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Os sobreviventes

Isto E, Ciencia, Tecnologia & Meio Ambiente, p.106-108
01 de Dez de 2004

Ecologia
Os sobreviventes
As iniciativas nacionais já começam a reverter o quadro de ameaça às espécies marinhas
Cláudia Pinho
Um dos passatempos de seis estudantes de oceanografia da Universidade do Rio Grande, no Rio Grande do Sul, era percorrer as praias brasileiras para estudar os animais marinhos. Numa viagem ao Atol das Rocas, uma cena os chocou: dezenas de pescadores matavam tartarugas fêmeas que estavam ali para a desova. Depois de tentar, em vão, impedir o massacre, eles resolveram agir. Tanto fizeram que foram chamados para o recém-criado Programa Nacional de Conservação Marinha, do governo federal. O projeto, criado nos anos 80, se desdobrou em outras iniciativas para preservar o peixe-boi, a baleia-jubarte e ainda as tartarugas-marinhas.
Prestes a completar 25 anos em janeiro, o projeto de proteção das tartarugas-marinhas, ou Tamar, conta hoje com mais de mil funcionários. Nove em cada dez são das comunidades locais e monitoram a chegada e a desova das tartarugas em mil quilômetros de praia, desde Fernando de Noronha até Ubatuba, em São Paulo. O mérito do projeto foi envolver os pescadores, que se tornam guardiões das tartarugas. Se eles não tivessem uma oportunidade, a matança continuaria”, diz o gaúcho Guy Marcovaldi, um dos fundadores do Tamar.
Nas 20 bases instaladas em oito Estados, os filhotes são marcados para ser rastreados via satélite, para que os cientistas acompanhem seu desenvolvimento. No primeiro ano do projeto, duas mil tartarugas chegaram ao mar. Hoje, cerca de 650 mil por ano completam o trajeto. Até janeiro, a meta é chegar a sete milhões de filhotes a salvo, pelo menos dos caçadores humanos. O trabalho virou referência e será tema de um documentário exibido no domingo 28 pelo canal pago de tevê National Geographic Channel. Outros quatro documentários também vão ganhar as telas e são dedicados à onça-pintada, ao lobo-guará, ao muriqui e ao peixe-boi.
Tubarão – Um dos mamíferos aquáticos mais ameaçados do País, até os anos 1980 o peixe-boi era uma espécie desconhecida. Quase não havia estudos sobre o animal descrito pela frota de Pedro Álvares Cabral, que era figurinha fácil no Norte e Nordeste brasileiros. Ele era caçado pelos índios, que comiam sua carne, usavam o couro para se aquecer e os ossos para a confecção de utensílios e artefatos. A caça foi tanta que hoje existem só 500 exemplares. O panorama começou a mudar há 24 anos, com os trabalhos do Projeto Peixe-Boi. Fizemos um levantamento da costa litorânea e começamos a resgatar e a devolver os animais ao mar”, diz o oceanógrafo Régis Lima, chefe do Centro Mamíferos Aquáticos do Ibama.
Conscientizar os moradores da necessidade de se preservar a espécie foi a tarefa mais árdua. Além de abandonar a caça aos peixes-boi, agora os moradores avisam quando há filhotes em perigo. Depois da caça, o maior problema desses mamíferos são os encalhes. As fêmeas precisam de áreas tranquilas para parir e com a diminuição dos mangues – seus berçários naturais – elas dão à luz perto das ondas, que carregam os filhotes para a areia. Nosso trabalho é resgatar o filhote, amamentá-lo por dois anos e meio, introduzir algas e capim na dieta, para depois soltá-lo no mar aos três anos”, diz a veterinária Jociery Vergara Parente, do Centro Mamíferos Aquáticos. Em dez anos, 11 animais voltaram à natureza. O primeiro foi o filhote Lua. No sábado 27, outros três devem voltar às águas salgadas de Alagoas.
Outra iniciativa de destaque é o Projeto Coral Vivo, dos cientistas das Universidades Federais do Rio de Janeiro e de Pernambuco. Pela primeira vez, eles documentaram todas as fases de reprodução em cativeiro de um coral-cérebro (Mussismilia harttii), espécie exclusiva brasileira. A experiência pretende manter intactos os embriões na primeira fase de vida, quando só 10% deles sobrevivem, e depois reintroduzi-los nos recifes. Os corais são os primeiros seres vivos a sofrer com alterações ambientais e são essenciais para o equilíbrio dos mares.
Retratado como o vilão dos oceanos, o tubarão também ajuda na manutenção do ciclo de vida aquática. Ele tem a mesma tarefa dos urubus: devorar cadáveres animais, o que impede o acúmulo de bactérias e microrganismos nos oceanos. Como está no topo da cadeia alimentar, o tubarão é vital para o equilíbrio do ciclo da vida. É mais fácil alguém morrer com a queda de um coco na cabeça do que pelo ataque de um deles”, diz o biólogo Marcelo Szpilman, diretor do Projeto Tubarões (Protuba).
Um de seus objetivos é mostrar que o ser humano não faz parte do cardápio dos tubarões. Os ataques a banhistas só ocorrem porque os animais os confundem com focas e tartarugas, sua comida preferida. Outra meta é obter informações sobre as 90 espécies de tubarão que nadam em águas brasileiras. Cerca de 35 espécies já estão ameaçadas de extinção. São iniciativas como essas, tocadas por quem não mede esforços para defender seus ideais, que colocam o Brasil no caminho certo para a preservação de sua maior riqueza.

Um universo desconhecido
Ao pesquisar os oceanos dos quatro cantos do planeta, o Censo da Vida Marinha anunciou 13 mil novas formas de vida aquática, sendo 106 espécies de peixes. Ao custo de US$ 1 bilhão e com a participação de mil cientistas de 70 países, o estudo começou em 2000 e deve acabar em 2010. O objetivo é traçar um mapa geral dos oceanos e montar um banco de dados das espécies marinhas, de bactérias a baleias.
A expectativa é que nos próximos anos surjam outros milhares de organismos ainda desconhecidos. Há hoje cerca de 230 mil espécies descritas na literatura científica e calcula-se que existam pelo menos dez vezes mais espécies a ser descobertas. Entre as estrelas do censo marinho estão o peixe-escorpião, o girassol aquático e a bactéria azul (fotos). Com o uso de transmissores presos a alguns peixes, os pesquisadores puderam acompanhar a trajetória de atuns e tartarugas.

Isto É, 01/12/2004, p. 106-108

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