VOLTAR

Pastagens ocupam metade das áreas desmatadas

Valor Econômico, Caderno Especial, p. F2
19 de Set de 2014

Pastagens ocupam metade das áreas desmatadas
Agricultura toma 40 mil km², ou 5,4% do total devastado

Sergio Adeodato
Para o Valor, de Belém

A Amazônia perdeu ao longo da história quase 20% de floresta. Da área até hoje desmatada, 46% estão ocupados por pastagens, de acordo com o projeto de monitoramento Terra Class, operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Embrapa. A agricultura se estende por 40 mil km², o que representa 5,4% da floresta perdida. A boa notícia é que quase um terço da região impactada guarda vegetação nativa em processo de recuperação natural. "Depois da pecuária e da agricultura de larga escala, a principal frente de desmatamento está nos assentamentos rurais", ressalta o procurador da República Daniel Azeredo Avelino, do Ministério Público Federal (MPF), em Belém, no Pará.
A especulação de terra pública ocupada por grileiros é, muitas vezes, a base do ciclo destrutivo. Há esquemas para burlar o sistema de alerta por satélite e quando a fiscalização chega muitas vezes já não há o que fazer. Em pouco tempo a floresta é convertida em pastagem. "Como a vigilância falha, a estratégia mais eficiente é promover acordos setoriais para o controle do desmatamento em cada cadeia produtiva, como ocorre há cinco anos com a pecuária no Pará", afirma Avelino.
O mecanismo obrigou o registro das propriedades no Cadastro Ambiental Rural (CAR) sob a pena de embargo. Como reforço, o governo estadual criou um programa, o Municípios Verdes, no qual o crédito rural é facilitado para aqueles que menos desmatam. O plano atual, segundo Avelino, é replicar a iniciativa na produção de grãos no Pará.
O Mato Grosso lidera a degradação florestal na Amazônia pelo sétimo ano consecutivo desde que o impacto começou a se medido pelo Inpe, em 2007. Os últimos dados do sistema Degrad, obtidos por imagens de satélite, registraram no Estado 2,1 mil km² de mata que não chegaram a ser totalmente derrubados, mas foram castigados por sucessivos impactos da exploração predatória de madeira, em 2013. Após a retirada das espécies madeireiras de valor, grande parte das áreas alteradas é suprimida nos anos seguintes para plantação de pastagens ou culturas agrícolas. De acordo com o levantamento, que detecta a destruição progressiva da Floresta Amazônica antes do corte completo, o problema atingiu no ano passado 5,5 mil km² em todos os Estados da região, com declínio em relação a 2012.
No mosaico de esforços, a ordenação territorial, com a criação de parques e outras áreas naturais protegidas, é apontada como chave para frear a destruição florestal. Entre 2004 e 2008, o plano de combate ao desmatamento do governo transformou 50 milhões de hectares em unidades de conservação. Mas poucas saíram do papel. Recente relatório do Tribunal de Contas da União aponta que 40% das unidades de conservação da Amazônia têm baixo grau de implementação - ou seja, não têm definição de usos ou estrutura de fiscalização e visitação, e assim não contribuem como deveriam para o desenvolvimento sustentável.
A falta de governança de terras públicas abre a porta para a grilagem. Na região, há mais de 60 milhões de hectares de áreas federais e estaduais sem destinação de uso. Uma câmara técnica do governo dedicada ao tema repassou 1 milhão de hectares ao Ministério do Meio Ambiente para a criação e áreas protegidas. Mas nenhum novo parque ou reserva ecológica federal foi criado na Amazônia nos últimos quatro anos

Cadastramento rural ajuda a limitar as ocorrências
Dos 144 municípios paraenses, 104 aderiram ao Municípios Verdes e seis saíram da lista de desmatadores

"Não existe bala de prata contra o desmatamento", afirma Justiniano de Queiroz Netto, gestor do Programa Municípios Verdes (PMV) do governo do Pará, que tem como meta zerar o desmatamento no Estado até 2020. Mesmo distante da solução cabal - de agosto de 2013 a julho de 2014 o número de alertas de desmatamento aumentou em 22% no Estado - as ações do programa criado em 2011 têm bons resultados e ajudam o Pará a vislumbrar um horizonte mais claro em sua relação com a floresta.

Nos três primeiros anos do PMV, a retirada de cobertura vegetal nativa no Pará caiu 21%, enquanto a redução média na Amazônia Legal foi de 9%. De agosto de 2013 a janeiro de 2014, o recuo alcançou 30% no Estado, segundo dados do Sistema de Detecção do Desmatamento na Amazônia Legal em Tempo Real, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Um passo decisivo para a eficiência das ações de combate e contenção foi o avanço do Estado na adesão ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), do Ministério do Meio Ambiente. Em 2013, cerca de 37 mil imóveis rurais ingressaram no cadastro, totalizando mais de 105 mil imóveis rurais - ou 60% da área cadastrável no Estado. O CAR possibilita a gestão in loco das ocorrências observadas por satélite e o controle dos limites das áreas produtivas e restritas em cada propriedade. "O desmatamento está aumentando e nós sabemos onde. (O combate) é uma agenda que depende de estratégias", diz Netto.

