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Programa para índio

CB, Brasil, p. 16
03 de Set de 2006

Programa para índio
Grupo responsável pelas propostas de governo para o segundo mandato de Lula sugere a criação de secretaria especial e de um conselho nacional. Funai seria desvinculada do Ministério da Justiça

Olímpio Cruz Neto
Da equipe do Correio

Criticada pela Igreja Católica e organizações não-governamentais, a política indigenista do governo federal pode vir a sofrer uma mudança radical de rumo a partir de 2007, caso se confirmem nas urnas a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, até agora o líder absoluto nas pesquisas eleitorais. Embora não tenha sido concluída, uma versão do programa temático para os povos indígenas, ao qual o Correio teve acesso, aponta os horizontes dessa nova política indigenista, que culminariam com uma remodelada estrutura administrativa. Ou seja, a criação de novos órgãos. A idéia agrada a setores do movimento indigenista, inclusive o sempre crítico Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Elaborada por uma comissão de especialistas na área-que inclui antropólogos e indigenistas e, curiosamente, não ouviu a opinião de assessores do Ministério da Justiça-,a proposta de programa para o segundo governo de Lula inclui a criação de uma Secretaria Especial para os Povos Indígenas, vinculada diretamente à Presidência da República e com status de ministério, e de um Conselho Nacional de Política Indigenista.

"Essa é uma solução que conta coma simpatia do Cimi e do movimento indigenista", afirma Paulo Guimarães, assessor jurídico do Cimi. Além disso, pretende criar órgãos setoriais em cada ministério que tenha interface com a questão indígena-saúde e educação.

O documento aponta ainda a necessidade de um"novo marco regulatório": a aprovação do Estatuto do Índio, proposta que está parada no Congresso Nacional desde 1991. "Isso significa trazer a política indigenista como um todo para o centro das políticas de Estado e governo", aponta o texto do Programa de governo Lula presidente 2006. "Significa desconstruir a mentalidade paternalista e tutelar que preside há décadas a postura do Estado junto aos povos indígenas. Significa ainda reconhecer o movimento e as organizações indígenas como interlocutores autônomos, autores de seus projetos de futuro, sem a mediação de nenhum órgão indigenista."

Funai
O texto produzido pela comissão temática é crítico quanto ao papel da quase quarentona Fundação Nacional do Índio (Funai). Criada em 1967 para substituir o extinto Serviço de Proteção aos Índios (SPI), a Funai seria transferida do Ministério da Justiça para a nova secretaria especial ou para o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). "A necessidade de saída do Ministério da Justiça justifica-se pela sua incapacidade histórica em provê-la das condições orçamentárias, recursos humanos, estrutura organizacional e coordenação intersetorial, para o cumprimento de suas obrigações institucionais junto aos povos indígenas", aponta o documento.

A hipótese da mudança administrativa é admitida pelo próprio ministro da Justiça,Márcio Thomaz Bastos, que confidenciou a seus colaboradores que gostaria de ver a estrutura da pasta mais enxuta em um eventual segundo governo de Lula, restrita a assuntos de Justiça e Interior. Mas nem Bastos está convencido de que a Funai deveria ser subordinada ao MDA ou que uma nova secretaria especial deveria ser criada. Apesar de descartar a hipótese de permanecer à frente do cargo, o ministro vai tratar das eventuais alterações no organograma administrativo do ministério com o próprio Lula depois das eleições.

Até uma definição, contudo, permanecem as linhas gerais dessa nova política indigenista definida pela comissão temática do PT. Assessores do ministro mostraram-se surpresos com o teor das críticas do partido. E, pior, pelo fato de não terem sido ouvidos. De fato, as mudanças na condução das políticas públicas para os povos indígenas para um eventual segundo mandato de Lula não foram traçadas por Bastos, sua equipe e, tampouco, pelo presidente da Funai,Mércio Pereira Gomes, e seus assessores.

Procurado pelo Correio, Gomes declarou que desconhecia o teor do documento e que não foi consultado durante sua elaboração. Paradoxalmente, apesar de não ter sido ouvido, é ele o presidente da Funai com mais tempo no cargo, desde o início da redemocratização e o fim da ditadura militar. Este mês, o antropólogo completa três anos na cadeira de presidente-um feito raro e só superado pelo general Ismarth de Araújo Oliveira, que esteve no comando da Funai durante o governo do general Ernesto Geisel (1974-1978).

Para se ter uma idéia de como o cargo é efêmero, nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso oito "especialistas em índios" passaram pela função.

