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Projeto que amplia uso comercial de espécies segue para o Senado

Portal de Políticas Socioambientais - http://www.portalambiental.org.br/
Autor: Clarissa Presotti
12 de Fev de 2015

O Senado deve começar a analisar um projeto de lei complexo e recheado de retrocessos que ameaçam a biodiversidade brasileira e os direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais. O texto recentemente aprovado pela Câmara é de autoria do deputado Alceu Moreira (PMDB-RS) e fruto de nova articulação da bancada ruralista para beneficiar o agronegócio e indústria farmacêutica. O PL 7735/2014 "simplifica" regras para pesquisa e exploração do patrimônio genético de plantas e de animais nativos e "facilita o acesso" aos conhecimentos de povos tradicionais e indígenas associados à biodiversidade, às formas de vida.

Um acordo articulado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), permitiu a aprovação do texto na noite da última terça-feira (10). Apesar da tentativa de das organizações socioambientais e de parlamentares do Psol, PCdoB, PV e PT, foram rejeitadas praticamente todas as suas emendas que visavam reduzir os riscos à biodiversidade e aos direitos os povos indígenas e comunidades tradicionais associados ao uso da natureza.

O único destaque aprovado, do PSC, permite anistiar empresas e pesquisadores que tenham sido multados antes da entrada em vigor da nova lei por infrações no acesso aos recursos genéticos. Essa medida amplia o rol de multas que poderão ser perdoadas, somando quase R$ 220 milhões em dívidas para com o governo.

Deputados como Afonso Florence (PT-BA), Luciana Santos (PCdoB-PE), Chico Alencar (PSOL-RJ), Ivan Valente (PSOL-SP), Sarney Filho (PV-MA) e Alessandro Molon (PT-RJ) voltaram a denunciar durante a votação do PL que representantes de povos indígenas e tradicionais não foram ouvidos durante o processo de elaboração e discussão do projeto (leia mais). Para a deputada Luciana Santos, houve um pedido para a retirada da urgência na tramitação, para que o projeto fosse amplamente discutido com os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e demais povos tradicionais. "Mas esse pedido foi negado. Esse projeto deveria garantir os benefícios a quem são de direito, aqueles que fazem a preservação ambiental", disse a deputada.

O deputado Alceu Moreira confirmou que a proposta "estabelece cobrança somente para aquele que explora econômica e comercialmente a biodiversidade brasileira nativa", deixando claro que a nova legislação beneficiará principalmente o agronegócio e as empresas privadas.

Há expectativa de que esse cenário mude quando o projeto tramitar no Senado. Indígenas, representantes de comunidades tradicionais e entidades da sociedade civil estarão articuladas com senadores para esclarecimento quanto ao teor e ameaças do projeto. O Senado tem 45 dias para analisar e votar o documento. Após essa fase, o projeto volta à Câmara e depois seguirá para sanção ou veto da Presidência da República. "Dependendo do resultado, o caminho será o Supremo Tribunal Federal", avalia Maurício Guetta, advogado do Instituto Socioambiental (ISA).

Foco comercial

Segundo avaliação de organizações socioambientais, o projeto aprovado atende amplamente o setor empresarial, o agronegócio e a indústria farmacêutica, pois consolida interesses privados sobre o uso de um patrimônio de todos os brasileiros, como a dispensa de qualquer autorização para o acesso a recurso genético e conhecimento tradicional associado e a anistia geral e irrestrita a todas as penalidades impostas por suas irregularidades. Outro ponto preocupante é que a fiscalização sobre a repartição de benefícios em atividades agrícolas caberá ao Ministério da Agricultura. O controle é hoje do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Para Maurício Guetta, do ISA, o projeto aprovado traz uma série de retrocessos aos povos indígenas e populações tradicionais com a restrição de direitos já consagrados. Por exemplo, não prevê que as comunidades possam negar o acesso a seus conhecimentos e restringe ainda mais seus direitos à repartição dos benefícios oriundos da exploração econômica. "A votação do projeto aconteceu de forma antidemocrática, conduzida por Eduardo Cunha e pela bancada ruralista. Cunha não considerou destaques que tinham sido aprovados pela maioria e que defendiam os diretos dos povos e comunidades na repartição dos benefícios", destacou Guetta.

De acordo com o substitutivo ruralista ao projeto, essas comunidades só terão direito a alguma compensação se o conhecimento tradicional for "elemento principal de agregação de valor" do produto desenvolvido a partir dele e se este produto for incluído numa lista que será elaborada por alguns ministérios. O que é altamente limitante e beneficiará apenas o setor privado.

Além disso, produtos desenvolvidos com base em acesso a conhecimentos tradicionais, realizado antes de junho de 2000, também estarão isentos de repartir benefícios com essas populações (leia análise do ISA sobre o projeto).

Acordos internacionais

A proposta aprovada na Câmara também garante isenção de royalties para pesquisa e desenvolvimento com soja, arroz, cana e outras commodities. Isso retira parte da barreira do agronegócio ao Protocolo de Nagoya (em vigor desde outubro de 2014), assinado pelo Brasil, mas não ratificado pelo Congresso pela pressão dos ruralistas. A Frente Parlamentar da Agropecuária quer garantir que a agricultura seja regida pelo Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura.

Para o Superintendente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, Jean François Timmers, o texto aprovado vai contra os princípios da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) das Nações Unidas, da qual o Brasil é signatário. "A repartição dos benefícios com os detentores de saberes tradicionais associados à biodiversidade não está contemplada no projeto de lei", disse ele. "Vai haver reação por parte das comunidades e povos tradicionais", acredita.

Ao não reconhecer o saber tradicional de comunidades locais e povos indígenas como fundamental para a conservação e para o uso racional da biodiversidade, o PL descumpre a (CDB). A Convenção também garante que cientistas e empresas que queiram ter acesso aos conhecimentos de comunidades tradicionais devem consultá-las de forma prévia, livre e informada e repartir com elas os benefícios de suas pesquisas e produtos. "São esses direitos que estão sendo violados pelo projeto", defende o advogado do ISA.

Se essa medida se manter, o Brasil descumprirá esses acordos e tratados internacionais, colocando o governo em situação diplomática complicada.

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