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Preço das commodities é teste para a Amazônia

OESP, Economia, p. B14
Autor: SILVA, Marina
28 de Out de 2007

'Preço das commodities é teste para a Amazônia'
Ministra diz também que discurso ambíguo sobre desenvolvimento e meio ambiente é da sociedade e está dentro do governo

Entrevista: Marina Silva: ministra do Meio Ambiente

Lisandra Paraguassú

Em seu segundo ano como ministra do Meio Ambiente, em 2004, Marina Silva enfrentou dados desastrosos: 27 mil quilômetros quadrados de área amazônica foram desmatados. Diante de um dado tão ruim para o governo, a ministra não teve dificuldade para convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a fazer um plano nacional de combate ao desmatamento. Mas, desde que assumiu, Marina tem tido embates constantes no governo contra visões pouco sustentáveis de desenvolvimento. "Essa ambigüidade não é do governo, é da sociedade." A seguir, os principais trechos da entrevista.

Dados já divulgados sobre o desmatamento da Amazônia apontam que, ao contrário dos últimos anos, pode haver crescimento neste ano. O ministério confirma?

Tem uma variação do dado no mês de julho, agosto e setembro - crescimento de 3% em julho, agosto mais de 50%, setembro 107% - que, somando tudo dá um aumento de 8% no ano. A sociedade inteira está acompanhando. A análise dos dados que levam a essa variação aconteceu também no ano passado. Esses são os meses mais complicados de todo o período. Mas já estamos operando em cima dessas informações. Essas variações do desmatamento vêm acontecendo todos os anos. A diferença agora é que, desde 2004, nós temos um sistema novo que permite o acompanhamento do desmatamento em tempo real e o sistema é aberto.

Mas, mesmo essas variações acontecendo todos os anos, neste ano é do mesmo nível? Não houve crescimento comparativo?

Não é o mesmo nível. Com certeza, é diferente. Como governo não posso fazer chutômetro. Existem outras variáveis que precisam ser analisadas, é um dado que precisa ser limpo. Mas não vou ficar aqui dizendo que tem que tirar isso ou aquilo, parecendo que estou querendo minimizar as coisas. É claro que tem diferença. Eu não quero chegar à conclusão de que a solução para o Brasil é imaginar que de fato não temos como ter governança ambiental sobre o problema do desmatamento. Aí a solução seria recair num processo de desqualificação da nossa produção agrícola de um modo total. Nós estamos apostando que é possível produzir com sustentabilidade ambiental, social e econômica. Nossa meta é desmatamento ilegal zero. Se não tivéssemos um processo de vigilância como esse, com certeza se estaria atuando no escuro. O governo não está.

O fato de o preço da soja e de outras commodities terem subido no mercado mundial tem influência na ampliação do desmatamento?

Nos últimos anos, quando começou a se registrar uma queda, também o preço dos grãos tinha caído e tornara-se menos interessante ampliar as plantações. Não posso concordar com aqueles que acham que esses resultados que conseguimos são mero fruto da queda das commodities, que não houve nenhuma influência do Plano Nacional de Combate ao Desmatamento. Eu não apostaria em ter ficado olhando o desmatamento ir de 18 mil km quadrados para 27 mil e dizer: não, as commodities vão cair e vai cair o desmatamento. Só dentro do Ibama, 120 pessoas foram presas.

Mas, mesmo com o plano, pelo fato de existir essa possibilidade de aumento do desmatamento, contrariando a tendência dos últimos anos, isso não pode estar acontecendo pela influência da demanda maior por commodities?

Com certeza. Não se tem uma movimentação em cima do nada. A governança ambiental vai ser testada exatamente agora. É um teste se de fato há possibilidade de governança em um momento em que há elevação de preços das commodities. Aí vamos poder testar, saber se ela tem apenas uma possibilidade relativa em períodos de queda dos preços ou se funciona de qualquer forma. Não é vantagem para a Amazônia, para os biocombustíveis para o agronegócio em geral passar a idéia de que estamos em uma situação de perda de controle. Isso não é verdade.

