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Pareceres apontam irregularidades na usina de Teles Pires

Valor Econômico, Empresas, p. B3
26 de Mai de 2015

Pareceres apontam irregularidades na usina de Teles Pires

Daniel Rittner

Acusado de descumprimento de uma série de condicionantes estabelecidas na licença ambiental, o consórcio responsável pela construção e operação da usina de Teles Pires pode receber multas pesadas por causa de supostas irregularidades detectadas no enchimento do reservatório da hidrelétrica, que ocorreu na virada do ano. O Ibama e o Ministério Público Federal (MPF) têm investigações abertas para apurar por que os empreendedores não teriam cumprido rigorosamente o plano de desmatamento da área inundada e nem comunicado previamente a autarquia ambiental sobre a morte inesperada de uma tonelada de peixes.
O empreendimento, localizado no Mato Grosso e um dos maiores da região amazônica, tem 1.820 megawatts (MW) de potência instalada. A Companhia Hidrelétrica do Teles Pires (CHTP) fez investimentos de R$ 4 bilhões na usina, que está pronta e só não pode gerar energia porque depende do escoamento de uma linha de transmissão que atrasou.
Um dos grandes receios é a repetição - ainda que em proporções muito menores - da tragédia ambiental ocorrida na usina de Balbina, no Amazonas, construída na década de 1980. Não houve retirada das árvores antes da inundação e o lago transformou-se em um caldo de gases-estufa, devido à liberação de metano pela matéria orgânica acumulada debaixo da água. O reservatório de Teles Pires representa menos de 5% da área alagada de Balbina, mas a lembrança daquela catástrofe serve de advertência.
Logo após o enchimento do reservatório, entre dezembro e janeiro, surgiram as primeiras denúncias de que o consórcio não havia feito a retirada de toda a vegetação. Dois pareceres do Ibama, obtidos pelo Valor, reforçam a suspeita de que houve irregularidades. O MPF em Mato Grosso abriu um procedimento para investigar o caso, que está sob cuidados do procurador Marco Antônio Barbosa, e mobilizou seus peritos para fazer uma inspeção.
O primeiro relatório do Ibama, de 13 de março, descreve uma vistoria feita pelos técnicos da autarquia no mês anterior.
Segundo o relatório, as informações prestadas pelo consórcio "omitiram o fato de que não havia ocorrido supressão de vegetação em várias áreas nos braços laterais do reservatório, como regiões de ilhas, áreas alagadiças, regiões com árvores e palmeiras esparsas". Os fiscais apontaram ainda que documentos enviados pela CHTP garantiam que "todo o material lenhoso comercial seria arrastado e armazenado para fora da bacia de acumulação", mas foram encontrados oito pátios de estocagem alagados e material flutuando na água, em alguns pontos do lago.
No segundo parecer, firmado no dia 13 de abril, a autarquia afirma ter requerido imagens de satélite de alta resolução, imediatamente antes e logo depois do enchimento do reservatório, para compará-las e concluir se houve ou não o corte das árvores.
O segundo relatório aponta três medidas que podem ser tomadas. Uma é a indicação de multa para o empreendedor. Outra é a eventual retirada da vegetação submersa. A terceira hipótese é uma intensificação do monitoramento da qualidade da água, ou seja, com novos pontos de amostragem. "A vegetação submersa levará muito tempo para se decompor, o que aumentará a probabilidade de ocorrer eventos de morte de peixes, devido às variações das condições termoclimáticas com possíveis deficiências de oxigênio", diz o parecer, assinado pelo coordenador de energia hidrelétrica do Ibama, André de Lima Andrade.
Na virada do ano, entre a segunda quinzena de dezembro e a primeira metade de janeiro, foram contabilizados 549 quilos de peixes mortos - evidenciando baixa concentração de oxigênio na água. Eram tucunarés, trairões, pacus-prata e espécies menores, como piabas e lambaris. A mortandade continuou e chegou a uma tonelada em fevereiro. O Ibama alega que só tomou conhecimento do problema quando seus fiscais visitaram a usina.
"Entende-se, claramente, que não ocorreu a necessária e prévia comunicação a essa autarquia, dada a relevância dos fatos ocorridos", diz um dos relatórios. Para os analistas, poderia ter havido mitigação do problema com o uso de compressores de ar, mas eles levantam a possibilidade de que os equipamentos não estavam disponíveis em quantidade suficiente.
Procurada pelo Valor, a assessoria de comunicação da CHTP informou que, em algumas áreas, não houve a necessidade de suprimir a vegetação. "Esse procedimento foi importante, entre outros fatores, para garantir a fuga e o resgate de animais; a manutenção e estabilização das encostas e barrancos no entorno do lago; além de servir de berçário para os futuros peixes do reservatório."
De acordo com o consórcio, antes do enchimento do reservatório, um estudo de modelagem da qualidade da água definiu as áreas a serem suprimidas. "Em seguida, foi executado o trabalho de supressão vegetal, que incluiu o corte e a retirada do material lenhoso das áreas definidas pelo estudo", disse a CHTP, por meio da assessoria. "Ao todo, quatro empresas foram contratadas para realizar o trabalho de supressão, tanto no canteiro de obras quanto no reservatório. Essa limpeza foi executada conforme as orientações definidas no estudo de modelagem da qualidade da Água, e nas autorizações de supressão da vegetação (ASVs) aprovados pelo Ibama."
"Já o material lenhoso, retirado das áreas suprimidas, foi direcionado para os pátios de estocagem e encontra-se aguardando a inspeção e liberação pelo órgão licenciador, que indicará a sua destinação final", concluiu o consórcio.
A CHTP, que arrematou o leilão da usina no fim de 2010, tem quatro acionistas: Neoenergia (50,1%), Eletrosul (24,5%), Furnas (24,5%) e Odebrecht (0,1%).

Valor Econômico, 29/06/2015, Empresas, p. B3

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