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Politica contamina pesquisas na Embrapa

O Globo, O Pais, p.10
14 de Mar de 2004

POLÍTICA CONTAMINA PESQUISAS NA EMBRAPA
Pesquisadores queixam-se de interferências em nomeações, mudanças de orientação nos estudos e poder do sindicatoBRASÍLIA. A política chegou aos laboratórios da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária ( Embrapa). Desde o início do governo Lula, as queixas de pesquisadores e técnicos sobre interferências em nomeações, mudanças de orientação na pesquisa e o poder excessivo do sindicato estão se avolumando nas 40 unidades de pesquisa e já começam a prejudicar o maior patrimônio da empresa: sua produção. Em 2002, a Embrapa registrou 39 patentes, frutos de suas pesquisas. No ano passado, apenas 13.Os resultados abaixo da média preocupam pesquisadores e irritam quem tem que lidar com o dia-a-dia da empresa. Um dos pesquisadores ouvidos pelo GLOBO, ligado ao PT, chegou a dizer que, se estivesse no governo, teria que reavaliar a decisão de manter a empresa em funcionamento.— Uma empresa de R$ 800 milhões por ano com essa produção que estamos tendo certamente é deficitária — diz, sem querer ser identificado. Discurso de posse desagrada Os problemas começaram nos primeiros dias da nova diretoria. Em seu discurso de posse, o diretor-presidente da Embrapa, Clayton Campanhola, desagradou a seus subordinados ao dizer que a prioridade seria a agricultura familiar. Como a Embrapa já trabalha com agricultura familiar, muitos pesquisadores sentiram-se ofendidos pela idéia de que não faziam o necessário pelo país. A segunda foi a insinuação de que, a partir daí, algumas pesquisas mereceriam mais atenção que outras.Chefes de unidade que ainda estão na empresa ou saíram há pouco reclamam que é exatamente isso que está acontecendo. Há projetos parados e mudanças de foco em pesquisas já iniciadas, enquanto Campanhola nomeou um assessor apenas para cuidar do programa Fome Zero.— As linhas hoje obedecem muito mais ao que pensam os ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário que o da Agricultura — reclama um servidor da empresa. Essa postura, inclusive, estaria desagradando profundamente ao Ministério da Agricultura.Logo após tomar posse, Campanhola começou a mexer nas chefias das 40 unidades de pesquisa da Embrapa. Comprou briga com boa parte dos chefes. Diferentemente da maior parte das empresas públicas, a Embrapa tem um sistema de seleção onde pessoas tanto da empresa quanto de fora podem se candidatar a postos de chefia. Os escolhidos — numa seleção na qual são considerados o currículo, um plano de trabalho e uma entrevista com uma banca de pessoas de fora da empresa — são eleitos por dois anos e reconduzidos por mais dois. Ao terminar seus mandatos, podiam candidatar-se novamente.Uma das primeiras providências da direção foi proibir a recandidatura dos ex-chefes. Assim, todos os escolhidos pelo governo anterior teriam que ser trocados. A outra foi mudar o edital. Passou a constar a exigência de experiência gerencial, com um detalhe: a participação em sindicatos, associações ou cooperativas.A terceira providência da direção foi começar a trocar chefes que ainda teriam muito tempo no cargo. Um dos primeiros a sair foi o da Embrapa Cerrados, Carlos Magno da Rocha. Detestado pelo sindicato por ter ligações com o governo anterior, o pesquisador foi exonerado por Campanhola por telefone depois de ter-se recusado a pedir demissão.— Eu me tornei um personagem extremamente indesejável. Sabe o que é um diretor de unidade ligar e ninguém te atender? — diz Rocha.Seu mandato terminaria apenas em agosto deste ano. Em maio de 2003, Gustavo Chianca, um dos diretores-executivos da empresa, o chamou para marcar a data de sua saída”.— Eu disse que sairia no fim de meu mandato. Eles se ofereceram para me pagar um curso de gestão no Brasil ou no exterior para que eu saísse sem alarde. Eu tive que rir. Sou um homem de princípios, não vou me vender por uma coisa dessas — diz Rocha.Luiz Antonio Barreto Castro, ex-chefe do Centro de Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargem) da empresa, foi alvo de uma campanha chamada Fora Barreto”, encampada pelo sindicato dos trabalhadores e pelo Partido Verde. Defensor dos transgênicos, foi chamado ao gabinete da presidência para negociar uma saída honrosa” do Cenargem ainda em fevereiro de 2003. Saiu da empresa em 10 de janeiro, quando seu mandato acabou, depois de passar um ano desautorizado pela direção a falar sobre transgênicos.O diretor do Centro de Monitoramento por Satélite, Ademar Romeiro, chegou a ser exonerado. No entanto, com ligações em esferas mais altas da política, foi reconduzido uma semana depois. Outro chefe, este da Embrapa Sudeste, saiu mas mandou um email para todos os funcionários deixando claro que estava saindo a pedido da direção da empresa”. Procurados pelo GLOBO, os envolvidos não quiseram comentar o caso.Indicações do sindicato A interferência do Sinpaf, o sindicato dos servidores da Embrapa, é outro ponto de conflito hoje dentro da empresa. Apesar de os chefes de unidade serem escolhidos por concurso, abaixo deles todos os cargos são por indicação. Hoje, por indicação do sindicato. Há relatos de chefes de unidade que tiveram o motorista indicado pelo sindicato. Outro tenta nomear um dos seus subordinados há alguns meses, mas, por interferência do Sinpaf, o nome não foi aprovado.— A atual direção é refém do sindicato. É um pessoal sem experiência. Motorista de fusquinha querendo dirigir Ferrari — diz Carlos Magno Rocha.Enquanto Campanhola foi indicado pelo ex-ministro de Segurança Alimentar José Graziano, Hebert Cavalcanti, um dos diretores-executivos, foi por quatro anos presidente do Sinpaf e depois esteve quatro anos no exterior fazendo doutorado. Voltou em outubro de 2003. O diretor Gustavo Chianca foi indicado pela ex-ministra de Assistência Social Benedita da Silva.
Empresa: não há projetos parados
• BRASÍLIA. O superintendente de Desenvolvimento e Pesquisa da Embrapa, José Geraldo Eugênio, nega que a empresa esteja dando prioridade à agricultura familiar em detrimento da agricultura industrial, uma das maiores queixas dos pesquisadores.
- A Embrapa sempre se preocupou com a agricultura familiar e continuará assim. Acredito que era uma questão de marketing. 0 que aparecia mais era a agricultura industrial. É isso que vamos mudar - disse ele.
0 superintendente diz que não há nem vai haver projetos parados, mas que a ação social é prioridade de governo:
- Temos hoje cinco milhões de agricultores e os que realmente geram riqueza não chegam a 500 mil. Temos que tratá-los com muito carinho. Mas não podemos esquecer dos outros 4,5 milhões.
Segundo Eugênio, nada será mudado nas pesquisas que estavam em andamento, nem mesmo com a saída dos chefes. Ele afirma que as mudanças são naturais e diz que o critério de participação em sindicatos, incluído pela nova diretoria na seleção, tem pouca relevância no conjunto, apesar de afirmar que não se pode desconsiderar esse tipo de experiência:
-O sindicato é um parceiro nosso. É mais que justo que nossos resultados sejam compartilhados com nossos servidores, mas há um limite na parceria. Não pode haver e não há interferência.
0 presidente da Embrapa, Clayton Campanhola, também foi procurado pelo GLOBO, mas sua assessoria informou que ele está no exterior. (L.P.)

O Globo, 14/03/2004, p. 10

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