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Os lugares para a memória

Diário do Nordeste - http://diariodonordeste.globo.com
15 de Mai de 2009

Seminário reúne grupos étnicos indígenas e afrodescendentes para discutir ações políticas voltadas para criação e manutenção de espaços museológicos

Para o pensador russo Iuri Lótman (1922 - 1993), não havia meio termo: "cultura é memória". Deixou escrito que, "em essência, (ela) se dirige contra o esquecimento". É uma concepção de cultura muito próxima daquele pensado por Lótman que serve de base para as discussões do "Seminário Emergência Étnica: índios, negros e quilombolas construindo seus lugares de memória no Ceará", que acontece de hoje até domingo, no Condomínio Espiritual Uirapuru.

O evento é resultado de uma parceria da Secretaria da Cultura do Estado (Secult) e da ONG Instituto da Memória do Povo Cearense (Imopec). A proposta é reunir representantes dos povos indígenas, das comunidades quilombolas e do movimento negro urbano para discutir a criação, a manutenção e a reformulação de espaços da memória.

Como resultado, o seminário pretende chegar a propostas de políticas públicas para apresentá-las a Secult, dentro da área museológica. São esperados 120 participantes, sendo trinta pessoas de cada segmento (índios, quilombolas e negros de comunidades urbanas) e trinta formados por representantes do Estado e de ONGs, além de intelectuais ligados à área.

Afirmação

Segundo os organizadores do seminário, a idéia é fortalecer iniciativas, além de fomentar projetos, ligados às "casas de memória" étnicas. O conceito abrange desde museus a outros espaços culturais, nos quais a história destes grupos seja guardada e circule na comunidade.

"Elas têm uma importância imensa", avalia Célia Guabiraba, coordenadora de projetos do Imopec e um das organizadoras do seminário. "Uma casa dessas fortalece a identidade do grupo. A autoestima se eleva e, com ela, se amplia a capacidade das pessoas de se reconhecerem e se afirmarem para toda a sociedade", explica.

Historiado e pesquisador do Museu do Ceará, Alexandre Gomes explica que as discussões partem de demandas das próprias comunidades. "Antes do seminário, fizemos visitas técnicas e cursos em comunidades indígenas no ceará que possuem museus e casas de cultural. Nosso objetivo é tirar propostas de reestruturação museológica, adaptando estes espaços às normas contemporâneas, conforme os interesses e as demandas dos índios", conta o pesquisador.

A educadora Elane Carneiro, que integra o Instituto Negra do Ceará, pesquisou em seu mestrado experiências de espaços de memória em comunidades quilombolas. "O museu dentro de uma comunidade não é um prédio. Uma das falas mais interessantes que ouvi foi de que 'o museu é cada um, são todos aqueles que tem história para contar, a própria paisagem da comunidade'", explica.

Para ela, esta postura das próprias comunidades ajudam a orientar as ações políticas, voltas para uma nova idéia de museologia que aproxima a instituição do cotidiano. Elane Carneiro também esclarece a idéia da presença dos negros no seminário, divididos entre quilombolas e movimentos urbanos. "É interessante porque as comunidades quilombolas ficam em locais específicos e o território está ligado à questão da identidades. Claro que há pontos em comum, mas as demandas e a organização destes dois grupos são específicas", detalha a pesquisadora.

"Outros"

Nas entrelinhas do encontro, se encontra a questão do "outro", aquele que está apartado, excluído. Negros e índios foram rechaçados por planos políticos do País e tiveram seu papel na história diminuído em grandes interpretações do Brasil.

Mas, além deles, há "outros", que são contemplados no seminário, mas que vivem impasses semelhantes. É o caso das comunidades ciganas que vivem no Estado.

"Sim, estas lacunas existem. Além do que se chamavam de minorias étnicas, temos as comunidades tradicionais, caso de pescadores, marisqueiros e outros. Mas, neste primeira momento, temos que fazer uma escolha. Como o Museu do Ceará já vinha trabalhando com o movimento indígena, e se aproximou muito do movimento negro neste último ano, acabamos com esta configuração. O trabalho também já vinha sendo desenvolvido pela Secult e pelo Imopec, com estes grupos", explica o historiador Alexandre Gomes.

Célia Guabiraba, do Imopec, reforça: "não significa que marginalizamos estas etnias. Nós priorizamos estas duas porque são aquelas com as quais o Instituto trabalha há 20 anos. E são, também, aquelas que, desde os anos 1970, tem se destacado em organização e luta pelos direitos".

ESTUDOS

Coleção - Durante o ´Seminário Emergência Étnica´, serão lançados três livros: ´Na mata do sabiá´ e ´Negros no Ceará´, coletâneas de ensaios de autores diversos; e ´Traços étnicos´, do antropólogo Alex Ratts. O livro de Ratts é 56o publicado pela Coleção Outras Histórias, do Museu do Ceará. É o primeiro da série a ser lançado nesta gestão da Secult. Nele, o autor reúne 15 artigos, de uma produção que começa em 1992. Dosando opinião e análise científica, Ratts avalia, por diversos ângulos, a questão cultural das etnias ligados aos espaços. O lugar em que se vive, no caso de quilombolas e índios, está ligado à própria afirmação de identidade do grupo. O livro será lançado sábado, às 18 horas, durante o seminário. (DR)

Mais informações:

´Seminário Emergência Étnica: índios, negros e quilombolas construindo seus lugares de memória no Ceará´, de hoje a domingo, no CEU (Av.Alberto Craveiro, 2222 ). Abertura às 14 horas. Contato: 3226.9370

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