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PAC 3 deve enfrentar gargalos ambiental e de construção civil

Valor Econômico, Brasil, p. A4
12 de Set de 2023

PAC 3 deve enfrentar gargalos ambiental e de construção civil
Empresas dizem que nada mudou no licenciamento desde o PAC 1 enquanto ambientalistas criticam flexibilização de regras

Por Taís Hirata e Murillo Camarotto - De São Paulo e Brasília 12/09/2023

A terceira edição do Programa de Aceleração do Crescimento, batizado como Novo PAC, uma das apostas do governo Lula para alavancar o crescimento da economia, deverá enfrentar gargalos na execução das obras. Entre os desafios centrais a serem considerados pelo programa, estão o processo de avaliação ambiental dos empreendimentos e a capacidade - financeira e operacional - das construtoras do país, além da qualificação de mão de obra, na visão de especialistas e representantes do setor de infraestrutura ouvidos pelo Valor.

A forma como se dá no país o processo de licenciamento ambiental, do qual as obras do PAC dependem para se tornar realidade, divide opiniões. Enquanto a demora e a complexidade dos licenciamentos são a principal preocupação do setor privado, ambientalistas temem que uma flexibilização do processo afrouxe controles. Especialistas da área ambiental citam ainda que o licenciamento tem problemas de governança e manifestam o receio de que o Novo PAC traga de volta empreendimentos com alto impacto socioambiental.

"A coordenação [do licenciamento] é conflitada, com vários órgãos, muitas vozes que não têm alinhamento, não há concentração de interesses. É um problema histórico e um desafio que temos", diz Fernando Vernalha, advogado especialista em infraestrutura. Joana Chiavari, diretora de pesquisa do Climate Policy Initiative/PUC-Rio, complementa: "Projetos de infraestrutura são importantes vetores de desenvolvimento, mas também podem gerar efeitos negativos". Para o instituto, um problema central é que a análise ambiental ocorre em momento tardio do processo. "Não dá para esperar que todos os projetos cheguem à fase de licenciamento para questionar, pela primeira vez, se eles são viáveis ambientalmente", diz Chiavari.

Para a pesquisadora da PUC-Rio, uma forma de tornar o processo de licenciamento mais efetivo é incluir essa avaliação desde o planejamento inicial, para evitar que projetos de baixa qualidade e sem viabilidade avancem e gerem problemas de implementação: "É preocupante essa ênfase apenas no processo de licenciamento. Como se ele, sozinho, ainda que aperfeiçoado, fosse capaz de garantir uma boa implementação".

O governo divulgou uma série de medidas institucionais que estão sendo avaliadas para melhorar a execução do programa. Entre elas, há um capítulo específico para a questão do licenciamento ambiental. O texto fala em simplificação de procedimentos e aumento da previsibilidade, mas as medidas concretas nesta direção ainda não estão claras para os especialistas.

Entre as ações previstas pelo Novo PAC está a revisão da Lei Complementar 140/11, que regula as atribuições de cada ente federativo no licenciamento ambiental. Segundo o governo, a ideia é "trazer mais clareza à distribuição de competências sobre o licenciamento ambiental nas diferentes esferas administrativas". O governo também fala na modernização e integração dos sistemas de licenciamento ambiental federal para dar maior eficiência e transparência.

Um dos coordenadores do PAC, o secretário especial de articulação e monitoramento da Casa Civil da Presidência, Mauricio Muniz, diz que os órgãos ambientais foram permanentemente consultados no processo de elaboração do programa e disse que estão "alinhados". "Houve uma intensa interlocução, tanto para as medidas institucionais quanto para as obras. Os empreendimentos mais polêmicos ou complexos do ponto de vista do licenciamento e que não estavam maduros não entraram [no PAC] como obra", disse Muniz. E acrescentou: "Também vamos retomar a política de priorizar as obras do programa na hora do licenciamento". Ele afirmou ainda que há decisão para aumentar a capacidade dos órgãos ambientais por meio da contratação de novos servidores.

