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Pesquisa revela índios sem ideia de tempo

FSP, Ciência, p. C11
30 de Mai de 2011

Pesquisa revela índios sem ideia de tempo
Tribo amondawa, de Rondônia, seria o único povoado cujo idioma não relaciona noções temporais e de espaço
Grupo indígena, no entanto, compreende as expressões de tempo usadas no português, mostram pesquisadores

Luciana Dyniewicz
De São Paulo

Os índios da tribo amondawa, de Rondônia, vivem sem usar referências sobre semanas, meses ou anos. Não fazem aniversário, só fazem contas até o número quatro e em seu vocabulário não consta a palavra "tempo".
Uma pesquisa da Universidade de Portsmouth (Inglaterra), em parceria com a Universidade Federal de Rondônia, revela que, diante da ausência de números e da noção abstrata de tempo, esses índios precisam mudar de nome para identificar melhor a fase que estão vivendo.
Por causa disso, várias crianças da tribo são chamadas exatamente da mesma forma. Um menino do clã Mutum, por exemplo, é conhecido por Mbitete ao nascer.
Quando tiver um irmão, passará a usar o nome de Kuembu - e o próximo recém-nascido será batizado de Mbitete novamente.
Os nomes identificam o sexo, a "idade" e o clã ao qual a pessoa pertence e são herdados dos mais velhos pelos mais novos da tribo. Assim como quando ficam mais velhos, esses índios também trocam de nome quando se casam.
Embora a pesquisa não tenha identificado no idioma ocorrências de intervalos de tempo designados por números (um ano, por exemplo), foram encontradas palavras para expressar períodos de tempo, como as estações chuvosa e seca.
Suas noções de temporalidade também estão sempre ligadas a um evento ou a um ciclo da vida, e não ao tempo propriamente dito, segundo a autora Wany Sampaio, da Federal de Rondônia.

TEMPO E ESPAÇO
Para a corrente dominante hoje em dia na linguística, o léxico do tempo originou-se do vocabulário relacionado ao espaço.
Daí, surgiu o uso de expressões consideradas universais como "um tempo atrás" ou "mais para frente".
Nesse contexto, os amondawa são uma exceção, segundo os pesquisadores, porque não relacionam os conceitos de tempo e espaço, como costuma ocorrer em outros idiomas.
Entretanto, apesar de não terem uma palavra para designar "tempo" e não poderem dizer frases como "o tempo está passando", os amondawa têm sua própria noção de temporalidade e compreendem a nossa quando aprendem português, segundo mostra a pesquisa. A maioria fala amondawa e português. Vivem no centro-oeste de Rondônia e seu primeiro contato com não índios aconteceu em 1986. Hoje, a tribo inteira é composta por 117 pessoas.
O trabalho sobre os amondawa foi publicado recentemente na revista britânica "Language and Cognition".

Resultado ainda é pouco provável, dizem cientistas

DE SÃO PAULO

A conclusão do estudo sobre os amondawas mina a hipótese dominante de "mapeamento espaço-tempo", que afirma que os termos de espaço são utilizados para expressar o tempo em todos os idiomas existentes.
Há quem diga, porém, que a pesquisa não tenha força para isso, como o linguista Wilmar da Rocha, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Ele acredita que a hipótese de que um povo indígena não conte o tempo pelo ciclo lunar - como parece ser o caso dos amondawa - é "duvidosa" e diz que outros índios da família Tupi Kawahib, à qual a etnia faz parte, usam esse referencial. A professora de linguística da USP Luciana Storto diz que é preciso analisar estruturas linguísticas mais complexas dos amondawa para concluir que a teoria universal não se aplica à etnia.
Para a especialista, é improvável que eles "não tenham noção de tempo propriamente dito."
Vera da Silva Sinha, uma das autoras do estudo, admite que é necessário mais estudos com grupos que falam idiomas semelhantes ao dos amondawa.
(LD)

FSP, 30/05/2011, Ciência, p. C11

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe3005201101.htm
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe3005201102.htm

CIÊNCIA (30.MAI, PÁG. C11) Diferentemente do que foi publicado no quadro que acompanhava a reportagem "Pesquisa revela índios sem ideia de tempo", os índios da etnia amondawa tiveram o primeiro contato com não índios, não com "humanos", em 1986.

FSP, 03/06/2011, Erramos, p. A3

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0306201110.htm

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