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Política indigenista

CB, Opinião, p. 16
01 de Mar de 2005

Política indigenista

Por mais que o discurso oficial insista em contraditar, os fatos mostram que a política indigenista não passa de referência inócua nos programas governamentais. Só ante episódios consumados ocorrem reações para minimizar os efeitos. São medidas pontuais adotadas ao sabor das circunstâncias, que chegam tarde para suprir a inexistência de ações preventivas. A omissão leva as autoridades a reagirem, quando deveriam agir. Assim se explica o surto de desnutrição que, desde o início de janeiro, matou seis crianças menores de cinco anos nas aldeias indígenas da reserva de Dourados (MS).
O caso mais recente é de um menino de 2 anos e quatro meses que sucumbiu à fome sábado, depois de alimentar-se nos últimos dois meses apenas de macarrão cozido sem tempero. No mesmo dia, três das 190 crianças examinadas pela força-tarefa enviada pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) foram internadas em virtude do estado crítico de desnutrição. Se ali houvesse ação assistencial permanente, direito de todos os brasileiros e obrigação do Estado, o Brasil não passaria ao mundo a imagem infamante de um país onde crianças indígenas morrem de inanição.
A tragédia na comunidade guarani-kaiowá veio às manchetes no dia 26 de janeiro, quando se noticiou a primeira vítima. Mas só ontem deveriam desembarcar em Dourados 1.200 cestas básicas prometidas pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). E muito pouco. A fome se converteu em verdadeiro flagelo porque só 2.900 cestas mensais são distribuídas pelo MDS aos 50 mil índios da reserva. 0 capitão da aldeia Bororo, o guarani Luciano Arévolo, revela que a crise de alimentos se deve à escassez de terra para cultivo de lavouras.
Não é somente a oferta insuficiente de gêneros alimentícios que infelicita os guaranis-kaiowás. Expostos a uma convivência promíscua com brancos, condenam-se à degradação - alcoolismo, violência, doenças, gravidez precoce. Os adultos são mais resistentes à mesa escassa. Mas os menores na linha da infância ficam mais vulneráveis. Dados de 2004 indicavam a existência de 232 desnutridos e 357 abaixo do peso normal -12% do contingente com idade inferior a 5 anos.
Em 124 das 620 áreas indígenas, o clima de tensão ameaça converter-se em conflitos violentos. Um exemplo emblemático é a disputa pela terra na reserva Raposa/Serra do Sol, em Roraima. De um lado, fazendeiros, agricultores e posseiros. De outro, os índios. Em abril do ano passado, situação semelhante teve desfecho trágico: os cintas-largas da reserva Roosevelt (RO) trucidaram 29 garimpeiros que lavravam diamantes na área. Agora, crianças famintas caem mortas em Dourados. Como se vê, a questão indígena exige a formulação imediata de uma política compreensiva, orgânica e articulada, liberta de retóricas ociosas.

CB, 01/03/2005, Opinião, p. 16

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