O governo não precisa, talvez, trabalhar mais com os Estados para tentar frear esse avanço do desmatamento, mas, ao mesmo tempo, encontrar alternativas viáveis economicamente?

Uma das maiores reclamações nessas regiões é justamente o fato de que, com a quantidade de reservas de vários tipos, é difícil o desenvolvimento da região. O Plano de combate ao desmatamento, lançado em 2005, era um plano federal, a ser feito pelo governo federal. Era uma ação emergencial para conter um desmatamento que vinha crescendo assustadoramente. Hoje precisa ser revisado para incluir os Estados. Não há como você tentar governar essas regiões (Norte), onde moram 20 milhões de pessoas, tentar conter o desmatamento com base apenas em repressão e fiscalização, com Ibama, a Polícia Federal, o Exército e a Polícia Rodoviária Federal. Essa parte de repressão nós fazemos, é a parte sobre a qual somos responsáveis. É preciso trabalhar para organizar essas áreas, definir como serão usadas essas terras. Afinal, temos 175 mil km2 de área aberta que estão abandonados ou semi-abandonados e podem ser usados para que não se tenha que avançar sobre florestas. Em menos de dois anos, nós, do ministério, conseguimos aprovar uma lei de gestão de florestas públicas - e estamos fazendo o primeiro leilão. Fizemos o que é de nossa competência.

O governo Lula não tem um discurso um tanto ambíguo em relação ao meio ambiente? A sra. já teve que enfrentar, no próprio governo, várias brigas para tentar impor essas idéias de desenvolvimento sustentável, como na questão das licenças ambientais e, mais recentemente, na questão da plantação de cana-de-açúcar na região amazônica, levantada pelo ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes.

Essa ambigüidade não é do governo, é da sociedade. Não podemos achar que ela não está representada dentro do governo. E que, quando o governo consegue fazer todas essas ações que mencionei, não é o governo. Isso não é a ministra que fez. É o governo com as suas ambigüidades. Até porque essa idéia de associar desenvolvimento com preservação ambiental é um desafio muito novo. Claro que as pessoas vão se sentir inseguras. O mesmo congresso que aprovou a lei de florestas públicas teve dificuldade agora de aprovar o instituto Chico Mendes para implementar as unidades de conservação. Eu fiquei muito feliz quando o ministro Stephanes anunciou que faria uma portaria proibindo cana-de-açúcar na Amazônia. É a melhor coisa que ele faz em benefício do biocombustível. Imagino que se, com todo o esforço que fizemos, não houvesse uma queda no desmatamento, teríamos que nos virar para explicar isso, mesmo que a produção de etanol não seja na Amazônia. Os interesses econômicos internacionais iriam fazer essa associação e não conseguiríamos evitar.

Qual é o Estado hoje em que há maior dificuldade de trabalhar?

O Estado de maior dificuldade é Rondônia. No início, era também Mato Grosso, mas depois da Operação Curupira (ação da Polícia Federal, em junho de 2005, que prendeu funcionários do Ibama e da Secretaria de Meio Ambiente do Estado envolvidos em desmatamento ilegal) se estabeleceu um processo de cooperação. O Pará vem fazendo, desde a gestão anterior, Amazonas também. Vamos trabalhar agora os planos estaduais de combate ao desmatamento. Não há como prosseguir apenas com um plano federal. Os governos estaduais vão ajudar na elaboração desses planos. Com esse pequeno fôlego, de uma redução de 65% nos últimos anos, já se pode sonhar que os Estados venham a assumir também a sua parte, porque é isso que fará a diferença.

Quem é: Marina Silva

É ministra do Meio Ambiente desde 2003 e foi a mais jovem parlamentar a ocupar uma vaga no Senado, em 1994, reeleita em 2002.
Alfabetizou-se aos 17 anos. Foi empregada doméstica e costureira. Aos 26, formou-se em História pela Universidade Federal do Acre.
Recebeu diversos prêmios no Brasil e no exterior.

OESP, 28/10/2007, Economia, p. B14

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