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PF prende ex e futuro senadores por fraudes

O Globo, O Pais, p.11-12
05 de Nov de 2004

PF prende ex e futuro senadores por fraudes
Ismael Machado e Izael Marinho
BELÉM e MACAPÁ. A Polícia Federal prendeu ontem, numa operação batizada de Pororoca e realizada simultaneamente em quatro estados, 28 empresários e políticos acusados de montar uma quadrilha para fraudar licitações para grandes obras realizadas no Amapá. Entre os presos está o ex-senador Sebastião Rocha, candidato derrotado a prefeito de Macapá pelo PDT; o suplente de senador Fernando Flexa Ribeiro (PSDB), que em janeiro deverá assumir no Senado a vaga do prefeito eleito de Belém, Duciomar Costa; e o secretário de Obras de Macapá, Giovani Coleman de Queiroz.
Entre as acusações contra a quadrilha estão a fraude em 17 obras construídas com recursos federais. Todas as licitações teriam sido fraudadas. O valor total das obras chega a R$ 103 milhões. Só a construção do Porto de Santana, obra administrada atualmente pelo engenheiro Rodolfo dos Santos Juarez, um dos presos, tem orçamento de R$ 64 milhões. É a maior obra portuária em execução no país. O empresário amapaense Luiz Eduardo Pinheiro Corrêa, também preso, foi apontado como o chefe da quadrilha.
Segundo PF, fraudes ocorriam há dois anos
Segundo a Polícia Federal, o golpe das construtoras ocorria há mais de dois anos. Dezessete empresas estão envolvidas. As irregularidades eram cometidas sempre da mesma forma. Algumas empresas participavam das licitações no Amapá e aumentavam o valor das obras. Depois, as empresas retiravam-se do processo licitatório, beneficiando outras já combinadas anteriormente, num processo rotativo.
Segundo o delegado Tardelli Boaventura, da PF, que preside os inquéritos, as fraudes aconteciam na Comissão Permanente de Licitação (CPL) do governo do Amapá e das prefeituras de Macapá, Santana e Oiapoque, município localizado na fronteira com a Guiana Francesa. A CPL direcionava a execução das obras para empresas que faziam parte do esquema, como é o caso da Engeplan, do suplente de senador Fernando Flexa Ribeiro; da Método Engenharia, de Eduardo Corrêa; e da Etecon Engenharia, do engenheiro Glauco Mauro Cei.
Estão envolvidos na fraude políticos, empresários e funcionários públicos de vários órgãos. Eles serão acusados de corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha, tráfico de influência, peculato, prevaricação, usurpação de função pública e inserção de dados falsos em sistema de informações.
Ao todo, 160 homens da PF tinham de cumprir 30 mandados de prisão. Foram presas 15 pessoas em Macapá, três em Santana (AP), quatro em Brasília, duas em Belém e uma em Belo Horizonte. A PF investigava a organização há dois anos, a partir de denúncias contra o presidente da Comissão de Licitação de Santana, Rodolfo Juarez, que depois assumiu a direção da Companhia Docas de Santana.
Em Brasília, foram presos funcionários do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Ministério da Educação, acusados de inserir dados falsos no Siafi, o sistema informatizado de gerenciamento do Orçamento da União, para tirar da lista negra do governo federal as prefeituras de municípios envolvidos na fraude.
Eduardo Corrêa, da Método Engenharia, foi preso em casa. O ex-senador Sebastião Rocha (PDT) também foi preso em casa e levado algemado para a delegacia da PF em Macapá. Ele ficou conhecido ao propor no Senado uma CPI para investigar os institutos de pesquisa brasileiros, conhecida como CPI do Ibope. Rocha alegava que as pesquisas não revelavam a verdade das intenções de votos dos eleitores.

