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Policia identifica matadores da freira e anuncia que captura esta proxima

OESP, Nacional, p.A4
19 de Fev de 2005

Polícia identifica matadores da freira e anuncia que captura está próxima
Os dois pistoleiros suspeitos da morte de irmã Dorothy, "Eduardo" e "Fogoió", estão cercados, segundo o delegado

ANAPU - Os pistoleiros Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, e Uilquelano de Souza Pinto, conhecido como Eduardo, são os principais suspeitos do assassinato da freira Dorothy Stang e estão cercados na floresta, a pé e sem condições de sustentar a fuga por muito tempo. Essas informações foram prestadas ontem pelo delegado Mário Sérgio Nery, da Polícia Federal, para quem a captura dos dois "está muito próxima". Fogoió, goiano, 30 anos, tem várias passagens pela polícia.
Apesar do otimismo, as buscas seguem dificultadas pelo insistente mau tempo na região, pelas péssimas condições das estradas, verdadeiros atoleiros, e pelas longas distâncias. A polícia ainda não tem informações concretas sobre o paradeiro do suposto mandante do crime, o fazendeiro Vitalmiro de Moura Bastos, o Bida, e seu capataz, Amair dos Santos, o Tato, mas trabalha com a suspeita de que os dois fugiram de avião, a partir de uma pista de pouso clandestina de fazendeiros que seriam seus cúmplices.

Os exames de balística realizados em Belém constataram que os disparos partiram de duas armas: um revólver calibre 38 e uma pistola 7,65. Isso comprovaria, segundo a polícia, que o segundo pistoleiro, Eduardo, também participou da execução. O promotor de Justiça Sávio Araújo, que acompanha as investigações em Anapu, disse que a testemunha do crime reconheceu imediatamente Fogoió quando viu a foto apresentada pela polícia.

Além de graves conflitos pela posse da terra, a região de Anapu, na chamada Terra do Meio, é cenário de operação de várias quadrilhas organizadas, disse ontem o general Jairo César Nass, comandante da Operação Pacajá, destinada a combater a violência naquela área. As quadrilhas da região, segundo ele, estariam envolvidas com corte ilegal de madeira, garimpo indiscriminado, queimadas e outras agressões ao meio ambiente. Nass disse que o Exército dará todo suporte necessário à polícia.

O Exército já tem 700 homens em ação na Terra do Meio e nos próximos dias o contingente será ampliado para aproximadamente 3.000 homens, nos oito municípios onde agem os criminosos. Além de ajudar na prisão dos suspeitos, o Exército fará um desarmamento na região e combaterá o desmatamento ilegal.

Segundo o general Nass, o assassinado da freira Dorothy talvez seja a ponta do iceberg desse conflito e da impunidade na região. "Essas quadrilhas são formadas por elementos de fora da região, que agem segundo interesses dos madeireiros e pelos garimpos ilegais. Eles criaram entidades de representação e grupos armados que não têm escrúpulos para alcançar seus fins", afirmou.

HOMENAGEM

Cerca de 300 famílias sem-terra ligadas ao MST e a sindicatos rurais da rodovia Belém-Brasília, Pará, ocupam desde ontem a Fazenda Reunidas, a 35 km do município de Mãe do Rio. Com foices e enxadas os lavradores batizaram a fazenda com o nome de "Irma Dorothy", em homenagem à missionária. Após a invasão, eles rezaram e beijaram o solo, 'Meu filho, eu sou uma velha indefesa...'

V. M.

ANAPU - Mantida sob proteção rigorosa, em local sigiloso, a testemunha da execução da missionária Dorothy Stang fez para os policiais uma narração dramática das últimas palavras trocadas pela religiosa com seus algozes.
No momento da emboscada, pouco depois das 8 horas da manhã de sábado passado, os dois pistoleiros se aproximaram da freira.

Ela, percebendo que chegara a sua hora de morrer, fixou os olhos azuis em Fogoió e tentou demovê-lo da idéia do crime.

"Meu filho, vá retirar o capim da roça porque as sementes já começaram a brotar. Vá cuidar dos seus filhos, esqueça o mal", teria dito Dorothy.

"É mesmo? Rá-rá!", foi a reação do pistoleiro, com um sorriso ao mesmo tempo cínico e nervoso.

"Como se quisesse ganhar tempo", narrou a testemunha, "a irmã encostou o corpo e o cotovelo ao braço com o qual Fogoió fazia sinal de puxar a arma".

"Sempre fitando os olhos do criminoso, ela continuou: 'Meu filho, isso não vale a pena. Eu sou uma velha indefesa. Você vai se arrepender. Não faça isso. Vá cuidar da sua família. Siga o caminho de Deus'."

Fogoió, ainda segundo o relato da testemunha, continuou rindo e tentando se desvencilhar e se afastar para uma distância segura a fim de puxar a arma e atirar.

Neste momento, o outro pistoleiro, Eduardo, que trazia na mão esquerda um galão de gasolina e tinha a mão direita livre, fraquejou e, trêmulo, pediu para Fogoió deixar a freira em paz.

"Vamos embora, cara. Deixa isso pra lá", teria dito Eduardo.

A religiosa insistiu na tentativa de ganhar tempo. Pegou no braço do criminoso, abriu a Bíblia e começou a ler um trecho que a testemunha não soube identificar.

