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PF explode pistas clandestinas

CB, Brasil, p. 12
11 de Fev de 2006

PF explode pistas clandestinas
Ação desencadeada ontem pelo governo federal na Terra do Meio, região onde foi assassinada a freira Dorothy Stang, tenta impedir a ocupação irregular de terras no sul do Pará. Operação deve durar 60 dias

São Félix do Xingu (PA) - Um ano depois da morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, executada por pistoleiros no município de Anapu (PA), a Polícia Federal começou ontem uma operação para explodir 34 pistas clandestinas de pouso na Terra do Meio, região onde a religiosa montou base para combater a grilagem de terras na Amazônia e defender o desenvolvimento sustentável da floresta. A primeira pista, com 800m de extensão, foi dinamitada na manhã de ontem com meia tonelada de explosivos, na Fazenda Limão, em São Félix do Xingu (PA). A operação levou dois ministros às profundezas da Floresta Amazônica: Márcio Thomaz Bastos (Justiça) e Marina Silva (Meio Ambiente). Também o diretor da PF, Paulo Lacerda, acompanhou a ação. Segundo Bastos, a explosão das pistas é fundamental para mostrar a presença do Estado brasileiro na região, apontada internacionalmente como uma das mais violentas do país por causa da disputa pela terra. "Vamos fazer com que essas operações se tornem rotina. Essa é a nossa resposta rápida e pronta para a região", disse o ministro da Justiça pouco antes da explosão da primeira pista. Bastos ressaltou ainda que a PF vai identificar as entradas por terra e rios na região a fim de impedir colonizações na Terra do Meio, apontada como a maior estação ecológica do mundo, com 8,3 milhões de hectares. Para Marina Silva, a explosão das pistas é o primeiro passo para impedir a ocupação desordenada da estação. Na área, só será permitida a pesquisa científica devidamente autorizada pelo governo. Segundo a ministra, as quase 500 famílias que ainda residem na estação serão transferidas para outra região do estado. Cerca de 140 propriedades rurais que estão na área também serão desapropriadas tão logo seja feito um levantamento fundiário da região. Nessas propriedades, de acordo com o Sindicato de Produtores Rurais de São Félix, há 450 mil cabeças de gado, consideradas essenciais para a economia do município. "Ministra, nós apoiamos a criação da estação, mas queremos ser recompensados economicamente, porque dependemos dessa produção", reclamou o prefeito de São Félix, Denimar Rodrigues (PMDB), referindo- se à pecuária da região.
Levantamento
A operação de destruição das pistas foi batizada de TM, iniciais de Terra do Meio. Começou com um trabalho do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que promoveu um levantamento aéreo na estação ecológica, criada há um ano por decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No sobrevôo, descobriu-se a existência de 47 pistas na região onde Dorothy Stang atuou por mais de 20 anos. Das pistas identificadas, apenas três são regulares, de acordo com o levantamento da PF no Departamento de Aviação Civil (DAC). Dez pistas são clandestinas, mas não serão destruídas por interesse do próprio Ibama em utilizá-las como apoio na área. A intenção é que os funcionários do órgão federal possam ter fácil acesso à estação ecológica, cuja maior parte é composta de mata intocada.
Das 34 pistas que a PF destruirá na Terra do Meio nos próximos dois meses, seis já haviam sido denunciadas pela missionária norte-americana ao Ministério Público do Pará. "Ela se queixava dessas pistas. São por meio delas que descem os aviões dos fazendeiros que ocupam áreas irregulares na Terra do Meio", disse o padre José Amaro Lopes de Sousa, tido como braço direito de Dorothy na luta contra a grilagem de terras na região. Algumas dessas pistas foram usadas até pelo traficante de drogas Leonardo Dias Mendonça, preso no Pará há mais de cinco anos. De acordo com o coordenador de Operações Especiais de Fronteiras da PF, delegado Mauro Sposito, a destruição das pistas clandestinas coibirá ações criminosas, como a grilagem de terras, o narcotráfico e uma infinidade de crimes ambientais, inclusive a derrubada ilegal de árvores e instalação de garimpos. No total, a Operação TM da PF custará R$ 500 mil aos cofres públicos.
Acesso
Para destruir cada pista, os agentes da PF levam pelo menos trêsdias. Eles acampam no local, fazem buracos de 8m de profundidade para acomodar os explosivos e detonam o subsolo em seguida. À primeira vista, a explosão se resume a pequenos buracos feitos no chão que podem ser tapados com terra e pá. Puro engano. A explosão drena o solo, deixando a superfície fofa. Isso impede o pouso e a decolagem de aviões, que precisam de chão compactado para descer e levantar vôo. Como as pistas estão em local de difícil acesso por terra, para recuperá-las, os fazendeiros teriam que usar maquinário pesado a fim de compactar o solo novamente. "No mínimo, para recuperar uma pista explodida, o fazendeiro gastará R$ 300 mil", avalia Sposito. Antes de explodir uma pista de pouso clandestina, a PF prepara um termo de inabilitação que deveria ser preenchido com o nome do fazendeiro que tem a posse da terra. Mas nem sempre ele é encontrado para ser avisado oficialmente e a pista é destruída à revelia. Entre a tentativa de notificação e a explosão, o fazendeiro pode se manifestar provando que há permissão de pouso e decolagem na propriedade expedida pelo DAC. "A maioria não se manifesta. Alguns chegam a impedir o pouso dos aviões da PF que carregam os explosivos usando tambores de metal e cabos de aço", relata Sposito.

Tensão ainda presente em Anapu
O clima na região de Anapu continua tenso, passado um ano do assassinato da missionária. Na ultima quarta-feira, os coordenadores do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Esperança, que era coordenado pela missionária, foi "invadido" por dois homens suspeitos de grilagem de terras. "Nós fomos chamados até lá pelos colonos e ficamos preocupados", relata Padre Amaro, que atuava ao lado da missionária e hoje é um dos coordenadores do projeto.
Padre Amaro relata que sofre constantes ameaças de morte em Anapu desde que assumiu o trabalho da missionária. As juras de morte chegam pelo telefone, bilhetes e até por vizinhos. "A gente está acostumado. Quem atua defendendo os direitos dos trabalhadores rurais aqui na região sempre correrá riscos", lamenta.
Uma das coordenadoras da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Anapu, irmã Jane Welber, que pertence à Congregação Irmãs de Notre Dame De Namur, a mesma à qual Dorothy integrava, também ressalta que as pessoas vivem temerosas desde que a missionária foi executada, em 12 de fevereiro de 2005. "Logo depois da morte de Dorothy, o governo enviou homens do exército e policias federais para cá. Dois meses depois as tropas saíram da região e houve novas ameaças de morte", relata a religiosa.
Para lembrar o aniversário de morte da missionária, haverá amanhã uma missa na Paróquia Nossa Senhora de Santa Luzia, em Anapu, a ser celebrada pelo bispo do Xingu, dom Erwin Krautler. Militantes internacioanis do Greenpeace e da WWF já estão na região para participar das homenagens.
À tarde, haverá uma passeata pelas ruas do centro de Anapu pedindo a paz no campo. No final do dia, os manifestantes programaram um ato ecumênico. Nem a ministra Marina da Silva, tida como próxima de Dorothy, nem Márcio Thomas Bastos, que estavam ontem na Terra do Meio, participarão das homenagens à missionária que morreu defendendo os assentamentos que conciliavam a exploração com a preservação do meio ambiente.

CB, Brasil, 11/02/2006, p. 12

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