Preso foi líder industrial no Pará
MACAPÁ E BELÉM. O empresário Fernando Flexa Ribeiro, que deverá assumir uma cadeira no Senado em janeiro na vaga do senador Duciomar Costa (PTB), já foi presidente da Federação das Indústrias do Pará. Dono da construtora Engeplan, acusada de envolvimento no esquema de fraudes, ele foi preso no início da manhã em Belém, quase ao mesmo tempo que outro empresário, Eduardo Boullosa, dono da construtora Habitare.
Flexa Ribeiro e Boullosa foram transferidos para Macapá, onde foram apresentados ao juiz federal Anselmo Silva, que decretou a prisão temporária dos empresários, e depois levados para o Complexo Penitenciário do Amapá (Copen). As prisões têm prazo de cinco dias, mas podem ser prorrogadas por mais cinco.
Diretor da prefeitura de Macapá também é preso
A lista de presos inclui ainda o diretor de Obras da prefeitura de Macapá, Elias Correia dos Santos, e vários funcionários de secretarias estaduais do Amapá. Foram expedidos quatro mandados de prisão no Pará. Os dois outros mandados não haviam sido cumpridos porque os empresários não foram encontrados. José Freire da Silva Ferreira, que estaria em Marabá, e o gerente comercial da construtora Queiroz Galvão, José Ivanildo Lopes, estaria em Brasília, segundo a PF.
Em Belo Horizonte, foi preso ontem o empresário Luís Eduardo Monteiro, de 53 anos, acusado de atuar como lobista da quadrilha em Brasília. Segundo a Polícia Federal, o intermediário das fraudes era o advogado e radialista Carlos Alberto Lima, já preso. As informações privilegiadas sobre as licitações, segundo a PF, eram repassadas por uma mulher chamada Vera de Jesus Pinheiro Corrêa. Entre as secretarias envolvidas nas irregularidades estão a de Saúde e de Transporte.

Beleza e violência
Espetáculo de beleza e violência, a pororoca ocorre na região Amazônica, principalmente na foz do Rio Amazonas, provocada pelo encontro das marés ou de correntes contrárias, como se uma e outra encontrassem um obstáculo que impedisse seu percurso natural. Ao ultrapassar a barreira, as águas correm rio adentro com uma velocidade de 16 a 24 quilômetros por hora, subindo a uma altura de 3 a 6 metros. No Amapá, a pororoca acontece na ilha do Bailique, na boca do Rio Araguari, no Canal do Inferno da Ilha de Maracá, em diversas partes insulares e com maior intensidade nos meses de janeiro a maio. O fenômeno é, atualmente, uma das atrações turísticas mais populares da região e, embora temível, produz um espetáculo admirado por gente do mundo inteiro.
Há várias explicações da causa da pororoca. A principal está na mudança das fases da lua, principalmente nos equinócios. A força maior da massa líquida dos oceanos provoca um barulho ensurdecedor, ouvido duas horas antes da chegada da cabeceira” da pororoca. Quando ela passa surgem ondas menores, os banzeiros”, que violentamente morrem na praia.

Conheça alguns presos na Operação Pororoca
LUIZ EDUARDO CORRÊA
Empresário dono da Método Engenharia, apontado como o chefe da organização
EX-SENADOR SEBASTIÃO ROCHA (PDT-AP)
Ex-secretário estadual de Saúde e candidato derrotado à prefeitura de Macapá
FERNANDO FLEXA RIBEIRO
Suplente de senador pelo PSDB do Pará e sócio da Construtora Engeplan
GIOVANI COLEMAN DE QUEIROZ
Secretário de Obras da Prefeitura de Macapá
JOSÉ JOSIVALDO ROCHA BRANDÃO
Sobrinho e assessor de Sebastião Rocha, trabalha na Secretaria de Saúde de Macapá
EDUARDO BOULLOSA
Dono da Construtura Habitare, foi preso em Belém e transferido para Macapá
ERICK JANSON SOBRINHO LUCENA
Assessor do deputado federal Benedito Dias (AP)
OLAVO DOS SANTOS ALMEIDA
Secretário de Obras do município de Santana, no Amapá