Em um Estado com área equivalente a duas vezes o território da França, a municipalização da gestão ambiental é a chave do programa. A proposta do PMV é articular municípios, sociedade civil, iniciativa privada, Ibama e os Ministérios Públicos Federal e Estadual no combate ao desmatamento e no incentivo à produção rural sustentável. "Tudo começa com um pacto com a sociedade local, que deve entender que desmatamento não é sinônimo de desenvolvimento; que o desenvolvimento está ligado à sustentabilidade", afirma Justiniano Netto.

A adesão ao programa é voluntária. Porém, o ingresso ocorre por meio da assinatura do 'Pacto pelo Desmatamento Zero', junto ao Ministério Público Federal, o que garante estabilidade jurídica e política para a continuidade do programa. "O município não pode desistir de forma unilateral", explica.

O secretário municipal de Meio Ambiente de Paragominas, Felipe Zagalo, afirma que o documento torna o compromisso do município impessoal: "A pressão pelo aumento de áreas é enorme, mas nenhum prefeito quer estar envolvido com o desmatamento", diz.

Dos 144 municípios paraenses, 104 aderiram ao Municípios Verdes. Seis conseguiram sair da lista dos desmatadores da Amazônia mantida pelo Ministério do Meio Ambiente. Outros cinco estão próximos de deixar o rol, que, entre outras penalidades, impede o acesso a financiamento e embarga o comércio da produção rural local.

O Programa Municípios Verdes atua em duas frentes: a articulação interinstitucional e a regulação ambiental. A articulação inicia com a criação de um comitê gestor para estabelecer metas e estratégias em cada município. Também envolve ações de impacto local, como o estabelecimento do licenciamento ambiental em nível municipal, o treinamento de pessoal e o acesso do município ao sistema de CAR da Secretaria do Meio Ambiente do Pará.

O PMV funciona como secretaria especial da Casa Civil e, do ponto de vista da regulação, atua na revisão e atualização das normas de sustentabilidade no estado. O Governo do Pará criou em 2013 o ICMS Verde, que repassa aos municípios parte da arrecadação com o tributo estadual, de acordo com critérios ambientais. Também no ano passado, um decreto governamental garantiu aos municípios participantes do programa acesso a um processo especial de regularização fundiária, condicionado ao cumprimento das metas do programa.

A experiência de Paragominas foi a inspiração para o PMV. O município de 103 mil habitantes no Leste do Pará ocupou o posto de maior desmatador do Brasil e em dois anos virou o jogo para se tornar referência em sustentabilidade. Para isso assumiu plenamente a gestão ambiental. "Depois da municipalização, todos os nossos problemas são resolvidos aqui e com mais agilidade", afirma Zagalo.

O sistema de emissão de licença ambiental por meio de audiências é um exemplo da inovação do município. O primeiro encontro é marcado para cerca de 20 dias após o processo ser protocolado pelo proprietário. Fábio Patto Kanegae, diretor administrativo da New Agro Comércio e Representações obteve em agosto a licença para um projeto da empresa. Ele afirma que, além de ajudar no planejamento, o procedimento traz segurança e evita problemas com fiscalização: "Todas as confrontações, limites e formas legais do projeto são tratados na audiência e você sai sabendo de fato o que pode fazer na propriedade", afirma. "Da entrada à liberação não deu 60 dias. Antes, quando era em Belém, chegava a levar mais de um ano", conta.

Nos próximos meses, o Programa Municípios Verdes se prepara para expandir a atuação, com foco sobretudo nos municípios menos povoados ou com dificuldades orçamentárias. O programa aprovou junto ao Fundo Amazônia do BNDES um projeto no valor de R$ 82,4 milhões para realizar e entregar ações direto ao produtor sem onerar o município. Da primeira parcela já na conta do programa, R$ 10 milhões serão licitados para a realização do CAR.

O projeto prevê a criação de 11 bases locais para atender de três a quatro municípios cada. "O Pará é grande e pretendemos ter essa capilaridade por meio de consultorias", explica Justiniano Netto.

Valor Econômico, 19/09/2014, Caderno Especial, p. F2

http://www.valor.com.br/agro/3702164/pastagens-ocupam-metade-das-areas-…

http://www.valor.com.br/agro/3702144/cadastramento-rural-ajuda-limitar-…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.