O Globo, O País, p. 4
04 de Dez de 2006
Pressão de Lula abre conflito no Ministério
Decisão do presidente de destravar investimentos expõe divergências entre Dilma e Marina sobre política ambiental
A pressão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre sua equipe para deslanchar os investimentos em infra-estrutura colocou em campos opostos as ministras Dilma Rousseff (Casa Civil) e Marina Silva (Meio Ambiente). As duas têm posições divergentes sobre pelo menos três assuntos: a construção de novas usinas nucleares, os planos do governo de alterar a legislação de forma a acelerar os processos de licenciamento ambiental e a cobrança ostensiva por detalhamento dos motivos pelos quais grandes obras estão atrasadas no país.
De um lado, Dilma quer tirar do papel, a toque de caixa, alguns dos 120 importantes projetos de infra-estrutura, como hidrelétricas e rodovias, hoje parados por questões ambientais e judiciais. Ela cobra celeridade na concessão de licenças ambientais e explicações sobre o que já está sendo feito. O desconforto recai principalmente sobre o Ibama, que estaria demorando para finalizar suas avaliações.
De outro, em desvantagem numérica e sem ter em seu favor a obsessão pelo meio ambiente que Lula demonstra no momento pelo crescimento, está Marina. Uma das maiores líderes ambientalistas brasileiras, ela teme que alterações bruscas e sem ampla discussão acabem pondo em risco a proteção ambiental.
Usinas nucleares são motivo de discórdia no governo
A legislação é o ponto da disputa mais aguda. No Planalto e no Ministério do Meio Ambiente estuda-se a regulamentação do artigo 23 da Constituição.
Dilma e Marina divergem quanto à forma de encaminhá-la. A idéia é definir de quem é a competência de conceder a licença em cada tipo de obra. A ausência desta definição é apontada pelos técnicos do governo como uma das dificuldades, porque permite o questionamento na Justiça de obras que já foram autorizadas pelo órgão ambiental estadual ou federal.
Também pretende-se, com isso, limpar os escaninhos do Ibama, deixando para ele apenas obras de grande impacto nacional. No Meio Ambiente, teme-se que, dependendo do texto final, acaba-se alijando o Ibama de questões ou projetos que o órgão considera importantes.
Outro fator de discórdia é a questão sobre quais são exatamente as pendências ambientais que impedem boa parte das obras de hidrelétricas, refinarias e rodovias no Brasil. Dilua adotou o mesmo tom de cobrança que Lula usou, pessoalmente, em uma reunião sobre o tema: quer dados concretos que permitam não só destravar os atuais empreendimentos parados como preparar-se para evitar novos impasses no futuro.
Marina e sua equipe vêem nesta cobrança uma tentativa de criar um bode expiatório para a lentidão das obras de infra-estrutura. Em suas contas, a maior parte dos empreendimentos está embargada por instâncias estaduais e municipais, Justiça e Ministério Público.
Secretário-executivo do Meio Ambiente, Cláudio Langone afirma que já foram concedidas licenças ambientais a 5.475 megawatts em potência energética (geração de usinas hidrelétricas) e que 2.437 MW - ou 44,51% - ainda não começaram a ser construídos. Na avaliação dele, isso ocorre por decisão dos investidores --- que esperam momentos economicamente mais apropriados, do seu ponto de vista, para obter melhores preços, por exemplo.
Por isso, Langone - evitando polemizar com a Casa Civil e com ministérios interessados nas mudanças de legislação -- nega o conflito entre Dilma e Marina na questão da legislação ambiental:
Isso vem dos empreendedores --justifica.
No entanto, o secretário-executivo reconhece o terceiro dos embates entre as duas ministras: a energia nuclear. A construção da usina nuclear de Angra 111 foi colocada sobre a mesa na reunião do último dia 17, quando Lula sentou com a equipe para tratar dos investimentos em infra-estrutura e meio ambiente. Dilma, que quando era ministra de Minas e Energia era contrária ao uso deste tipo de energia, agora se posiciona favoravelmente à construção de Angra III e de outras quatro usinas nucleares, porque seu preço passou a ser interessante.
Mudanças na lei terão de passar pelo Congresso
Já o Ministério de Meio Ambiente é contrário. O secretário-executivo, Cláudio Langone, argumenta que ainda não há uma forma segura de descarte dos materiais e do lixo nucleares, e que outras alternativas de geração de energia, como as hidrelétricas, são preferíveis, pelo menor custo ambiental.
Além do embate entre Dilma e Marina, há um complicados para que a mexida na legislação ambiental vá adiante. As propostas têm de passar pelo Congresso, onde os ambientalistas têm forte poder de mobilização. Presidente da comissão de Infra-estrutura do Senado e membro da de Meio Ambiente, o senador Heráclito Fortes (PFL-PI), diz que, em princípio, haverá clima político para a aprovação -desde que o governo tenha um projeto "claro e bem estruturado":
- O problema tem sido sempre o de transparência.
Na Câmara., já existem vozes que prometem não facilitar. O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) lembrou que, logo após as declarações de Lula sobre sua pressa em destravar investimentos e melhorar a questão ambiental, houve fortes manifestações da sociedade: -
- O licenciamento ambiental merece ser discutido mas não no caminho de retirá-lo, mas de dar eficácia ao processo no sentido de que seja dado num prazo mais curto, mas com a preocupação ambiental. A minha proposta é ter mais gente, equipamento e estrutura (no Ibama).
Os pontos da discórdia
Rapidez na promoção de mudanças na legislação ambiental
O governo quer fazer alterações na legislação do meio ambiente para permitir mais rapidez na análise e aprovação de projetos que necessitam de licenciamento ambiental, em geral grandes obras de infra-estrutura, necessárias ao destravamento do crescimento.
Dilma Rousseff foi encarregada de encaminhá-las e fazê-las a toque de caixa. Marina Silva teme que a rapidez possa promover alterações que acabem tomando vulnerável o sistema de proteção ao meio ambiente. Um exemplo é o fim da responsabilidade pessoal dos fiscais e técnicos do Ibama o que para o Meio Ambiente deixaria o órgão sem mecanismos de punição para quem age de má-fé.
Cobrança pelas obras paradas
Há hoje no país 120 obras com pendências ambientais e jurídicas, sendo cem na área de energia e 20 de transportes, cujo prazo de conclusão varia de 2009 a 2010. Entre elas, há gigantes como as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, que terão custo de cerca de R$ 9,2 bilhões. Dilma Rousseff a exemplo do que Lula fez pessoalmente em uma das reuniões cobra detalhamento dos entraves para que o governo possa se movimentar em direção à solução dos impasses, além de se preparar melhor em novos projetos. Marina Silva argumenta que a maior parte das obras está embargada por instâncias estaduais e municipais, Justiça e Ministério Público, e que, portanto, o Meio Ambiente está sendo transformado em bode expiatório.
Retomada da construção de usinas nucleares
A tendência hoje do governo é levar adiante a construção da usina nuclear de Angra 3 e de outras quatro unidades, numa reviravolta de posição da própria ministra Dilma Rousseff (que era contra o projeto quando comandava a pasta de Minas e Energia), que foi a porta-voz da intenção de retomada do projeto nuclear. A construção consta até do planejamento energético de 30 anos anunciado há duas semanas. Marina Silva faz discurso firme em relação à insegurança das usinas e ao custo ambiental, enfatizando que não há forma segura de descarte dos materiais e que se deve aproveitar os recursos naturais para a geração de energia (como a hidrelétrica).
O Globo, 04/12/2006, O País, p. 4
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