Quase o mesmo número de ministros da Justiça. Antes de Gomes, o cargo foi ocupado pelo baiano Eduardo Almeida, que não resistiu ao cerco dos índios, insatisfeitos com sua gestão. Ele foi sacado do cargo, apesar de ter sido indicado pelo próprio PT.

Eles querem o cargo

O comando da Funai nas mãos de um índio. A idéia vem sendo fermentada na cabeça dos principais articuladores do movimento indigenista desde meados dos anos 1990.Durante a Conferência Nacional dos Povos Indígenas, promovida pela Funai em abril passado, a idéia foi novamente discutida pelos participantes do encontro.

A idéia agrada até mesmo ao atual presidente da Funai,Mércio Pereira Gomes, mas caberá ao próprio Luiz Inácio Lula da Silva, caso venha a ser reeleito, decidir-se pela posse de um representante legítimo dos povos indígenas. Seria um marco na história do Brasil. De acordo com a assessoria de imprensa da Funai, Gomes passaria "com orgulho" o cargo para um índio substituí-lo em janeiro de 2007.

Os nomes de líderes indígenas para assumir essa tarefa são muitos: Marcos Terena, Megaron Txucarramãe e Aílton Krenak são os mais citados por fontes ligadas ao movimento indígena. Nenhum deles assume publicamente que tem a pretensão de sentar-se na cadeira de presidente da Funai.

Até porque a tarefa não é das mais fáceis.
Com orçamento anual de cerca de R$ 100 milhões, a Funai enfrenta há algum tempo problemas estruturais sérios, com a contínua perda de pessoal - por aposentadoria ou remoções para outros órgãos federais -, a falta de renovação, além das pressões de grupos econômicos e políticos, contrários ao que chamam de "privilégios dos índios" sobre o uso das terras. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) acredita que os problemas fundiários tendem a aumentar.

"Os interesses sobre as terras indígenas cresceram, até porque a agenda do desenvolvimento econômico vem se impondo, com empresas das mais diversas áreas - mineração, agronegócio, estradas e usinas hidrelétricas-tentando obter garantias do Estado para atender aos projetos de seus interesses", destaca Paulo Guimarães, assessor jurídico do Cimi. "Não queremos nos opor ao desenvolvimento do país, de maneira nenhuma. Mas não é possível que o lado mais fraco, que são os índios, sofra diretamente os efeitos danosos causados por essa política."

Atualmente,dezenas de processos sobre a regularização fundiária de terras indígenas estão em andamento no governo federal. Oficialmente, existem cerca de 600 áreas, que somam 12,5% do território nacional, onde vivem 225 povos indígenas. A população indígena é estimada 460 mil pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com dados da Funai, até o final de seu mandato, o presidente Lula terá homologado cerca de 60 terras indígenas. Outras 20 estarão demarcadas e 40, identificadas.
(OCN)

Propostas
O que diz o documento Programa de governo Lula presidente 2006 para os povos indígenas:

1.Terras
Concentrar esforços para avançar na regularização das terras pendentes. Criar comissão ou grupo de trabalho intersetorial para transpor entraves administrativos, orçamentários, políticos e jurídicos
Criar fundo constitucional para proteção, vigilância e sustentabilidade das terras indígenas e para financiar projetos de etnodesenvolvimento com participação indígena na gestão do fundo
Implementar linhas de crédito e financiamento para atividades produtivas dos povos indígenas, com certificação de garantia da autenticidade dos produtos indígenas

2.Saúde
Criação de um órgão específico de execução das ações e políticas de saúde indígena, vinculado ao Ministério da Saúde

Avaliação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, a fim de implementar mudanças para seu aperfeiçoamento
Formação profissional e escolar para os agentes indígenas de saúde
Garantia de recursos com o controle social dos povos indígenas

3.Educação
Criação da Secretaria Nacional de Educação Escolar Indígena, vinculada ao Ministério da Educação
Estruturar e fortalecer em todas as secretarias estaduais de Educação setores responsáveis pela execução da educação escolar indígena
Garantia de recursos específicos no orçamento da União
Criação e implantação do Sistema ou Subsistema Nacional de Educação Escolar Indígena
Criação e implantação do Conselho Nacional de Educação Escolar Indígena como colegiado assessor do Conselho Nacional de Política Indigenista

Funai
Fortalecimento do órgão indigenista, com mais recursos orçamentários e humanos, além de um novo plano de carreira

CB, 03/09/2006, Brasil, p. 16

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