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Polêmica num pedaço de paraíso em Marapendi

O Globo, Rio, p.24
20 de Nov de 2005

Polêmica num pedaço de paraíso em Marapendi

Área de proteção ambiental na Barra da Tijuca já perdeu nas últimas duas décadas até 35% da vegetação original
Um pedaço do paraíso está ameaçado. Último trecho preservado de restinga do Rio num ambiente que reúne orla de praia e de lagoa, a Área de Proteção Ambiental (APA) de Marapendi, na Barra da Tijuca, perdeu nos últimos 20 anos de 30% a 35% de sua vegetação original. A fauna rica, mas desconhecida, também preocupa quem sabe que está ali uma das últimas oportunidades de se conseguir implantar no estado um projeto bem-sucedido do que os ambientalistas chamam de "desenvolvimento sustentável", o que nada mais é do que homem provar que pode viver em harmonia com a natureza.
Com zonas de preservação permanente e outras em que são autorizadas construções dentro de limites urbanísticos, a APA está no centro de uma polêmica. Um projeto de tombamento do deputado Paulo Ramos (PDT), aprovado pela Assembléia Legislativa do Rio em outubro, está na mesa da governadora Rosinha Garotinho para ser sancionado. Em agosto, a Câmara de Vereadores já tinha provocado protestos ao aprovar mudanças no zoneamento da área.
- É uma medida emergencial para impedir danos maiores e o avanço da especulação imobiliária - diz o deputado.
Espécies de animais e plantas estão ameaçadas
Mas muitos acreditam que a ocupação ordenada poderia ser a solução. E o tombamento é, para eles, uma medida radical que poderia inviabilizar a execução de cinco empreendimentos imobiliários - entre eles, eco-resorts - que contribuiriam para a preservação.
Por outro lado, ocupar a APA de Marapendi exige respeito ao meio ambiente e seriedade, o que os defensores do tombamento não vêem nas autoridades públicas, responsáveis pela fiscalização e pelo controle das futuras construções.
As mudanças silenciosas constatadas na APA são o principal argumento. A vegetação típica de restinga, além de ter encolhido, também perde espaço para casuarinas, espécies invasoras. Animais como a borboleta-da-praia estão sob ameaça de extinção desde que começou a desaparecer do delicado ecossistema do local a jarrinha, uma planta que serve de abrigo para a lagarta. O jacaré-de-papo-amarelo saiu da última lista de espécies ameaçadas, mas ninguém sabe muito bem que outros animais ou plantas correm risco. Por falta de investimentos, há ainda um total desconhecimento sobre a existência de espécies endêmicas.
- Nós estamos falando de Mata Atlântica, que é o ecossistema de maior biodiversidade do mundo. Tudo isso corre risco - afirma a bióloga Carol Oliveira, da ONG Ecomarapendi.
O oceanógrafo David Zee, coordenador do curso de meio ambiente da Unigranrio, acha um verdadeiro absurdo o tombamento, por acreditar que ele só agravará a situação de abandono. Desde 84, a cada 15 dias, David visita a APA que, segundo ele, está sendo vítima de um lento processo de poluição difusa. Ele estima que já tenham sido perdidos de 30% a 35% de vegetação de restinga.
- A Lagoa de Marapendi tem um segmento completamente crítico, poluído, que vai da ponte da Avenida Ayrton Senna até o fim do Canal de Marapendi, junto à Lagoa da Tijuca - diz Zee, referindo-se principalmente ao lançamento de esgoto no Canal de Marapendi, outra mazela a ser enfrentada, juntamente com queimadas e despejo de lixo. - A poluição difusa é assim: a gente não percebe, mas aos poucos vai crescendo e se espalhando.
Proprietário de um terreno de 60 mil metros quadrados no local, o empresário José Portinari Leão vê com otimismo as mudanças no zoneamento que poderão alavancar novos empreendimentos imobiliários. Segundo ele, o lote 27, por exemplo, estava sem destinação e, com sua incorporação à APA, ganhou gabarito e relevância econômica:
- Há 25 anos, quando comprei o terreno, levava meus filhos para tomar banho na lagoa. Hoje, se levar meu neto, ele morre. As mudanças vão salvar aquele lugar da degradação.
Comissão da Câmara vai propor regras de ocupação
Uma comissão técnica especial da Câmara de Vereadores deverá, dentro de três meses, propor formas de ocupação da APA. Segundo a vereadora Aspásia Camargo (PV), o objetivo é definir claramente a contrapartida dos investidores para gerar recursos que serão investidos em saneamento e na recuperação da área, inclusive do Parque Ecológico de Marapendi, que está abandonado. Um levantamento preliminar indica que um projeto de revitalização exigiria um investimento de cerca de R$40 milhões.
- Esse tombamento é precário, não houve qualquer tipo de estudo. Uma APA tem uma zona de proteção permanente, que corresponde, no caso de Marapendi, a 97% do total, o que é cinco vezes o Aterro do Flamengo. A parte ocupada é mínima. Além disso, quem ocupa uma ZOC assume o compromisso de preservar o bem protegido.
Vera Chevalier, diretora da Ecomarapendi, afirma que a idéia de tombamento não é radicalismo, mas descrença de que as coisas possam ser feitas da forma correta:
- As pessoas tendem a achar que nós, ambientalistas, somos radicais. Eu também gostaria de acreditar que é possível ocupar aquela área, respeitando-se a natureza. Mas, diante de tantos erros, passamos a achar que o tombamento é uma proteção maior.

O Globo, 20/11/2005, Rio, p. 24

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