Nesse instante, Fogoió teve espaço para recuar, puxar a arma - branca e de cano longo - e desferir o primeiro tiro, na cabeça da freira. Ela balançou com o impacto e caiu lentamente.

A testemunha, escondida entre árvores, correu e, enquanto fugia, ouviu outros disparos, mas não soube dizer quantos. gritando o nome de Dorothy.

Para Bastos, é preciso chegar aos mandantes

Fausto Macedo

A Polícia Federal suspeita da ação de intermediários entre os pistoleiros que executaram a freira Dorothy Stang e os mandantes do crime. A informação foi divulgada ontem pelo ministro Marcio Thomaz Bastos, da Justiça. "Os assassinos já foram identificados, já existe mandado de prisão contra eles e o caso está praticamente esclarecido", anunciou o ministro em Mogi das Cruzes (SP), onde entregou 186 viaturas para a PF.
Bastos referia-se aos suspeitos Rayfran das Neves Sales, Uilquelano de Souza Pinto, conhecido por Eduardo, e ao fazendeiro Vitalmiro Gonçalves de Moura, o Bida. A Justiça decretou a prisão preventiva dos três. "Eles se aproveitam da extensão daquele território para se ocultarem da ação das autoridades, a questão é de tempo para a localização e prisão e a partir daí verificar e descobrir os motivos da morte da irmã", declarou o diretor-geral da PF, Paulo Fernando Lacerda.

"Não adianta prender só os pistoleiros que receberam o dinheiro para matar, é preciso chegar àqueles que mandaram matar e aos intermediários", disse o ministro. "Não podemos ficar só nos pistoleiros, só no articulador, nem só no contratante. É para chegar ao beneficiário final, aquele que deu a primeira ordem, a ordem para a morte da irmã Dorothy."

O ministro disse que "não tem idéia" se os assassinos já teriam saído do País. "Sei que já existem dois executores identificados e um articulador que a gente não sabe se é o mandante final", anotou. "Posso afirmar que todos serão duramente punidos."

"Pretendemos percorrer toda a cadeia causal, para chegar ao fim dessa cadeia de impunidade", disse. "As pessoas precisam saber que no Brasil se vive dentro de um estado de direito."

Bastos disse não acreditar que o Brasil possa ter novos casos como o da missionária, a quem chamou de "mártir". "O País está absolutamente sob controle", garantiu. "Nós recebemos um país em que a presença do estado, em certas regiões, era inexistente, daí esse fato de haver terra sem lei, convívio não civilizado."

SEM MÁGICA

O ministro disse que a presença do Estado na terra sem lei está sendo organizada de maneira metódica e planejada "a fim de acabar com esses bolsões de violência que existem há dezenas, senão a centenas de anos no Brasil". Mas ele advertiu: "Isso não vai acabar num passe de mágica, a violência nas áreas rurais não vai ser resolvida com bilhetes a Papai Noel, com proclamações, com mudanças de legislação demagógicas que não levam a nada ".

Para o ministro, a violência só vai acabar "quando tivermos as instituições construídas, a PF combatendo, o Exército firme e a disciplina da ocupação da terra no Brasil, principalmente na Amazônia." Destacou que "essas regiões ficaram muito tempo à margem da lei". "Sabemos que do lado dos fazendeiros não existem só bandidos, existe gente bem intencionada", ressalvou. "As regras valem para todos. É fundamental numa democracia, numa república."

Anapu pede justiça e missas homenageiam irmã Dorothy

Vannildo Mendes, Eduardo Kattah, Jade Augusto Gola e Clarissa Thomé

Ontem de manhã, em clima de emoção e revolta, foi celebrada em Anapu a missa de 7.o dia pelo morte da missionária Dorothy Stang. Representantes de sindicatos rurais, entidades de direitos humanos e amigos da freira cobraram punição para o crime. A data foi lembrada em outros Estados - apenas no Rio, em Minas e São Paulo, 1.400 pessoas participaram de homenagens a irmã Dorothy.
À tarde, cerca de cem fiéis, amigos e religiosos da congregação de irmã Dorothy foram em procissão até o túmulo, às margens do Rio Anapu. O padre Amaro Lopes de Souza, dirigente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e parceiro da religiosa, criticou a investigação. "Estou vendo muita pirotecnia, mas nenhum resultado."

O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), que está em Anapu fazendo uma investigação independente para o Congresso, também achou estranha a demora para prender os assassinos.

A Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) promoveu atos litúrgicos em São Paulo e em Belo Horizonte. No Rio, um ato ecumênico reuniu freis católicos, pastores luteranos, presbiterianos e batistas e mães de santo. Ativistas de direitos humanos e integrantes do Movimento dos Sem-Terra (MST) e artistas compareceram.

A manifestação em Belo Horizonte reuniu o maior número de pessoas - cerca de mil. O ato vinculou o crime às chacinas de quatro funcionários do Ministério do Trabalho e de cinco integrantes do MST, ocorridas no ano passado, no Estado de Minas.

Cerca de 200 pessoas se reuniram na Cinelândia, centro do Rio, para protestar contra a morte da missionária. Artistas como Camila Pitanga, Marcos Winter, Osmar Prado, Beth Mendes e Chico Diaz também estiveram no ato.

Em São Paulo, nem mesmo a chuva afastou as pessoas que foram ao Pátio do Colégio, no centro de São Paulo, para lembrar o sétimo dia do assassinato de irmã Dorothy.

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