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Precisa-se de leis de acesso ao patrimônio genético

Terra da Gente, n. 17, p. 82
Autor: SANTILLI, Juliana
30 de Set de 2005

Precisa-se de leis de acesso ao patrimônio genético

Juliana Santilli

A imprensa noticiou fartamente o patenteamento, por uma empresa japonesa (a Asahi Foods), de processos de extração do óleo da semente do cupuaçu para a produção do chocolate (conhecido como cupulate). Com o patenteamento, se uma empresa brasileira quiser fabricar o cupulate, terá que pagar royalties à Asahi Foods. Mas e o cupuaçu, não é nosso??
A erva-baleeira é uma planta brasileira, que se tornou base de um antiinflamatório desenvolvido pela empresa farmacêutica Aché. Os caiçaras que vivem na Ilha do Cardoso (SP) há muito tempo conhecem e utilizam a erva-baleeira para fins medicinais. Seus conhecimentos tradicionais forneceram a "pista" para que a empresa desenvolvesse o fitomedicamento. Que benefícios receberão os caiçaras pela utilização de seus conhecimentos tradicionais??
As respostas a tais perguntas ainda não estão claramente definidas pelo sistema jurídico brasileiro. Os instrumentos legais de combate à biopirataria, principalmente quando esta envolve o patenteamento de nossos recursos, ainda são frágeis.
Os recursos genéticos de um país megadiverso como o Brasil têm alto potencial de uso, como
fontes de novos remédios, alimentos, fibras, pigmentos e como matéria-prima para produtos e processos agrícolas, químicos e industriais (pesticidas, óleos industriais, celulose, têxteis, etc.). É a informação de origem genética contida em plantas, animais, fungos, bactérias, etc. que constitui a base da nossa biodiversidade - a diversidade de espécies, de indivíduos da mesma espécie e de ecossistemas.
Enquanto a matéria-prima da biotecnologia - a biodiversidade - se concentra nos países do Sul, em desenvolvimento, o domínio da biotecnologia e as patentes sobre produtos ou processos biotecnológicos se concentra nos países do Norte, desenvolvidos. Para equilibrar as relações de poder entre os países detentores da biodiversidade e da biotecnologia é que foi aprovada a Convenção da Diversidade Biológica (CDBV), em vigor desde 1994.
A Convenção estabelece que os benefícios econômicos gerados pela utilização dos recursos naturais coletados nos países megadiversos devem ser compartilhados com estes. Outro aspecto importante é a proteção conferida aos conhecimentos tradicionais de povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais.
A Convenção foi regulamentada, no Brasil, pela Medida Provisória (MP) no 2.186-16/2001, que atropelou o processo legislativo em curso no Congresso, e estabelece - de forma precária, recheada de ambigüidades e omissões - as condições para o acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados.
O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, órgão colegiado vinculado à Secretaria de Biodiversidade, do Ministério do Meio Ambiente, que tem a atribuição de aplicar a Medida Provisória, criou em 2003 uma Câmara de Legislação, com a atribuição de elaborar um projeto de lei (PL). Dela participaram não apenas os representantes de órgãos governamentais, como também a sociedade civil, as organizações indígenas e de populações tradicionais, as instituições de pesquisa e os empresários. Travou-se um debate democrático e transparente, com participação de todos os atores sociais envolvidos. A proposta foi encaminhada à Casa Civil ainda em 2004, mas encontra-se "emperrada" por falta de consenso entre os Ministérios do Meio Ambiente, da Ciência e Tecnologia e da Agricultura. Enquanto isto, avançam a biopirataria, e a espoliação dos recursos da nossa rica biodiversidade e sociodiversidade.
Espera-se que a realização da 8o Conferência das Partes da Convenção da Biodiversidade no Brasil (em Curitiba, em março de 2006) seja uma oportunidade para chamar a atenção para a importância estratégica desta questão para o desenvolvimento de nosso país. E que possamos avançar na definição de um marco legal para o acesso ao nosso rico patrimônio genético.

Juliana Santilli é Promotora de justiça do Ministério Público do Distrito Federal, e sócia-fundadora do Instituto Socioambiental (ISA)

Terra da Gente, n. 17, Set 2005, p. 82

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