O Ibama destaca que, atualmente, trabalha com 53% do quadro de servidores do órgão e que, neste momento, está em processo de reforço da equipe, buscando aumentar a capacidade operacional.

Natália Marcassa, CEO do MoveInfra, não vê avanços no arcabouço do licenciamento: "As regras [de licenciamento] são as mesmas do PAC 1. Por esse regramento, voltaremos a ter os mesmos problemas do passado". A MoveInfra reúne as principais empresas de infraestrutura com capital aberto. Antes, a executiva teve passagens pelos governos de Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro.

"O problema do licenciamento não é ser rigoroso. É ter o mesmo rigor para projetos na Amazônia e na avenida Paulista. Deveríamos ter uma lógica entre potencial degradador e medida compensatória, o que não há no nosso arcabouço", diz Marcassa. E complementa: "Então, não se faz licenciamento de infraestrutura em menos de três anos". O Valor enviou perguntas ao Ibama sobre as críticas do setor privado ao processo de licenciamento, mas não obteve respostas até a conclusão desta edição.

O MoveInfra, assim como boa parte das empresas e entidades representativas do setor de infraestrutura, tem manifestado apoio ao PL 2.159/21, em tramitação no Senado. O texto, aprovado em maio de 2021 pela Câmara dos Deputados, flexibiliza as regras de licenciamento e é alvo de críticas de ambientalistas. Uma nota técnica do Instituto Socioambiental (ISA) e do Observatório do Clima questiona uma série de pontos do texto, como a dispensa de licenciamento para diversas atividades potencialmente impactantes, e afirma que, se aprovado sem alterações, o projeto vai gerar intensa judicialização e insegurança jurídica.

"A eventual aprovação do PL 2.159/21, da forma como está, tem o potencial de praticamente acabar com o licenciamento ambiental, principal instrumento da política nacional do meio ambiente, com consequências graves e irreversíveis como a proliferação de desastres ambientais, o aumento do desmatamento na Amazônia e outros biomas e danos à saúde da população. Quando não havia licenciamento, bebês nasciam anencéfalos em Cubatão/SP [décadas de 1970 e 1980], por exemplo", diz Mauricio Guetta, consultor jurídico do ISA.

Empreendimentos mais complexos não entraram no PAC como obra"

Venilton Tadini, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), engrossa o coro em defesa do projeto em tramitação no Congresso e também vê riscos de o licenciamento voltar a ser um fator de atrasos e paralisações de obras. Defende, ainda, a maior integração entre os órgãos públicos envolvidos na análise e concessão de licença ambiental. "O PL está no caminho certo para que você consiga ter a agilidade necessária. Harmonizar a agenda [ambiental] dos entes federativos. Não somos a favor de tudo [do projeto de lei], mas os pontos fundamentais têm que ser considerados", diz o dirigente da Abidb.

Em entrevista recente, o ministro dos Transportes, Renan Filho, disse que o governo vai decidir se encampa a totalidade do texto ou se encaminha uma nova versão ao Congresso. Há, também, a possibilidade de que os senadores alterem alguns pontos do que foi aprovado pela Câmara. "O que não se pode é cercear a discussão", disse o ministro. O Ministério do Meio Ambiente não se manifestou sobre o texto.

Além da questão ambiental, outro possível gargalo que preocupa o setor de infraestrutura é a capacidade das empresas de engenharia do país. Segundo empresas que atuam em concessões de transportes, o tema já era alvo de preocupação desde antes do lançamento do Novo PAC, mas agora o alerta se torna ainda maior. "Estamos com muitos projetos no país, e isso é ótimo. Mas é preciso olhar todo o circuito que vai ter que ser percorrido para que o investimento se torne realidade. Hoje esse é um dos principais desafios para as concessionárias. Porque é preciso garantir que vai haver construtora com capacidade, licenciamento, tudo isso sem atrasos", afirma Marco Aurélio Barcelos, presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR).

