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Parlamento russo aprova adesao ao Protocolo de Kyoto

OESP, Vida, p.A24
23 de Out de 2004

O parlamento indígena
Há certas idéias absurdas que é melhor atalhar no nascedouro. Uma delas é a do presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, defendida em entrevista concedida à jornalista Mariana Caetano e publicada domingo pelo Estado, de criar um Parlamento Indígena - isso mesmo, um Poder Legislativo constituído exclusivamente por indígenas. O embrião da instituição seria a Conferência Nacional dos Povos Indígenas, que a Funai promoverá em abril, reunindo 750 delegados de 230 "povos". Em seguida, segundo os planos do presidente da Funai, seriam criadas cotas para índios no Congresso Nacional e, em cinco anos, calcula ele, o Parlamento Indígena estaria consolidado.
A menos que não atribua às palavras que pronuncia o seu significado exato - e não imagine as conseqüências das idéias que prega -, o presidente da Funai está preparando a secessão do País. Pois não se concebe a criação de um parlamento étnico, funcionando à parte do Congresso Nacional, a não ser para dar autonomia política a seus representados.
Mas, justiça seja feita, não deve ser isso o que o antropólogo Mércio Gomes Pereira pretende - ainda que a formação de um Estado indígena destacado do Estado brasileiro seja do agrado de algumas pessoas, aqui e no exterior. O presidente da Funai já disse que os índios têm "terras demais" e, diante da reação virulenta de antropólogos, indigenistas e missionários, explicou-se a ponto de já não se saber o que ele quis dizer.
Ele também considera que, a respeito "dos direitos indígenas, temos o melhor artigo de Constituição já feito em relação à proteção. O conceito de tradicionalidade e direito originário não existe em outro país". Fosse tão bom, o tal artigo (231), e seu parágrafo 1o, não estaria sendo interpretado com tamanha latitude, a ponto de o governo considerar terra indígena qualquer pedaço que, um dia, tenha sido percorrido por um indígena - quando a letra da Carta é muito mais restritiva.
E, se fosse para respeitar a Constituição, o presidente da Funai não falaria em "povos" indígenas. A Constituição Cidadã só reconhece, no Brasil, a existência de um único povo: o brasileiro. E, assim como consagra a união do ecúmeno, a Carta proclama a indivisibilidade do território brasileiro. Portanto não há espaço, na ordem constitucional brasileira, para aventuras como as propostas pelo presidente da Funai.
Nos Estados Unidos, alguns povos indígenas tinham uma organização política e social sofisticada - por exemplo, a Confederação dos Seis Povos dos Grandes Lagos tinha, no século 17, instituições mais avançadas do que as da maioria dos países europeus - e por isso foram tratados como nações soberanas, com as quais se firmavam acordos e tratados. Em tempos recentes, a Suprema Corte americana reconheceu o estatuto privilegiado das tribos. Na Colômbia, onde 20% da população é constituída por índios, eles têm lugares reservados no Parlamento. Em alguns países da América Central, de população predominantemente indígena, algumas comunidades têm relativa autonomia administrativa.
Mas essas são situações inteiramente diferentes da brasileira. Não faz sentido comparar, como fez o presidente da Funai, o caso da Colômbia com as condições do Brasil. Aqui, os indígenas correspondem a 0,3% da população nacional.
O problema é que, graças mais à generosidade do que ao descortino dos legisladores e ao ativismo das organizações laicas e confessionais que defendem a "causa indígena", essa população diminuta - que corresponde à de uma cidade de médio porte - controla 12,5% do território nacional. Trata-se de uma área equivalente aos territórios da França e da Alemanha somados. E a Funai e as ONGs não se satisfazem com isso. Se as demarcações em curso forem concluídas até o final do ano, como esperam, os indígenas terão 13,5% do território brasileiro.
As populações indígenas têm o direito incontestável de preservar seus usos e costumes e suas línguas. E de receber assistência governamental, quer desejem manter-se em relativo isolamento, quer prefiram integrar-se à vida nacional. Mas as peculiaridades acabam aí. Não podem os indígenas, por inspiração de quem quer que seja, arvorar-se em nação soberana, com direito a um parlamento próprio ou a cotas no Congresso Nacional.
OESP, 19/02/2006, p. A3

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