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Pastorais reclamam de patrocínio da Vale

OESP, Vida, p. A12
22 de Fev de 2007

Pastorais reclamam de patrocínio da Vale
Empresa, que bancou despesas de lançamento da campanha sobre Amazônia em Belém, é acusada por organizações de destruição ambiental

Carlos Mendes

O secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), d. Odilo Scherer, abriu ontem na ilha do Combu, em Belém (PA), a Campanha da Fraternidade deste ano - cujo tema é Amazônia -, criticando a destruição da região pelo desmatamento ilegal, grilagem e conflitos de terra. "É uma insensatez, é falta grave de responsabilidade e de fraternidade", disse Scherer, para quem somente a fraternidade "promove a partilha e a sustentabilidade da vida na floresta".

Enquanto ocorria o lançamento da campanha "Amazônia, vida e missão neste chão", nove organizações de base da Igreja Católica divulgavam um manifesto protestando contra a participação da Companhia Vale do Rio Doce como patrocinadora do evento de Belém. Em nota, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), as Pastorais da Mulher, do Menor, da Juventude Rural, dos Migrantes e o Grito dos Excluídos criticavam a organização da campanha pela "ausência do povo", e "convites restritos", mas se concentravam em ataques à Vale. Ele dizem que a empresa é uma das principais responsáveis pela destruição ambiental e por conflitos com as populações tradicionais da região.

Outra acusação é de que a Vale tem problemas com índios e comunidades quilombolas (veja ao lado), além de movimentar seus fornos para produção de ferro-gusa com carvão vegetal de 300 mil hectares de florestas derrubadas.

A assessoria da Vale informou que a empresa não divulga os valores de eventos que patrocina. Para a empresa, o tema escolhido pela CNBB se identifica com a postura que a companhia adota, de preservação do meio ambiente.

D. Orani João Tempesta, arcebispo de Belém, explicou que a Vale financiou a transmissão do evento pela TV local, a estrutura do palco e o coral que participou do lançamento. "Não houve patrocínio de passagens nem de hospedagens", diz ele. "A Vale do Rio Doce não deu um centavo para a Campanha da Fraternidade. Eles cobriram apenas algumas despesas do lançamento. A minha passagem, por exemplo, foi paga pela CNBB", reafirmou d. Odilo.

Em 1997, o então arcebispo de Mariana (MG) e ex-presidente da CNBB, d. Luciano Mendes de Almeida (morto em 2006), lutou ardorosamente contra a privatização da Vale. Na época, Sérgio Motta, o ministro das Comunicações do governo FHC, chegou a insinuar que d. Luciano recebia dinheiro da Companhia. A CNBB divulgou nota de repúdio à afirmação.

D. Geraldo Majella, atual presidente da CNBB, comentou o paradoxo. "Tudo pode concorrer para o bem e para o mal. Quando existe boa vontade, pode concorrer para o bem. Não quer dizer que tudo que foi privatizado foi mal conduzido. É mal conduzido quando os bens são revertidos para lucro só de alguns. Neste caso, foi para o bem do País, para o povo."

POVOS DA AMAZÔNIA

D. Odilo explicou que a campanha se volta principalmente para os seres humanos que habitam a região. "O povo da Amazônia é vítima de esquecimento, discriminação e conflitos", observou. Na ocupação da terra e na exploração dos recursos naturais, muitas vezes, segundo ele, impera a lei do mais forte, pela "ausência ou ineficiência" do Estado e de suas instituições.

Em São Paulo, o administrador apostólico da Arquidiocese, d. Manuel Carral, rezou missa na Catedral da Sé. Ele reforçou que as ações governamentais na Amazônia não têm sido suficientes para coibir "a ganância da exploração desenfreada e não planejada das matas". "Há ação governamental, mas talvez ela não tenha sido suficiente. O Poder Público precisa ter mais presença lá."

Uma mensagem do papa Bento XVI foi lida em Belém. Ele convida os brasileiros a uma "mudança de vida", no sentido de assumir o compromisso de um maior cuidado com a natureza, em especial a Amazônia. O coordenador-executivo da campanha, padre José Carlos Tofolli, disse que a mensagem é um convite para "refletirmos sobre o bioma, grande berço de vida, e que a gente tem de aprender a cuidar para que, inclusive, seus habitantes possam ter uma vida mais digna".

Em Aparecida, 14 mil pessoas participaram da missa de lançamento da campanha, no Santuário Nacional, celebrada pelo arcebispo d. Raymundo Damasceno. Para ele, a campanha convida os brasileiros "a defender e promover a vida, não só no que se refere à natureza, mas, sobretudo, aos povos que vivem na Amazônia".

A QUESTÃO AMBIENTAL

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, participou do evento em Belém e disse que o governo está fazendo sua parte, combatendo crimes ambientais. "Já foram criadas 48 unidades de proteção e hoje temos mais de 20 milhões de hectares protegidos por lei", disse ela.

Representantes da Igreja e de movimentos sociais devem aproveitar hoje o lançamento da campanha em Belo Horizonte para retomar os protestos contra a transposição do Rio São Francisco.

Vale passa por crise com índios

Desde que foi privatizada, em 1997, a Companhia Vale do Rio Doce enfrenta problemas com comunidades indígenas da Amazônia. Só no ano passado houve três invasões. Em fevereiro, 200 índios guajajara bloquearam a Estrada de Ferro Carajás, paralisando o transporte de passageiros e cargas da CVRD. Na seqüência, funcionários foram seqüestrados.

Em outubro, cerca de 300 índios xicrins ocuparam terras da mineradora. Eles pediam mais recursos financeiros, em cumprimento a acordo firmado com a Vale para a passagem de uma ferrovia por suas terras. Em represália, a companhia suspendeu o pagamento. E alegou que os índios são muito dependentes desse tipo de verba. O presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, disse que a declaração era um jogo de cena com o qual a Vale tentaria se eximir das obrigações assumidas na privatização. "A Vale dá a entender que atende os índios por benevolência, mas trata-se de uma obrigação", disse.

OESP, 22/02/2007, Vida, p. A12

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