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Preservação deve 'casar' com desenvolvimento, diz governador do Amapá

Valor Econômico - https://valor.globo.com/
Autor: LUÍS, Clécio
16 de Out de 2024

Preservação deve 'casar' com desenvolvimento, diz governador do Amapá
Clécio Luís afirma que COP30, em Belém, não pode 'romantizar' questão ambiental sem encontrar alternativas econômicas e sociais

Raphael Di Cunto

16/10/2024

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá em novembro de 2025 em Belém, não pode cair no erro de "romantizar" a preservação ambiental sem encontrar alternativas que promovam o desenvolvimento econômico e social das regiões e populações que moram nas áreas protegidas, defende o governador do Amapá, Clécio Luís (Solidariedade), em entrevista exclusiva ao Valor.

"Temos os melhores indicadores ambientais do Brasil, mas temos os piores indicadores sociais e econômicos do Brasil. Quer coisa mais insustentável do que isso? Isso torna o discurso da sustentabilidade uma fraude", afirma o governador. "Para que não seja fraude, tem que desenvolver a região amazônica", cobra ele.

O governador afirma que conversou sobre isto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para levar a mensagem de que o evento não pode cair nos "extremismos" de proibir qualquer exploração da floresta para mantê-la um "santuário" ou romantizar a região, e esquecer da população que mora lá. "O que pode acontecer de melhor nesta COP é falar a verdade: temos o Estado mais preservado do país, talvez do mundo, mas [com a população] na pobreza", afirma.

Fizemos o dever de casa, a duras penas, mas a população está na pobreza"
O Amapá tem 95% de sua floresta nativa preservada, segundo o governador, mas precisa se desenvolver economicamente e de forma sustentável, com a instalação de indústrias para produção de fármacos e cosméticos, extração legal de madeira, fomento a energias renováveis e, também, com a polêmica exploração de petróleo na foz do rio Amazonas.

A licença para estudo sobre o potencial petrolífero nessa região é motivo de uma briga entre os políticos do Amapá com o Instituto Nacional de Meio Ambiente (Ibama) e com a ministra de Meio Ambiente, Marina Silva. "Estou indignado com o tempo que estamos perdendo. [...] E a Petrobras não sobrevive sem essa nova frente quando esgotar o potencial do pré-sal", diz. Confira os principais trechos da entrevista:

Valor: Qual discurso vocês pretendem levar para a COP no Brasil?

Clécio Luís: Conversei com o presidente Lula e disse: presidente, o que pode acontecer de melhor nesta COP é falar a verdade - temos o Estado mais preservado do país, talvez do mundo, mas na pobreza. Querem ajudar a amazônia amapaense ou amazônica? Vamos desenvolver este território econômica e socialmente.

Valor: Mas não é justamente essa a ideia do evento?

Luís: O que seria e será muito ruim se acontecer na COP? Dois extremos. O primeiro extremo é a gente romantizar. O mundo todo vir aqui comprar seu colarzinho de miçangas, bater fotos com lideranças indígenas e ficar uma visão romantizada da Floresta Amazônica, meio que um Fórum Social Mundial. [Faz gesto de tirar foto e postar] "COP da Amazônia, eu fui", como se fosse um "Rock in Rio, eu fui". Embora ache muito importante a participação dos movimentos sociais nesta COP, e esta será a COP com maior participação popular da história, não podemos produzir somente esse efeito romântico.

Valor: Como assim?

Luís: Quando falo por aí sobre isso, sugiro sempre um exercício. Feche os olhos e diga qual a imagem que vem a cabeça quando falo da Amazônia. A floresta, a copa das árvores, os rios sinuosos. Essa é a imagem. Mas, debaixo da copa das árvores, tem gente - comunidades tradicionais e invariavelmente pobres. Não é só pobreza material. É a pobreza extrema, que rouba o futuro. Não tem perspectiva para aquelas comunidades. Esse extremo não pode acontecer [na COP], seria péssimo que acontecesse.

Estamos fazendo nossa parte para integrar o Amapá à COP da Amazônia"
Valor: E qual o outro extremo?

