VOLTAR

Pais opta por energia cara e poluidora

OESP, Economia, p.B3
31 de Out de 2005

País opta por energia cara e poluidora
Com dificuldade em conseguir licenças ambientais para hidrelétricas, governo e investidores se voltam para usinas termoelétricas
Renée Pereira
No País com o maior potencial hídrico do mundo, as usinas termoelétricas podem ser a saída para evitar uma possível crise de abastecimento de energia. Com dificuldades para obter a licença ambiental prévia das hidrelétricas, o governo voltou as atenções para a eletricidade gerada a partir do óleo diesel, óleo combustível, gás natural e carvão, cuja energia é mais cara e o processo de produção mais poluidor.
Até a semana passada, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia, havia protocolado 166 térmicas interessadas em participar do leilão de energia nova, marcado para 16 de dezembro. Juntas, elas teriam capacidade para gerar 47 mil megawatts (MW) de energia. Enquanto isso, apenas 44 hidrelétricas e 23 Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) estavam na lista para disputar o leilão.
Entre elas, estão as 13 usinas que ainda serão concedidas ao mercado e as unidades que foram licitadas no governo passado e não tinham contrato de venda de energia até a publicação do novo modelo do setor elétrico. Algumas já estão em funcionamento e outras em construção. Mas há também aquelas que continuam no papel por causa dos problemas ambientais. Das concessões que serão dadas neste ano, apenas cinco têm licença ambiental.
As demais, se não conseguirem autorização até 6 de dezembro, ficarão fora do leilão. Essa regra vale para todos os empreendimentos que participarão do evento, sejam térmicas ou hidrelétricas. O presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, ressalta, no entanto, que as usinas protocoladas ainda passarão por uma análise e somente participarão do leilão se forem competitivas.
Além disso, as térmicas devem funcionar como complemento às hidrelétricas existentes. Ou seja, funcionariam em momentos críticos. As empresas receberiam uma receita fixa para remunerar o investimento. Mas se houver necessidade de a usina entrar em operação, o governo (leia-se consumidor) pagará o combustível. Para especialistas, os problemas de abastecimento já começariam em 2009, por causa da paralisia nos investimentos, e exigiriam a entrada em operação das térmicas. Apesar disso, o governo descarta a possibilidade de uma nova crise, como a que levou ao racionamento em 2001.
GÁS
Na avaliação do diretor do Departamento de Infra-Estrutura da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Luiz Gonzaga Bertelli, de repente surgiram dois mundos diferentes: um sem crises, desenhado pelo governo, e outro cheio de incertezas. Ele é cético quanto às garantias apresentadas: "O governo estava fazendo seu planejamento em cima de térmicas a gás, embora ninguém mais ignore a falta de oferta do combustível."
Por esse motivo, o governo quer levantar a bandeira de termoelétricas bicombustíveis, movidas a gás natural e diesel, por exemplo, completa Flávio Neiva, presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage). Ele alerta que, além do custo elevado do diesel, o País não tem logística para entregar o combustível. De acordo com os dados da EPE, 76 térmicas movidas a óleo diesel e 62 a óleo combustível foram protocoladas para participar do leilão.
"Há uma inundação de candidatos com as energias mais poluidoras possíveis", reclama o vice-presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace), Eduardo Carlos Spalding. Do ponto de vista de competitividade, acrescenta, o País está dando um tiro no pé.
Segundo o executivo, as 17 hidrelétricas escolhidas pelo governo para licitar neste ano não são os melhores aproveitamentos do País. Quatro delas já foram até descartadas do leilão por causa das dificuldades ambientais. "Ou tornamos viável o inventário de usinas boas e grandes, ou teremos de encher o País de térmicas", avalia.
Na opinião do professor da Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás, o problema é que não deu certo a determinação do governo de obter licenciamento prévio de hidrelétricas antes das concessões. "Temos uma pressão ambiental muito forte e que precisa ser solucionada, senão corremos o risco de ficarmos sem luz", afirmou, ressaltando que os órgãos ambientais estão fazendo o papel deles.
Indagado se está no grupo dos especialistas que acreditam em racionamento a partir de 2009, Pinguelli responde que não: "Estou entre os especialistas que pensam que o País terá problemas de energia já a partir de 2008". Mas ele afirma que isso dependerá do cenário econômico. Uma melhora na renda da população, diz, tem impacto imediato no consumo de energia elétrica. Isso porque as pessoas passam a comprar mais eletroeletrônicos.
Para Pinguelli, o governo precisa começar a pensar nas grandes hidrelétricas, como as do Rio Madeira e Belo Monte, no Rio Xingu. Mas, nos dois casos, as licenças ambientais são grandes obstáculos à construção.