No setor de construção, há dois problemas centrais: o acesso a crédito e a disponibilidade de mão de obra, diz Carlos Eduardo Lima Jorge, vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). São entraves que atingem desde as empreiteiras envolvidas na Lava-Jato até as empresas de menor porte. "O setor vem de um momento difícil em 2021 e 2022. Após a inflação de insumos, a maioria dos contratos sofreu desequilíbrios enormes, e o caminho para o reequilíbrio é longo. Muitas construtoras ainda sofrem com esse efeito", diz Jorge.

Desde a Lava-Jato, o mercado de crédito se fechou para o segmento. "O setor de construção civil no Brasil passou a ser ligado a um risco reputacional. E a cadeia do setor de infraestrutura é formada principalmente por companhias de médio e pequeno portes, a maioria não tem estrutura de governança", afirma Karla Bertocco, sócia da Jive Investments. O resultado é que as construtoras têm tido dificuldade para obter capital de giro, algo essencial para obras de maior fôlego, dado que as empreiteiras precisam aportar recursos volumosos para mobilizar a obra, mas o pagamento vem só depois.

Com o Novo PAC, as empreiteiras tentam negociar com o governo federal a liberação de fontes de crédito para o setor. O tema é visto no mercado como sensível como consequência do histórico de corrupção em obras públicas do passado recente. "Não há falta de construtoras, o que existe é um desafio para o financiamento, a emissão de seguros de garantias, seguros-fiança. É preciso viabilizar um fundo estruturante garantidor para infraestrutura", diz Cláudio Medeiros, presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon). A entidade representa grupos como Novonor, antiga Odebrecht, e Andrade Gutierrez.

Uma das ações de apoio indicadas pelo governo é a liberação de recursos do Fundo Garantidor para Investimentos (FGI), operado pelo BNDES, para as construtoras. Segundo empresas do setor, ainda não foram definidos os termos exatos, mas a ideia seria conceder um financiamento em um valor de 15% a 20% do contrato, que teria que ser pago em prazo de um ano. O objetivo seria garantir o início da obra.

A Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias (Aneor) também deverá encaminhar ao governo três pedidos referentes a financiamento do setor, diz o presidente, Danniel Zveiter. O primeiro é uma linha de capital de giro, em que o contrato da obra serviria de garantia. O segundo é crédito para aquisição de equipamentos para execução das obras. E o terceiro é incluir, nas obras do PAC, um mecanismo de antecipação dos repasses às construtoras, com "garantias efetivas de que a empresa vai cumprir as obrigações".

Questionado sobre o tema, o BNDES afirmou que trabalha junto à Casa Civil no desenho de "uma linha de garantias para alavancar a retomada da engenharia nacional" e das medidas legais e legislativas necessárias. Um aspecto do Novo PAC que tende a facilitar a resolução da questão é que não há mais previsão de construções faraônicas, mas sim projetos públicos mais pulverizados e concessões privadas, em que há um "fatiamento" das obras, para diluição de riscos. "Não vemos mais anúncios de grandes obras, isso modula o mercado e permite uma participação maior de médias empresas, que tendem a ganhar fôlego", diz Jorge, da CBIC.

Outro problema identificado no setor de construção é a mão de obra. "Há uma baixa qualificação para serviços técnicos mais especializados", diz Natália Marcassa, do MoveInfra. Na visão da executiva, uma possível forma de resolver o problema seria reduzir as barreiras de entrada para construtoras e profissionais estrangeiros no país. Para as entidades do setor, a saída deverá ser trabalhar junto a órgãos de capacitação técnica para fazer treinamentos, em especial nas áreas nas quais as obras do Novo PAC devem se desenvolver.

Esta é a segunda de três reportagens especiais semanais sobre o Novo PAC.

Valor Econômico, 12/09/2023, Brasil, p. A4.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/09/12/pac-3-deve-enfrentar-…

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