jardineiros cedidos pela Novacap escavam cuidadosamente os terrenos dos futuros edifícios para retirar, uma por uma, as plantas que podem ser usadas no paisagismo natural.

Os torrões resgatados da terra são cuidadosamente embalados e levados para o viveiro do Departamento de Parques e Jardins da Novacap (DPJ), onde permanecem em quarentena até poderem ser levados para seus novos lares, as chamadas ilhas de cerrado, a serem formadas ao longo de toda a extensão do futuro bairro. Duas das cerca de 30 áreas previstas foram demarcadas e recebem, de forma quase experimental, os cuidados para se tornarem as manchas verdes que irão fazer a conexão entre todas as unidades de conservação ambiental vizinhas do Noroeste: Parque Nacional de Brasília, Arie (Área de Relevante Interesse Ecológico) Cruls, Arie Bananal e Parque Ecológico Burle Marx.

A manutenção dessas ilhas ficará a cargo dos Jardineiros do Cerrado, equipe de profissionais que irá receber o treinamento adequado da Novacap para aprender a lidar com a ainda pouco conhecida vegetação do Centro-Oeste. Entre as mais de 12 mil espécies catalogadas, apenas uma pequena parcela é utilizada para fins comerciais, já que pouco se sabe das formas de reprodução de muitas delas, ou do comportamento das plantas que irão sofrer o processo de transplantação. "Vemos ver a adaptação dessas plantas, se elas continuarão com o aspecto bonito após a transferência e se o morador vai se acostumar com isso", ressalta o chefe do DPJ, Rômulo Ervilha.

A demora para colocar o projeto em prática - devido à falta de chuvas e ao atraso no processo licitatório, as equipes definitivas só devem começar a trabalhar em novembro - já trouxe prejuízo ao material nativo. A maior parte das plantas desperdiçadas foi destruída na preparação da infraestrutura do bairro, com a escavação para a instalação das redes de água, esgoto e energia elétrica. Os responsáveis pela parceria envolvida no PSV, no entanto, garantem que as espécies não farão falta, e que as ilhas danificadas serão recuperadas. "É uma quantidade tão grande que não temos capacidade para tirar tudo, nem local para colocar tudo isso", aponta Albatênio Granja, gerente de Meio Ambiente da Terracap.

Em breve, as mudas e plantas resgatadas devem ganhar um lar transitório, com a construção de um viveiro no Parque Burle Marx, uma das áreas a serem renovadas com a transplantação. Outras unidades que também podem receber as espécies naturais no Setor Noroeste são o Bosque dos Constituintes e o Bosque dos Tribunais, além de jardins educativos em escolas, praças e quadras residenciais que vierem a ser criados.

Benefícios ambientais
Por meio de um intenso trabalho paisagístico, o estereótipo da imagem seca e descolorida do cerrado deve, aos poucos, dar lugar à jardinagem artística formada por espécies de um dos biomas mais diversificados do mundo, rico em texturas e formas.

"Estamos quebrando paradigmas. Tanto na urbanização quanto no paisagismo, estamos mudando os conceitos arraigados na construção civil", resume o engenheiro florestal Luiz Otávio França, assessor técnico da Superintendência de Gestão de Áreas Protegidas do Ibram (Sugap). "Imagina você descer do apartamento e ter na mão frutos do cerrado como murici, pequi ou cagaita."

A ideia do transplantio para a recuperação de áreas danificadas é mais antiga do que parece. Outros biomas, como a Mata Atlântica e a Floresta Amazônica, há décadas têm suas espécies usadas para o paisagismo em suas respectivas regiões de origem, num processo conhecido como ecogênese(1). Um exemplo prático de sucesso é a Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, recuperada com espécies transportadas da própria Mata Atlântica. "Dessa forma iremos fazer um bairro que tem a paisagem do cerrado, em vez de criar uma completamente diferente da que existia no local", completa Lúcia Helena Ferreira, assessora técnica da Sugap.

A expectativa é de que o impacto causado na qualidade ambiental da região será menor que o verificado em bairros formados unicamente por áreas verdes estranhas à vegetação local. "O clima é um produto da ação humana. Antes da construção de Brasília, não havia períodos de seca tão grandes e intensos como hoje", atenta Manoel Cláudio da Silva Júnior, engenheiro florestal e professor da Universidade de Brasília (UnB).

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