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Pereirão não pára de crescer sobre APA

O Globo, Rio, p. 28
10 de Jun de 2006

Pereirão não pára de crescer sobre APA
Até moradores da favela pedem que prefeitura impeça novas construções que avançam em área de mata protegida

A exemplo de outras favelas cariocas, a Vila Pereira da Silva, mais conhecida como Pereirão, em Laranjeiras, vem crescendo de forma indiscriminada. A diferença é que o aumento do número de casas é criticado até pelo próprio presidente da Associação de Moradores, Pedro Paulo Silva. Ele denunciou o avanço da ocupação desordenada à prefeitura no ano passado e pediu providências. Mas até hoje espera ações do município. As construções, que antes ficavam restritas a um pequeno trecho, já ocupam grande parte da encosta, que pertence à Área de Proteção Ambiental (APA) de São José.

Numa fotografia de 1998, o número de casas era pequeno comparado ao de hoje. Em 2000, segundo dados do Censo do IBGE, eram 279 barracos com 1.011 moradores. Hoje, Pedro Paulo calcula que existam 500 casas na encosta:

- Ficamos preocupados porque a comunidade vem recebendo cada vez mais moradores, principalmente nos últimos dois anos. Sei que muitos deles fogem de outras favelas violentas, mas a Vila Pereira da Silva não suporta mais tanta gente.

Ontem mesmo era possível avistar, do alto da favela, oito lajes em construção. A favela lembra até um canteiro de obras. Os limites fixados pelos muros, instalados pela Secretaria municipal de Habitação há muitos anos, foram desrespeitados. As casas avançaram em direção à Mata Atlântica. Muitas delas também foram erguidas em área de risco.

- Quando chove, a água desce com força pela encosta. Os moradores que vivem na parte baixa da favela temem a queda dos barracos. Já avisei os funcionários da prefeitura que trabalham aqui no Programa Pouso, que regulariza a situação das casas. Mas não sei por que não fizeram nada - disse Pedro Paulo.

Um dos maiores problemas, segundo o presidente da associação, é a falta de luz. No verão, quando ventiladores e lâmpadas estão ligados, há curtos-circuitos e a comunidade fica às escuras:

- Os cabos não agüentam e pegam fogo. Antigamente não tínhamos esses problemas.

Além de a prefeitura fechar os olhos para o crescimento da comunidade, alguns serviços prometidos durante a implantação do Projeto Bairrinho até hoje não foram realizados. A creche para 75 crianças, por exemplo, nunca existiu. A prefeitura afirma, porém, que está "realizando estudos para a construção." O plantio de árvores nas ruas e o reflorestamento com espécies de Mata Atlântica também estavam nos planos, mas nada foi feito. A coleta seletiva de lixo ficou nos sonhos.

No passado, área nobre com grandes chácaras

Mas Pedro Paulo não está lutando sozinho. Uma moradora da Rua Pereira da Silva, que não quis se identificar, contou que já mandou dois e-mails ao prefeito Cesar Maia pedindo providências. Para ela, a APA de São José é um patrimônio da cidade.

- Moro aqui desde 1981 e percebi que a comunidade vem crescendo muito. À noite é possível ver as novas luzes no meio da mata. Já mandei e-mails ao prefeito pedindo mais cuidado com APA. É uma pena, uma região tão bonita deveria ser preservada.

Localizada nos bairros do Catete e Laranjeiras, a APA de São José foi criada em 1991 e abrange os morros São Judas Tadeu e Nova Cintra. No passado os morros foram ocupados por grande chácaras, numa área então considerada nobre. A desvalorização desses lugares começou a ocorrer na década de 30 com a expansão da cidade para Copacabana.

A cidade que se expande sem controle

A falta de controle das favelas tem se tornado uma ameaça aos morros, encostas, canais e lagoas do Rio. Cartões-postais da cidade foram totalmente ocupados de forma desordenada. No lugar de espécies de Mata Atlântica, surgem construções em alvenaria. Na Rocinha, por exemplo, as casas foram erguidas em toda a encosta de São Conrado e, posteriormente, da Gávea. Até um prédio de 11 anos foi construído e vistoriado pela prefeitura, que nada fez.
No Vidigal, o problema é semelhante. As casas e prédios são espremidos entre a montanha e a Avenida Niemeyer. Sem ter para onde crescer, a favela Recanto Familiar, no Humaitá, também cresce verticalmente.
Na APA de São José, além da Vila Pereira da Silva, a favela Julio Ottoni é uma ameaça ao verde. Os moradores de outra comunidade, a Vila Alice, foram recentemente retirados após o pagamento de uma indenização. Sem ter para onde ir, muitos acabaram se mudando para a vizinha Julio Ottoni.
No local onde ficava a Vila Alice está sendo feito atualmente o plantio de mudas, de até três metros de altura, de árvores frutíferas e de pau-brasil. O trabalho está sendo coordenado pela Secretaria municipal de Habitação.
Outra área onde a expansão de favelas cresce em ritmo acelerado é a da Barra e do Recreio, onde ainda há terrenos livres para construir. Segundo o IBGE, em quase uma década, de 1991 a 2000, a população de 29 favelas da região (que inclui ainda Itanhangá, Vargem Grande e Vargem Pequena) aumentou 123,5%. A favela de Rio das Pedras, por exemplo, ganhou uma dimensão impressionante. Em 1990 a comunidade ocupava 331.430 mil metros quadrados e, em 1999, a área chegou a 575.069, segundo o Instituto Pereira Passos.

O Globo, 10/06/2006, Rio, p. 28

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