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População é convidada a revalidar Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro como patrimônio cultural do Brasil

Instituto Socioambiental - https://www.socioambiental.org/
12 de Nov de 2021

Parecer do Iphan, órgão responsável pelo registro, defende a valorização da agricultura milenar dos indígenas do noroeste amazônico; confira como participar
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Por Juliana Radler*

Até 4 de dezembro deste ano, a população pode se pronunciar sobre a revalidação do Sistema Agrícola Tradicional (SAT) do Rio Negro como patrimônio cultural brasileiro por meio de formulário digital, email ou via correspondência. Confira os detalhes ao final do texto.

É possível consultar a íntegra do parecer de reavaliação elaborado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em parceria com organizações diretamente envolvidas, como a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), o Instituto Socioambiental (ISA), detentores e pesquisadores do PACTA (Populações Tradicionais, Agrobiodiversidade e Conhecimentos Tradicionais na Amazonia), com contribuição das equipes técnicas do Iphan-AM, do Conselho da Roça e do Comitê Gestor de Salvaguarda.

"Celebro a revalidação do Sistema Agrícola do Rio Negro como patrimônio cultural do Brasil pelo seu caráter inovador e pelo seu potencial de movimentar uma economia que cuida de pessoas e da conservação ambiental", pontua Carla Dias, antropóloga do Programa Rio Negro, do ISA.

Segundo ela, reafirmar o conjunto de práticas e saberes é valioso para o país, "pois trata-se de um passo para o reconhecimento de um serviço socioambiental prestado pelos 22 povos indígenas rionegrinos que fazem o manejo da biodiversidade e de parte de nossa garantia por alimentos no futuro".

"Faz todo sentido, e é premente, salvaguardar os sistemas agrícolas neste momento de pandemia e de emergência climática", conclui a pesquisadora.
Cultura e diversidade

O SAT do Rio Negro é entendido como um conjunto estruturado, formado por elementos interdependentes: as plantas cultivadas, os espaços, as relações sociais, a cultura material, os sistemas alimentares, os saberes, as normas e os direitos. A inscrição no Livro de Registro dos Saberes foi realizada em 2010. No site do Iphan é possível acessar a documentação relacionada ao processo de salvaguarda do SAT Rio Negro.

A diversidade genética das espécies é uma forte característica do sistema, cuja riqueza está no amplo conhecimento indígena do processo de domesticação das plantas. No SAT Rio Negro, por exemplo, registra-se o manejo de cerca de 100 espécies de mandioca e 300 espécies de outros tipos de plantas, configurando-se um conhecimento importante na constituição e na conservação de um amplo patrimônio biológico e cultural na Amazônia brasileira.

O parecer de 2021, realizado dez anos após o reconhecimento pelo Iphan, apresenta informações atualizadas sobre o bem cultural, indicando a permanência de seus principais atributos e a incorporação de novos elementos. Informa também sobre recentes mudanças, como na dinâmica dos bens imateriais, com a substituição de alguns objetos artesanais por artefatos industrializados utilizados para o plantio, processamento e transporte da mandioca.
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Consta no parecer, ainda, a necessidade contínua de produção de documentação sobre o SAT do Rio Negro, com o intuito de aperfeiçoar o conhecimento das semelhanças e diferenças da produção alimentar nas 22 etnias indígenas detentoras deste bem cultural. A possibilidade de se incorporar outros grupos indígenas que desenvolvam modelos agrícolas sobre os mesmos princípios práticos e conceituais também é apontada no documento.
Revalidação a cada 10 anos

A revalidação de um bem cultural registrado pelo Iphan ocorre a cada dez anos, de acordo com o Decreto no 3.551/2000, que institui esse instrumento de proteção. Ao final dos 30 dias, as eventuais manifestações sobre o parecer de revalidação serão integradas ao processo, a fim de subsidiar a avaliação dos pareceres pela Câmara Setorial de Patrimônio Imaterial.

Posteriormente, o processo será encaminhado ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, que decidirá sobre a Revalidação do Título de Patrimônio Cultural do Brasil.

A patrimonialização do SAT foi solicitada pela Acimrn (Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro), filiada à Foirn, junto com pesquisadores do grupo PACTA, numa colaboração Brasil-França, que contou com a parceria do ISA. Entre as pesquisadoras envolvidas estavam: Laure Emperaire, Manuela Carneiro da Cunha, Lucia van Velthen, Esther Katz, Patricia Bustamante e Carla Dias.
"Todas as plantas foram feitas para circular entre a humanidade"

Os povos indígenas que habitam a região noroeste do Amazonas - ao longo da calha do Rio Negro e das bacias hidrográficas tributárias - detêm o conhecimento sobre o manejo florestal e os locais apropriados para cultivar, coletar, pescar e caçar, formando um conjunto de saberes e modos de fazer enraizados no cotidiano.

O SAT acontece em um contexto multiétnico e multi linguístico, no qual os grupos indígenas compartilham formas de transmissão e circulação de saberes, práticas, serviços ambientais e produtos. É possível identificá-lo, uma vez que ele é elaborado, constantemente, pelas pessoas que o vivenciam.

A circulação de conhecimento relacionado ao SAT pode ser exemplificada no depoimento dado pelas indígenas do povo Baré, Sandra Gomes e Elizângela da Silva, aos técnicos do Iphan durante o processo do parecer de revalidação:

"E um unico sistema, porque o conhecimento é compartilhado, ele circula... as plantas e as pessoas circulam. Minha ma~e me ensinou a fazer farinha de um jeito... eu aprendi com ela a maneira de raspar, de tirar goma, de cozinhar o tucupi. Quando eu casei, eu já aprendi também o jeito da minha sogra e ela também aprendeu com meu jeito. Por isso circula, por isso o sistema existe...porque a gente compartilha. No casamento, na familia, com as vizinhas que a gente gosta. E um mesmo sistema, é o SAT-RN. E um sistema que nunca a gente vai deixar, porque é de todas as mulheres do Rio Negro. E, nesse SAT-RN, as pessoas fazem também do seu jeito especifico.... As mulheres Baniwa, por exemplo, sa~o boas para fazer beiju grande. Todas nos fazemos beiju, mas as Baniwa sa~o boas para fazer beiju grande. Os Baniwa, por exemplo, na~o tem muito costume de comer curadá, mas quando um Baniwa, por exemplo, se casa com uma mulher Baré, ela faz curadá e os filhos deles já crescem comendo curadá. Ou seja, mesmo que na~o fosse especifico dos Baniwa aquele alimento, através do casamento ele passa a comer... e assim vai. O SAT-RN é um sistema que tem troca, em que as pessoas va~o incorporando conhecimento, práticas, alimentos."

https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/populacao…

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