VOLTAR

Os indígenas e quilombolas ameaçados pela soja, veneno, portos e o preconceito

Agência Pública - https://apublica.org
Autor: Texto: Ciro Barros | Fotos: José Cícero da Silva
01 de Out de 2019

Na zona rural de Santarém, na região paraense do Planalto Santareno a lentidão de décadas na demarcação de territórios tradicionais vem acirrando os conflitos com fazendeiros.

"Esse barulho é porque eles estão trabalhando lá", alerta à reportagem da Agência Pública o indígena Munduruku Paulo da Silva Bezerra, morador da aldeia indígena Açaizal, localizada na área do Planalto Santareno, zona rural de Santarém, Pará. Enquanto conta sua história, ele aponta para um vizinho de cerca, um grande fazendeiro da região. O contraste é imediato: a casa de Paulo é tomada pela mata e pela produção familiar (pés de graviola, mamão, pimenta-do-reino), a do vizinho é um mar de milho, o grão da vez na chamada "safrinha" do segundo semestre. Na aldeia onde mora, esse contraste é onipresente: as imagens aéreas mostram as grandes fazendas recortando em quadrados as matas nativas numa área em que os indígenas aguardam a demarcação há anos. "A gente quer que o governo e os fazendeiros parem com essa agressão", reclama Paulo. Segundo ele, nas épocas de safra de soja, os agrotóxicos são levados pelo vento até a sua casa, contaminando suas plantações. "A gente chega a ficar todo molhado de veneno", diz.

A aldeia Açaizal é o epicentro do conflito que ocorre no planalto santareno entre os grandes fazendeiros - chamados de "sojeiros" - e os indígenas. Mas não é o único. Além da Açaizal, outras comunidades indígenas e quilombolas da região próxima ao lago do Maicá também pedem a demarcação de suas terras, hoje cercadas e ocupadas por grandes fazendas de commodities.

Na região visitada pela reportagem, entre duas glebas públicas federais, Ituqui e Concessão de Belterra, ao menos quatro aldeias indígenas, habitadas pelos Munduruku, e três comunidades quilombolas - Murumuru, Murumurutuba e Tiningu (ao todo, existem 12 comunidades quilombolas na região do planalto) - veem seus processos de demarcação andar a passos lentos, enquanto as fazendas de grãos se expandem no local desde os anos 1990. A situação de indefinição na demarcação das terras vem acirrando os conflitos na região. Em novembro do ano passado, delegados da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) constataram a tensão in loco: quando visitaram a região do planalto para realizar uma audiência pública, os delegados foram barrados pelos sojeiros, que ocuparam as estradas de acesso à região com suas caminhonetes.

Além da soja, as comunidades temem os impactos da construção de dois grandes portos na área do lago do Maicá. Um deles é idealizado pela empresa Empresa Brasileira de Portos Santarém (Embraps) com o objetivo de escoar a produção na região do Planalto Santareno.

As obras desse porto estão suspensas pela Justiça Federal desde 2016, após denúncia do Ministério Público Federal (MPF) por ausência de consulta adequada às comunidades tradicionais atingidas pelas obras. Em setembro, o MPF recomendou à Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará a suspensão do licenciamento do segundo porto, projetado pela distribuidora de petróleo Atem, até que seja feita a consulta prévia às comunidades atingidas pelas obras. Há, também, uma investigação em curso no MPF para apurar a regularidade das licenças emitidas pela Semas em favor da Atem.

Na aldeia Açaizal, a chegada da soja já afetou significativamente o meio ambiente. O principal curso d'água usado pelos indígenas, o igarapé do Açaizal, já foi completamente aterrado pelo uso intensivo das terras - o MPF ajuizou, no último mês de agosto, uma ação civil pública responsabilizando os órgãos ambientais estadual e do município de Santarém pela situação.

O assoreamento, segundo o órgão, deve-se às atividades de monocultura na região. "Não foram observadas práticas de controle de erosão nas lavouras de grãos situadas no entorno do igarapé", assevera o MPF. A Polícia Federal investiga ainda a contaminação dos cursos d'água por agrotóxicos na aldeia.

Enquanto a demarcação na Fundação Nacional do Índio (Funai) e no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) não avança, os fazendeiros se organizam para fazer frente às demandas das comunidades também na área antropológica.

https://apublica.org/2019/10/os-indigenas-e-quilombolas-ameacados-pela-…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.