Luís: Que aceitemos o discurso enlatado estrangeiro, tão nocivo quanto, de que precisamos preservar ainda mais, que não podemos explorar. É um discurso que vem de fora para dentro [do país]. A politica do desmatamento zero, por exemplo. Falta uma palavra aí. O que deve ser zero é o desmatamento ilegal. O agricultor, o indígena, precisa fazer a roça dele. Na Amazônia, você planta mandioca, colhe e aí deixa aquela terra para descansar. Quando volta, depois de dois ou três anos, virou uma floresta ali e tem que suprimir a vegetação de novo. Isto não pode ser considerado desmatamento.

Valor: Mas isso não dá margem para supressão maior da vegetação nativa para plantio ou gado?

Luís: O que precisa ser combatido é o desmatamento ilegal. O discurso de que não sabemos conservar, de que não sabemos proteger, de que não se poder fazer nada.... Ouvi um dia desses: "ah, o pulmão do mundo". Não é isso, está provado que não é isso. Entre o extremo de romantizar e o extremo de paralisar a Amazônia como "santuário", o caminho do meio é dizer: fizemos o dever de casa, a duras penas, mas a população está na pobreza e precisamos encontrar meios de desenvolvê-la. Não tem outra forma.

Valor: A exploração da fármacos e cosméticos não é uma solução?

Luís: Acredito que ainda vamos avançar muito nessas áreas, mas as indústrias precisam vir para cá. Não dá para a gente mandar só o óleo bruto para ser industrializado [no Sudeste]. Bota a fábrica aqui. Esse é o discurso correto, o caminho do meio. Vou falar de outra forma. Temos os melhores indicadores ambientais do Brasil, mas também temos os piores indicadores sociais e econômicos do Brasil. Quer coisa mais insustentável do que isso? Isso torna o discurso da sustentabilidade uma fraude.

Valor: Isso não fomenta um discurso pró-desmatamento?

Luís: Não. Para que não seja fraude, tem que desenvolver a região. Agora, como desenvolve? Falei para o presidente Lula: com todo respeito aos demais Estados, o Amapá é o único canto deste pais que o senhor vai poder falar qualquer coisa positiva relacionada ao meio ambiente e ninguém vai lhe apontar o dedo na cara. Não temos histórico de trabalho escravo nem análogo à escravidão, não temos histórico de conflitos agrários e conflitos indígenas. Temos as populações tradicionais vivendo sem conflitos severos. Só que na pobreza.

Valor: Quais os índices de preservação do Amapá?

Luís: É o Estado mais preservado do Brasil, com 95% a 97% de nossa cobertura vegetal intacta. E somos também um dos mais protegidos - o que se dá por diversos fatores e atos legais. Fomos o primeiro Estado a demarcar todas as nossas áreas indígenas, sem nenhum conflito. Temos várias reservas biológicas, o maior parque de floresta tropical do mundo e uma série de modelos protetivos que afetam 73,5% do território. Quando acrescenta com os núcleos urbanos, as áreas nascentes, as APPs [áreas de preservação permanente], você cria um Estado super protegido.

Valor: Isso dificulta o desenvolvimento econômico do Estado?

Luís: Fizemos um [projeto de lei de] zoneamento ecológico econômico, que está na Assembleia Legislativa. Seremos o segundo Estado do país a ter um pronto, com o Estado todo mapeado com o que é área indígena, o que é reserva biológica, o que pode e o que não pode em cada região, com clareza e segurança. Queremos desenvolver a Amazônia, mas não de qualquer jeito.

Valor: Quais as alternativas?

Luís: O que chamam de economia verde, econômica sustentável, economia azul, economia ética. O nome pouco importa. Há alguns caminhos. Por exemplo, fizemos o "Selo Amapá", o maior programa de bioeconomia do Brasil. Temos 1.200 produtos feitos no Estado catalogados. Tem a farinha de mandioca, farinha de tapioca, produtos alimentícios industrializados, mas também tem madeira certificada. O mundo vai deixar de usar madeira? Não. Mas ele pode usar madeira ilegal ou ter programa sério, como temos aqui, de certificação das madeireiras. Outra possibilidade são fontes de energia renováveis. Estamos concluindo estudo do nosso potencial eólico, solar e de biomassa. Estamos com robozinhos espalhados pelo Estado para medir o potencial de cada região em tempo real. Saiu agora o atlas solar e até o fim do ano [vamos publicar] o eólico, para mostrar para o mercado onde há potencial de energia renovável no Amapá.

Valor: A previsão de a COP ser realizada no Brasil já tem ajudado de alguma forma o Estado?

