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Política do governo Dilma na área indígena 'deixou muito a desejar', diz ex-presidente da Funai

O Globo (Rio de Janeiro - RJ) - www.oglobo.globo.com
Autor: Demétrio Weber
30 de Jan de 2015

BRASÍLIA - A advogada e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) Maria Augusta Assirati diz que o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff "deixou muito a desejar" na área indígena. Maria Augusta ou Guta, como é chamada, esteve à frente da Funai por 15 meses, sempre em caráter interino. Em setembro do ano passado, ela pediu demissão e foi para Portugal fazer um curso de doutorado. Neste entrevista por e-mail, a ex-presidente interina critica a nomeação da senadora Kátia Abreu para comandar o Ministério da Agricultura, um dos órgãos federais que passaram a opinar sobre novas demarcações de terras indígenas. Segundo Maria Augusta, a demora nos processos de demarcação foi uma diretriz de governo: "A não realização de demarcações sem qualquer impedimento técnico, jurídico ou administrativo não se deu por falta de vontade política, desídia, ou incapacidade da Funai, no período em que eu a presidi." Veja os principais trechos da entrevista:

Por que a sra. pediu demissão da presidência da Funai, no ano passado?

Porque achei que já havia dado minha contribuição ao projeto que me levou para o governo, entre 2007 e 2014. Estávamos num ponto do cenário político institucional que não permitia mais que eu avançasse para fazer aquilo que acredito ser importante.

Como a senhora avalia a atuação do governo Dilma Rousseff na área indígena?

Infelizmente a atuação do governo Dilma na área indígena deixou muito a desejar. A pauta não teve a importância devida para o centro de governo. Muitas ações podiam ter sido realizadas, mas não andaram, porque não houve apoio, investimento nem disposição para fazer. E, quando o tema vinha para o centro das discussões, era visto como um problema.

O que precisa mudar na política indigenista do governo?

O governo precisa, antes de mais nada, querer desenvolver uma política pública indigenista que defenda os povos indígenas. A primeira coisa é diálogo. Tratar a demarcação de terras à luz da legislação que já temos.

Quais são as maiores ameaças aos índios hoje?

As demandas e pressões do capitalismo global são muito violentas. O governo, da forma como tem sido composto, a partir da coalizão que está colocada, vai ficando mais receptivo a essas visões e a esses interesses econômicos de determinados grupos. E vai deixando para segundo plano questões importantes a que nos propusemos no início do governo Lula. No Congresso, também temos tido composições cada vez mais conservadoras. A tradição do Judiciário acaba sempre buscando uma atuação neutra, que, na verdade, acaba sendo desfavorável ao campo popular. Mais concretamente, as ameaças referem-se à terra: todas as tentativas de mudar a legislação sobre demarcações, a realização de empreendimentos em terras indígenas e a pressão econômica no entorno das terras indígenas.

O que a Funai deixou de fazer por falta de apoio do governo?

Poderíamos ter avançado nas demarcações das terras indígenas. Ao menos em áreas onde não havia conflito nem ocupantes ou em que as ocupações eram poucas, ou passiveis de solução. Cabia um investimento na conclusão de processos de terras importantes, como as que são condicionantes do licenciamento da Usina de Belo Monte, na região do Xingu, no Pará. E, além disso, ter investido no Conselho de Política Indigenista, tratado a proposta da Funai para enfrentamento à violência contra os indígenas, implementado o fomento para a construção de casas tradicionais. Ter discutido com os indígenas e com a Funai o projeto de conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético. E, ainda, fundamental, aprovar o concurso público para a Funai e o orçamento para as ações de proteção de (índios) isolados.

Houve ordem do Ministério da Justiça e do Palácio do Planalto para suspender ou retardar demarcações de terras indígenas? Caso tenha havido, de quem partiu essa ordem?

Isso foi uma diretriz de governo. Todos os processos de demarcação passaram a ter que ser discutidos em mesas criadas pelo Ministério da Justiça. Essa orientação chegou pelo ministro da Justiça (José Eduardo Cardozo). É uma coisa nova, porque, a despeito de sermos órgãos da administração pública, nunca houve nenhum ato formal que determinasse essa "regra" ou orientação.

Que avaliação a senhora faz dessa nova regra?

A Funai já tem essa prerrogativa e já a utiliza. Outros órgãos são consultados frequentemente, quando necessário. Mas, pessoalmente, não vejo como a criação da obrigatoriedade de consultar outros órgãos, como o Ministério da Agricultura, a Embrapa ou o Ministério do Planejamento, pode contribuir para um estudo de identificação de terra indígena. Que elementos técnicos imprescindíveis esses órgãos podem produzir acerca da identificação de um território tradicional ou de sua delimitação? Sua participação, em meu entender, seria de ordem política.

A senhora foi presidente interina da Funai por 15 meses. Por que motivo? Isso dificultou sua atuação?

Não sei o motivo, nunca me disseram. Acho que o fato de eu não ter sido efetivada reflete a falta de força política da Funai no momento. Foi um desprestígio.

A senadora e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Kátia Abreu (PMDB-TO), foi nomeada ministra da Agricultura. Isso é bom para os índios no Brasil?

Não. Acho que os interesses dela e do campo em que ela se insere e representa são diametralmente opostos ao rumo do campo da proteção dos indígenas e da promoção de seus direitos.

O que a senhora pensa sobre a PEC 215, que transfere para o Congresso o poder de decidir sobre demarcações de terras indígenas?

Penso que é descabida. Sob o aspecto político, porque representaria um enorme retrocesso, reduzindo direitos que indígenas têm sobre suas terras, criando um procedimento mais longo, difícil e moroso para as demarcações. E, do ponto de vista jurídico, porque é inconstitucional.

A senhora responde a algum inquérito ou ação judicial por conta da não demarcação de terras indígenas, enquanto presidente interina da Funai? O que a senhora tem a dizer em sua defesa?

Pessoalmente não fui citada em nenhuma ação judicial, apenas como presidente da instituição. Afirmarei sempre, em juízo ou fora, que nunca houve de minha parte, durante todo o tempo em que atuei na Funai, qualquer intenção de retardar, dificultar, ou não realizar qualquer demarcação de terra indígena. Atuei sempre, ao contrário, buscando efetivá-las. Portanto, a não realização de demarcações sem qualquer impedimento técnico, jurídico ou administrativo não se deu por falta de vontade política, desídia, ou incapacidade da Funai, no período em que eu a presidi. Mas sei também que posso vir a responder pessoalmente. A publicação de relatórios aptos para tanto era um dever meu, enquanto gestora e servidora pública que respondia pela instituição. Não fazer é descumprir um dever legal. Espero que o Ministério Público tenha sensibilidade de compreender o contexto político e me poupe dessa repreensão.

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