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A política do arroz e o arroz da política.

Folha de Boa Vista - http://www.folhabv.com.br/fbv/noticia.php?id=70535
Autor: Jaime Brasil Filho *
19 de Set de 2009

Uma coisa é a ação dos agentes do agronegócio que querem o incremento das políticas públicas para aumentar os seus lucros privados, outra é se utilizar do discurso "desenvolvimentista" do agronegócio para fazer disso um palanque político pessoal ou de grupos.

A visita do Presidente Lula serviu para expor as contradições que envolvem as elites de Roraima. Na última segunda-feira os políticos e empresários acostumados a fazer um discurso semelhante em relação aos caminhos que nosso Estado deve percorrer, entraram em contradição, e, em alguns casos, em antagonismo.

Uns partiram de um discurso subjetivista para chamar a vinda de Lula de "deboche", outros o chamaram de entreguista, outros, mais hábeis, tentavam convencê-lo da justeza de suas reivindicações e receberam afagos por parte do Presidente.

Todos os interesses, todos os preconceitos e insanidades plantadas por alguns nos lavrados e florestas de Roraima, vieram novamente à luz naquela segunda.

Chamar Lula de entreguista por ter reconhecido os direitos de índios brasileiros ao uso da terra brasileira é uma irracionalidade. Entreguistas, Senhores, são aqueles que se calaram e se calam diante das putrefatas acácias que hoje são um passivo (prejuízo) ambiental no lavrado, que foram plantadas e são de responsabilidade de grupos de capital estrangeiro. Entreguismo é praticamente doar a então Vale do Rio Doce, hoje Vale, com todas as reservas minerais que possuía na Amazônia, em uma "privatização" de mentirinha, tudo para beneficiar um grupinho. Entregar a Amazônia é querer dar para meia dúzia de pessoas enormes áreas de terra, além de incentivos fiscais e financiamentos públicos para que eles se apropriem do patrimônio natural que pertence a todos, e com ele se enriqueçam ainda mais. É calar-se diante da retirada de madeira nobre no sul do Estado por gente que teve envolvimento direto com aqueles mesmos que plantaram as acácias. Não vi nenhum desses "defensores" da Amazônia bradar contra isso.

Há, nisso tudo, uma inversão de valores. É o mesmo discurso de sempre que coloca no pequeno, no pobre, a culpa pelo nosso subdesenvolvimento, pelas injustiças sociais advindas de um modelo econômico que, quando gera riquezas, é sempre em benefício das mesmas pessoas e dos mesmos grupos. Assim foi com o Presidente Alan Garcia, do Peru, que loteou a Amazônia peruana para a exploração de empresas madeireiras americanas. Os índios de lá se rebelaram contra esse verdadeiro entreguismo e foram massacrados pelas forças de repressão. Para completar, ainda levaram a culpa de estarem a serviço de ONG´s que querem internacionalizar a floresta peruana. É igualzinho em Roraima: os índios que sempre defenderam a floresta, os lavrados e as fronteiras são acusados que quererem entregar a Amazônia aos gringos, enquanto isso, os verdadeiros "entreguistas" que só pensam em dinheiro e poder, posam de "nacionalistas". É de rir, não fosse isso uma tragédia, pois disseminam no seio da população preconceito e ódio contra nossos irmãos, brasileiros como eu e você: os índios.

Há, agora, uma "organização" que se chama "Brasil - Quem Ama Defende". Lembra muito o slogan do regime militar que era "Brasil - Ame-o ou deixe-o". Mas vale lembrar: defender não é atacar. Amar não é querer impor as idéias por meios violentos. Em um Estado democrático a violência é a última forma de ação que se deve lançar mão, não uma das primeiras.

Chamam atenção alguns agentes do agronegócio que dizem que lutam por terras na Amazônia para que os estrangeiros não as tomem, que a produção de arroz e soja seria uma forma de garantir a soberania nacional. Se é verdade que eles defendem tanto a Amazônia, porque vivem anunciando que irão produzir em outros países se aqui não der certo? O amor é pela Amazônia ou pelas oportunidades de negócios lucrativos?

O fato é que qualquer governante que resolva tirar poder de quem tem, por menor que seja, e dar para quem não tem, é logo acossado, xingado, chamado de todos os nomes depreciativos. Há alguns dias, até mesmo Obama foi chamado de, pasmem, nazista, pelos empresários dos planos de saúde nos Estados Unidos, só porque ele queria democratizar e aumentar o alcance da assistência de saúde aos mais pobres, o que tiraria parte dos lucros dos donos da saúde privada naquele país. Hugo Chávez nem se fala, sem entrar no mérito político da questão, o que Chávez tem feito na Venezuela é tirar o poder político e econômico de quem tinha e transferir para quem não o tinha, por isso é chamado de ditador, disso e daquilo. Terra é poder, e Lula em Roraima reconheceu o direito legítimo dos índios, por isso é aqui tratado, por alguns, como inimigo.

Sem entrar na questão ética, tenho, pessoalmente, uma posição contrária ao Governo Lula, mas por motivos opostos aos dos grandes fazendeiros e agentes do agronegócio. Critico e me oponho ao seu Governo porque Lula perdeu a chance histórica de transformar as estruturas econômicas e sociais do Brasil. Infelizmente, Lula manteve os dois "Brasis" de sempre: aquele que ganha bilhões na especulação financeira e o outro que recebe as migalhas do bolsa família. Em minha opinião, Lula deveria ter estimulado a organização popular, para que o próprio povo pudesse ser agente das reais e profundas transformações de que tanto precisamos.

Nem por isso, pessoas como eu, que tem uma linha de pensamento mais transformadora, saem às ruas para ofender governantes nas circunstâncias em que isso se deu por aqui. A história já demonstrou que tentar artificializar uma situação de "radicalização" não atrai o povo para as idéias propostas, o afasta. Por outro lado, tampouco deixamos de explorar as contradições que todo governo possui, de lutar para que possamos resistir, ou mesmo avançar em questões que estejam ao nosso alcance.

É assim na democracia, é assim que é pra ser: olho no olho, debates sinceros, divergências de idéias, tolerância e respeito em relação aos adversários. Não o uso de falácias e proselitismo, ou mesmo de violência, para vender um arroz que nunca será plantado, que só existe no plano abstrato dos interesses políticos de alguns.

* Defensor Público

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