País terá energia ao menos até 2009, diz MME
A oferta a partir de 2010 dependerá o sucesso dos leilões que deverão ser realizados ainda este ano
Gerusa Marques
O abastecimento de energia elétrica do País está garantido até 2009, mas o suprimento a partir de 2010 depende do sucesso de leilões que serão realizados ainda este ano. Munido de números, o secretário de Energia do Ministério de Minas e Energia (MME), Ronaldo Schuck, rebateu as previsões do setor privado de que há risco de um "apagão" em 2009.
Segundo o secretário, ao longo dos próximos cinco anos o sistema elétrico receberá 13 mil megawatts adicionais. Até o final de 2007, entrarão em funcionamento 7.491 quilômetros de novas linhas de transmissão.
Somado a isso, o Brasil dispõe atualmente de uma sobra de 7 mil megawatts de energia. De acordo com dados do Ministério, o consumo energético está em cerca de 49 mil MW médios, abaixo da produção, que é de 56 mil MW médios. Com a previsão de aumento do gasto de energia de 5% ao ano, considerando uma projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 4% em média, seria necessária uma entrada anual de 2.500 MW de energia nova.
Pelas previsões do Ministério, no próximo ano, já está assegurada a entrada de 5.345 MW, seguidos de 2.976 MW em 2007, 816 MW em 2008 e 869 MW em 2009. "Até 2009 está plenamente atendido, mesmo que entrem 800 MW, com a sobras vamos preenchendo esse atendimento", afirmou.
Para garantir o abastecimento a partir de 2010, no entanto, o governo terá de contar com a energia que será produzida por usinas que ainda serão leiloadas no fim do ano, com previsão para entrarem em operação no prazo de cinco anos. Das 17 hidrelétricas previstas inicialmente, apenas cinco têm licença ambiental. "Em 2010 há a necessidade de entrada de novos projetos e aí o leilão de novas hidrelétricas preencherá essa lacuna", admitiu. Ele não informou quantas usinas entrarão no leilão, mas disse que muitas estão em via de conseguir as licenças. Schuck explicou que no leilão do fim do ano também serão ofertadas usinas com prazo de implantação menor, de três anos, a maioria termelétrica.
A entrada em operação de novas linhas de transmissão no sistema elétrico é considerada pelo secretário como um grande reforço. "Algumas dessas linhas fazem papel de verdadeiras usinas", afirmou. Ele citou como exemplo a linha Londrina-Assis-Araraquara, que será inaugurada neste mês, ligando São Paulo ao Paraná. O que vai aumentar de 4 mil MW para 5 mil MW o intercâmbio de energia entre as duas regiões. Em 2006, entra em operação a linha Colina-Sobradinho, que permitirá a troca de 1 mil MW de energia entre as regiões Norte e Nordeste. "São linhas simbólicas", afirmou.
A boa situação dos reservatórios que abastecem as hidrelétricas também é apresentada pelo governo como uma garantia de abastecimento pelo menos até 2007. Em 2004, 90% da energia consumida no País foram produzidos por usinas hidrelétricas. "Ter reservatório cheio garante segurança e preço mais baixo", afirmou. Nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, os reservatórios estão com 62% da capacidade, bem acima do limite de risco 25%.
Schuck discordou da afirmação feita nesta semana pelo diretor da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Eduardo Spalding, de que nos últimos anos não houve nenhuma usina entrando em operação. "É uma informação furada", disse. Segundo ele, em 2003, 4.022 MW de usinas novas entraram no mercado e em 2004 foram 4.228 MW. Essas usinas foram licitadas no governo passado e o primeiro leilão de energia nova, seguindo as regras do atual modelo, realizado neste ano.
Outra crítica de especialistas do setor é quanto ao fornecimento de gás para termelétricas, considerado por eles insuficiente. O secretário disse que é um problema momentâneo e que está sendo resolvido pela Petrobrás.

Novas regras e impostos desanimam autoprodutor
Os autoprodutores investiram pesado no setor elétrico nos últimos anos para garantir seu consumo de energia e manter a competitividade de seus produtos no mercado interno ou externo. Boa parte dessas empresas é eletrointensiva no uso da eletricidade, que tem grande participação no custo do produto. Por isso, temendo uma alta exagerada das tarifas, resolveram injetar dinheiro no setor elétrico. Mas o ânimo dessas companhias tem diminuído com as mudanças de regras, elevada carga tributária e problemas ambientais.
Segundo a Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia Elétrica (Abiape), atualmente há 42 empreendimentos desse grupo de investidores em funcionamento no sistema brasileiro, com capacidade de 4,7 mil megawatts (MW) de energia, entre hidrelétricas, pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e térmicas. Outras 9 usinas (2,6 mil MW) estão em construção e 10 projetos (3,7 mil MW) ainda não saíram do papel.
"Os maiores projetos não têm viabilidade econômica e perderam competitividade", afirma o diretor-presidente da entidade, Mário Luiz Menel da Cunha. De acordo com ele, as empresas conseguiram a concessão dessas usinas em circunstâncias e legislação diferentes.
Hoje, as novas regras do setor definem como vencedor da concessão quem oferecer a menor tarifa. Mas, pelas regras antigas, ganhava a concessão quem oferecesse o maior preço pelo Uso do Bem Público (UBP). Agora, o governo precisa definir a fórmula de transição do UBP do antigo para o atual modelo, para não inviabilizar economicamente os projetos licitados no passado. Na área de geração hidrelétrica, o valor do UBP corresponde ao uso da água dos rios.
Além disso, as questões ambientais têm criado um enorme grau de incerteza e elevado consideravelmente o custo do projeto. A Usina de Barra Grande, entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, por exemplo, começou com um projeto ambiental na casa de R$ 100 milhões e terminou em R$ 400 milhões, diz Menel.
Algumas empresas já teriam manifestado interesse em devolver concessões ao governo ou repassar as usinas a outros empreendedores. Entre as hidrelétricas problemáticas estão Serra do Facão, que não teria viabilidade econômica, Salto Pilão, Estreito e Santa Isabel. Essas duas últimas têm grandes problemas ambientais. "Hoje é mais vantajoso ser cliente cativo das distribuidoras ou consumidor livre no mercado do que ser autoprodutor", avalia Menel.
Mas o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, acredita que os autoprodutores, apesar das reclamações, sejam os principais candidatos no leilão do final do ano. "Quero ver se eles mantêm essa postura no leilão de energia nova", afirmou ele, na semana passada, antes de evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

OESP, 31/10/2005, p. B3

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.