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Pelo afastamento do presidente da Funai - Jorge Luiz Baldasso

Dourados Agora - www.douradosagora.com.br
Autor: Jorge Luiz Baldasso*
16 de Set de 2008

Há um ano atrás, quando uma tragédia aérea no aeroporto de Congonhas ceifou a vida de duas centenas de cidadãos brasileiros, causou indignação e revolta a revelação, em meio à comoção nacional, de que a pista daquele aeroporto teria sido liberada pela justiça em razão da apresentação, pela direção da ANAC - Agência Nacional de Aviação Civil - de um documento falso atestando as condições de segurança da mesma. Ou seja, existem fortes indícios de que aquele acidente, que causou tantas mortes, destroçou famílias e provocou sofrimentos imensos não tenha sido uma fatalidade mas o resultado da irresponsabilidade e inconseqüência de homens públicos ocupando funções para as quais não estariam preparados. Era uma tragédia que poderia ser evitada, não fosse a atitude absurda de quem, por ofício, teria a obrigação de zelar pela eficiência e segurança do transporte aéreo no país.

Os diretores daquele órgão seriam afastados, exonerados e indiciados cível e criminalmente, mas nada pode reparar as perdas de vidas e o sofrimento causado por aquele acontecimento lamentável.

Quando falamos em tragédias que aconteceram, imediatamente nos vem à mente o que poderia ter sido feito para evitá-las, o que deu errado e como proceder para que elas não mais se repitam. Isso se aplica a toda a nossa vida como sociedade (e não só aos meios de transporte). É uma atitude absolutamente necessária, mesmo porque a humanidade, desde que passou a registrar sua história, sempre procurou aprender com seus erros.

Hoje estamos vivenciando uma questão análoga em nosso estado, que, embora não tenha nada a ver com acidentes aéreos, prenuncia uma tragédia iminente. As portarias da Funai determinado vistorias em propriedades rurais para fins de demarcação de áreas indígenas, em uma região que já testemunhou inúmeros conflitos relacionados à posse de terra (com resultados quase sempre desastrosos) está provocando na população do sul do estado um clima de tensão e insegurança como há muito tempo não se via. Há fortes motivos para preocupação, mas o que mais surpreende é a falta de capacidade e bom senso das autoridades responsáveis ao lidar com uma questão tão delicada. Em uma região que tem sofrido inúmeros conflitos de terra, com invasões, ameaças, agressões e mortes nas mais variadas circunstâncias, envolvendo protagonistas das mais diversas esferas, a edição daquelas portarias não poderia ser mais imprópria, mesmo porque os índios em questão, sem saber ao certo do que se trata essa celeuma toda (e sem suspeitar de que talvez estejam sendo usados politicamente por militantes de esquerda e ONGs estrangeiras) já procedem invasões, aumentando a insegurança dos produtores rurais e colocando em questão a situação constitucional do direito a propriedade, criando um clima de tensão e medo que poderia resultar, a qualquer momento, em reações inesperadas das partes envolvidas.
Quem ganha com isso? E o que dizer daquelas portarias? Estariam elas fundamentadas em estudos sérios e isentos? Ou, como aventou nosso governador, estão baseadas em laudos antropológicos "fajutos"?

Vejam só o absurdo desta situação: estamos vivendo um momento de tensão desnecessária, baseada em estudos que talvez nem sejam sérios, com desdobramentos imprevisíveis. Por quê?

Já temos problemas demais por aqui! Por quê criar mais um? Quem se lembra da forma atabalhoada como foi feita a demarcação da região do Panambizinho (e o que virou aquilo hoje) sabe o que acontece quando autoridades públicas, armadas de poder e influência, mas sem medir conseqüências, tomam atitudes sem a necessária isenção e respaldo técnico, resultando em graves seqüelas na vida de toda uma comunidade (que o digam os colonos que foram expulsos de lá). Será que tudo vai se repetir? E em que proporções, já que agora se vislumbram propriedades em áreas muito mais extensas, abrangendo dezenas de municípios? Todos entregarão pacificamente suas propriedades e se disporão a reiniciar suas vidas com as magras indenizações pagas pela União, sabe-se lá quando?

Que interesses ocultos estariam por trás destas demarcações? E por quê logo aqui, em nosso estado, se há outros lugares onde a posse da terra indígena está devidamente documentada, sem que ninguém fale em desapropriação? Vejam o caso do município de Porto Seguro (do mesmo tamanho de Dourados), onde está registrado, há mais de quinhentos anos, a presença de índios no local (a carta de Pero Vaz de Caminha descreve detalhadamente grande quantidade de nativos completamente nus "exibindo suas vergonhas" observando, curiosos, a chegada dos invasores brancos). Se é para devolver o Brasil aos índios, que comecemos por lá (não precisa nem laudo antropológico); depois vamos vistoriar Salvador, Recife, Rio de Janeiro... São Paulo (já pensaram em desapropriar São Paulo?). Aqui no Mato Grosso do Sul a ocupação do homem branco só começou prá valer a partir do século XIX; por que a Funai, não obedece a ordem cronológica dos acontecimentos ao proceder as vistorias? Não parece discriminação contra nosso estado? E por quê não cuida melhor dos índios daqui, que já passaram por tantas dificuldades?

Somos um povo pacífico, ordeiro e trabalhador; não merecemos ser tratados desta forma! Precisamos desesperadamente de embaixadores da concórdia e não de fomentadores de conflitos; de homens que trabalhem pela justiça, e não pelo litígio. E, sobretudo, que não procedam em função de conceitos ideológicos ultrapassados, que não deram certo em lugar nenhum do mundo.

Há muitas formas inteligentes de se resolver problemas sem criar outros. Mas é preciso saber agir com um mínimo de juízo. O Brasil é um país que necessita desesperadamente de paz. Não podemos mais viver acuados, assolados pelo medo e a insegurança. O Estado de Direito precisa prevalecer!

Acredito, pois, que seja hora de nossas autoridades constituídas considerarem seriamente a necessidade do afastamento do presidente da Funai, pela forma desastrosa como conduziu esta questão, gerando um clima de instabilidade e insegurança que colocaria em risco a integridade física das partes envolvidas - índios e produtores rurais - o que, somado às dúvidas ainda não esclarecidas sobre a legitimidade daquele laudo antropológico, colocam em questão a capacidade daquele gestor em lidar com os complexos problemas inerentes à precária situação dos índios no país e os riscos sempre iminentes de conflitos.

É necessário que providências sejam tomadas antes que os ânimos se exaltem a níveis insuportáveis... antes que o caldeirão do conflito que está se formando exploda e passe a provocar vítimas (penso até, e espero estar errado, que haja quem deseje que isto ocorra). Não façamos como no episódio pavoroso do avião da TAM: antecipemo-nos à tragédia.

É hora de agirmos com responsabilidade, senhores. Precisamos de paz. Basta de conflitos!
Nós, cidadãos sul-matogrossenses, índios e não índios, merecemos ser tratados com mais respeito!

*Médico

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