Luís: Estamos fazendo nossa parte para integrar o Amapá à COP da Amazônia. Ano passado fomos para [a COP28, em] Dubai. Este ano estamos nos preparados para ir para [a COP29, no] Azerbaijão. E estamos carimbar os eventos aqui como eventos "pré-COP". Atraíamos, por exemplo, a Startup20 [evento do G20 que busca fomentar o setor]. Não ia acontecer aqui, só em São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco, mas dissemos: trás para cá também que a gente faz dele um evento "pré-COP" e insere o tema [da sustentabilidade]. Não é só trazer a grife, é inserir o tema. Foi um sucesso extraordinário.

Valor: Outra forma, que tem causado polêmica, é a exploração do petróleo na foz do rio Amazonas.

Luís: Honestamente, acho que [a licença para estudos] sai até o fim do ano. De tudo o que vi no relatório, teve uma coisa só que o Ibama tinha razão, que era o hospital de fauna estar em Belém. E de fato tem que estar no Oiapoque (AP) ou em Calçoene (AP) ou no [município do] Amapá (AP) para ter resposta rápida caso ocorra um acidente. Mas estou indignado com o tempo que estamos perdendo. É a mesma placa da Guiana Francesa, que encontrou 11 bilhões de barris de petróleo [na Margem Equatorial]. Estão tirando milhares de barris por dia e essa área é uma esponja: se não tirar aqui, vão tirar lá. A Petrobras não sobrevive sem essa nova frente quando esgotar o potencial do pré-sal.

Valor: Políticos do Amapá estão fazendo muita pressão sobre o Ministério do Meio Ambiente para conceder essa licença, mas grande parte da estrutura ficará no Pará. Há expectativa de trazer parte da estrutura para a região também?

Luís: Ficará dividida entre Oiapoque (AP) e Belém, que hoje, invariavelmente, tem mais condições do que a gente. Lá no passado, quem ganhou esses lotes foi a Total. Foram os maiores lances de toda a história da ANP [Agência Nacional do Petróleo]. Por quê? Porque essa empresa estava estudando o norte da África e a Guiana, que estão na mesma placa. Mas não conseguiu a licença para operar no Brasil e passou para a BP, que também não conseguiu a licença e passou para a Petrobras. Essas duas empresas eram privadas e iam colocar 100% da estrutura no Pará. A gente tentou e tentou e não conseguiu [levar parte para o Amapá].

Valor: O que mudou?

Luís: Quando a Petrobras comprou, a gente disse: pera aí. Em uma empresa privada não temos condições de influir, mas com a Petrobras é diferente. Já conseguimos uma grande vitória e metade da estrutura será no Oiapoque. Reformamos o aeroporto e toda a logística do navio-sonda será no Amapá. No Pará ficarão as estruturas complementares, que também são muito fortes. Além dos royalties - que são coisa para daqui a oito anos -, vamos nos preparar para formar pessoas e atrair empresas.

Valor: Essa demora e o discurso ambiental do governo federal que fazem com que o Lula tenha menor popularidade na região?

Luís: Acho que isso não é associado ao presidente Lula. Realmente acho que não. É um negócio que fica meio nebuloso para todos nós. É muito bom falar em meio ambiente, é muito fácil, mas quando você traz para a realidade, tem que compatibilizar as coisas. É incompatível, é inaceitável, que tenhamos os melhores indicadores ambientais do Brasil e tenhamos os piores indicadores econômicos e sociais do Brasil. Queremos que esses indicadores ambientais puxem os indicadores econômicos e sociais. Com negócios. Não pode ser só retórica porque isso é insustentável.

Valor: O mercado de carbono, em discussão no Congresso, é outra alternativa para o Estado?

Luís: É uma alternativa, mas não pode ser a única. Até porque esse é um mercado muito injusto conosco. Se pegar uma área da nossa floresta intacta, antiga, e pegar a mesma área de uma empresa privada que planta eucalipto no Amapá, a Amcel, o eucalipto vale mais do que a floresta. Porque toda a contabilidade do crédito de carbono foi feita para restauro, e não para manutenção [o que já existia]. O estoque tem valor muito menor do que quem devastou, plantou e agora restaura. Isso é bom para o mundo todo, menos para a gente. Porque o mundo todo desvastou, menos a gente. Mas quem não devastou será penalizado duas vezes?

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