Servidores do MEC são presos em Brasília
BRASÍLIA. A Polícia Federal prendeu em Brasília, como parte da Operação Pororoca, dois servidores do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão ligado ao Ministério da Educação, sob acusação de envolvimento num esquema de fraude em licitações. Maria Francisca Soares e Wadilson Cardoso Nunes tinham acesso ao Siafi, o sistema eletrônico de acompanhamento de gastos do governo federal. Também foram presos em Brasília o lobista André Cleiton Fernandes Dias e Lysiane Nogueira da Rocha Fragoso, ex-assessora do deputado federal Coronel Alves (PL-AP).
Ministro diz que trabalho da polícia é bem-feito
Os funcionários do FNDE alteravam dados, apagando do sistema da instituição dívidas de prefeituras do Amapá. Sem o registro dessas dívidas, as prefeituras conseguiam obter certidões negativas de débito e receber recursos da União, inclusive do próprio fundo, que repassa verbas para programas como o da merenda escolar, do livro didático, o Dinheiro Direto na Escola e o do transporte escolar.
Indagado sobre as prisões, o ministro da Educação, Tarso Genro, evitou falar sobre o assunto:
— É um procedimento policial que está sendo feito e muito bem-feito, com apoio nosso e do FNDE. Questão policial vocês têm que perguntar para a autoridade policial. O que temos que dizer é que nós não apenas concordamos, como estimulamos e requeremos — disse Tarso.
Segundo o que foi apurado pela Polícia Federal, a quadrilha atuava da seguinte maneira: seus integrantes recebiam propina para acessar o sistema eletrônico e alterar os dados das prefeituras com dívidas. O esquema teria começado antes de 2003. Portanto, seria anterior à posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Anaconda, Praga...
A Polícia Federal tem feito uma série de operações contra a corrupção, todas elas batizadas pelos próprios agentes. Antes da Pororoca, já aconteceram:
ANACONDA: Oito pessoas foram presas sob a acusação de pertencer a uma quadrilha especializada em vender decisões judiciais. Entre os acusados estão três juízes federais, um subprocurador da República, dois delegados federais, uma auditora da Receita Federal e dois advogados.
VAMPIRO: Teve 17 presos e 20 denunciados à Justiça Federal sob a acusação de fraudar licitações de compra de derivados de sangue e outros produtos no Ministério da Saúde.
PRAGA DO EGITO: Os 53 presos foram acusados de receber salários em nome de servidores públicos contratados irregularmente pelo governo de Roraima. Entre os acusados estão o governador Flamarion Portela e o ex-governador Neudo Campos.
ALBATROZ: O desvio de R$ 500 milhões em fraudes em licitações no governo do Amazonas levou 20 pessoas à prisão, entre elas o deputado estadual Antônio Cordeiro, o ex-presidente da Comissão Geral de Licitação do governo estadual João Gomes Vilela e o ex-secretário estadual de Fazenda Alfredo Paes dos Santos.
SUCURI: A polícia prendeu 45 pessoas, entre elas 23 policiais federais lotados em Foz do Iguaçu, acusadas de cobrar propina para facilitar o contrabando.
TRÂNSITO LIVRE: Foram 55 presos, a maioria policiais rodoviários federais, acusados de receber propina para facilitar a volta de sacoleiros do Paraguai.
FAROL DA COLINA: Um grupo de 123 doleiros e empresários foi acusado de envolvimento num esquema internacional de lavagem de dinheiro. No total, 62 pessoas foram presas.
MATUSALÉM: A investigação levou à prisão de 13 pessoas. Outras 16 foram denunciadas à Justiça sob a acusação de superfaturar devoluções de recursos do INSS para prefeituras do Amazonas.
MAMORÉ: Os 20 presos são acusados de fraudar licitações em Rondônia. Entre eles está o ex-senador Ernandes Amorim.
SHOGUN: Foram dois presos, o empresário Law Kin Chong e o advogado Pedro Lindolfo. Chong é acusado de comandar poderoso esquema de contrabando, que teria a participação de policiais, juízes, procuradores e políticos.

O Globo, 05/11/2004, p. 11-12

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