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PL 191, uma 'fake news' em curso

Valor Econômico, Política, p. A8
Autor: CHIARETTI, Daniela
10 de Mar de 2022

PL 191, uma 'fake news' em curso
Para advogada do ISA, proposta diz que para ter garimpo em terras indígenas deveria haver consentimento dos índios

Por Daniela Chiaretti, Valor - São Paulo
10/03/2022 05h01 Atualizado há 5 horas

O medo inflacionário global com a guerra na Ucrânia fez com que os investimentos buscassem proteção -- e o ouro, o mais tradicional porto seguro nas crises, chegou à cotação de US$ 2.000 por onça-troy esta semana. Para indígenas, indigenistas e ambientalistas, a valorização do ouro desde a pandemia tem tudo a ver com o regime de urgência que a base governista quer dar ao PL 191/2000 na Câmara - e não a crise dos fertilizantes. Mas só com garimpeiro não daria para passar a armadilha. O agronegócio está ajudando a desequilibrar o jogo.

Desde a campanha eleitoral, Jair Bolsonaro quer abrir a mineração em terras indígenas na Amazônia. A mensagem foi rastilho de pólvora na floresta. A corrida pelo ouro espalhou garimpos ilegais na Amazônia.

Nos três anos do período Bolsonaro --2019, 2020 e 2021--, o garimpo em terras indígenas aumentou 125% em comparação à média dos dois anos anteriores, diz Antonio Oviedo, assessor da equipe de monitoramento do Instituto Socioambiental.

O projeto de lei do governo conta com forte apoio da bancada ruralista e partidos do Centrão. Apelidado de x-tudo pelos opositores, o PL 191 abre as terras indígenas à exploração de petróleo, gás e minérios, permite hidrelétricas grandes e pequenas, e até o cultivo de transgênicos.

"A intenção do PL 191 é viabilizar garimpo em terra indígena", diz ao Valor a deputada e advogada indígena Joenia Wapichana. Ela lembra que a Constituição observa que é preciso regulamentar mineração e empreendimentos de geração de energia em terras indígenas através de legislação específica. "Mas a Constituição faz a ressalva que isso não se aplica ao garimpo", esclarece. "O PL 191 é uma tragédia completa", resume a líder indígena.

Completamente outra é a visão do ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Alceu Moreira (MDB-RS). Para ele, o PL 191 é "a medida mais importante que temos para a Amazônia". Continua: "Vamos tirar da ilegalidade e da criminalidade essas atividades econômicas".

As empresas observam a discussão com o devido cuidado para não macular seus compromissos ESG. "A regulamentação de atividades econômicas em terras indígenas precisa ser debatida amplamente pela sociedade brasileira", dizia o Instituto Brasileiro de Mineração, o Ibram, em posicionamento de junho de 2021. Não é o que está acontecendo.

O PL 191 foi encaminhado pelo Executivo ao Congresso em fevereiro de 2020. Não tramitou em nenhuma comissão e foi engavetado. O então presidente da Câmara Rodrigo Maia (União Brasil-RJ) disse que não iria adiante com a proposta, mas o atual presidente Arthur Lira (PP-AL) indica ser favorável. O governo quer aprovar o projeto em 30 dias.

A crise dos fertilizantes dá a chance de se colocar no mesmo saco o enfraquecimento dos direitos indígenas e alimentar conflitos de terra e grilagem. É uma falácia, dizem pesquisadores e ambientalistas. "É uma fake news em curso", traduz Joenia.

Vários estudos indicam que existem grandes reservas de potássio em São Paulo e Minas Gerais. Estudo da Universidade Federal de Minas Gerais mostra que o Brasil tem reservas de potássio suficientes para abastecer o agronegócio até o fim do século e 2/3 das jazidas estão fora da Amazônia Legal. Não faria sentido abrir a exploração de terras indígenas para responder a esta crise. O propósito é outro.

Na análise de Juliana de Paula Batista, advogada do ISA, o PL 191 diz que para haver garimpo em terras indígenas, deveria haver consentimento dos índios. Eles seriam consultados para saber se querem garimpar, se querem fazê-lo em parceria com brancos e se não quiserem, se aceitam liberar a área só aos brancos. "Mas como irá acontecer isso tudo, este consentimento, esta consulta? Por um decreto presidencial onde Bolsonaro pode colocar o que quiser."

Valor Econômico, 10/03/2022, Política, p. A8

https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/03/10/pl-191-uma-fake-new…

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