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Por trás do trabalho escravo, o lucro do 'gato'

OESP, Cidades, p. C1
01 de Fev de 2004

Por trás do trabalho escravo, o lucro do 'gato'
Tragédia de Unaí expõe crimes de aliciadores de mão-de-obra para a lavoura

EDSON LUIZ
Enviado especial

Na sexta-feira, Raimundo Nonato Gomes de Souza, de 26 anos, passou o dia na frente de um escritório tentando receber R$ 33,00 pelos três dias de trabalho na colheita de feijão na zona rural de Unaí, noroeste de Minas. A espera foi em vão. Ele teve de voltar para casa a pé, com Edmilson Silva Santos, de 29 anos, que estava na mesma situação. Os dois tinham sido contratados para as lavouras por um agenciador de mão-de-obra, um "gato".
O serviço é garantido, mas nem sempre é remunerado ou o trabalhador não tem as garantias determinadas por lei. Souza e Santos são dois exemplos de pessoas que se submetem a um trabalho que não chega a se igualar à escravidão, mas não deixa de ser degradante.
"Muitas vezes eles querem que a gente trabalhe de 6 da manhã às 6 da tarde.
Não tem nem como a gente descansar", reclamou Santos, que deixou o Maranhão há três anos e hoje cultiva o sonho de voltar para sua terra natal. "Mas não tenho dinheiro nem para comer ou pegar o ônibus até minha cidade", acrescentou o trabalhador, contratado em Lagoa Formosa, na região do Paranaíba, ainda em Minas.
A situação de seu colega não é diferente. Também maranhense, Souza foi tentar a vida no Distrito Federal, onde passou fome e nunca conseguiu um emprego com carteira de trabalho assinada. "Quem é pobre não vive em Brasília", disse. Em Minas, começou a trabalhar na lavoura, sempre contratado por gatos, que transformaram a produção de feijão em bom negócio, mesmo explorando conterrâneos. "O gato que nos agenciou é da nossa cidade, mas ele não tem pena de ninguém."
Apesar da atividade ser quase rotineira na região de Unaí, só depois do assassinato de três auditores e um motorista do Ministério do Trabalho, na quarta-feira, é que a ação dos gatos e a degradação do trabalho ali vieram à tona. Segundo o tenente da Polícia Militar Luiz Carlos, responsável pela Patrulha Rural da cidade, pelo menos 30 mil trabalhadores são contratados para a lavoura a cada safra.
Souza e Santos foram contratados por R$ 11,00 para colher uma determinada quantidade de feijão. O trabalho duraria de 25 a 30 dias, mas eles só ficaram três dias e, além de não receberem, tiveram a carteira de trabalho e o CPF retidos pelo gato, com o argumento de que os documentos seriam entregues ao escritório da empresa responsável pelo plantio.
Diariamente, dezenas de pessoas se aglomeram na frente de escritórios de empresas agrícolas de Unaí tentando receber o pagamento. Muitas vezes, saem mais frustrados que os maranhenses. "Fui contratado por um gato, mas ele não colocou meu nome na lista da empresa e fiquei sem pagamento", disse Luiz Soares Dias. "Acho que o gato recebeu por mim e ficou com o dinheiro."

OESP, 01/02/2004, Cidades, p. C1

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